3 de outubro de 2022

Boram, Júlia, Túlio e a importância dos campeonatos de barista para o Brasil

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Barista, pelo menos nos filmes americanos, é aquele emprego temporário para jovens que precisam trabalhar quando estão na faculdade. Sua função é preparar bebidas com nomes difíceis de lembrar, como “double vegan moka caramel”, para uma fila de clientes que aguardam impacientes.

A realidade, como vamos ver neste artigo, vai muito além desse estereótipo, pois a cada ano a profissão de barista pede pessoas mais capacitadas, comprometidas e motivadas a seguir uma carreira no café.

Nos últimos anos, a evolução da profissão está atrelada ao crescimento do mercado de cafés especiais, que coloca o foco na qualidade da bebida, promovendo transparência sobre os processos e dando protagonismo aos atuantes da cadeia, incluindo aqueles que servem o cliente final.

Um dos reflexos dessa valorização da profissão é o Campeonato Mundial de Barista. Organizado pela World Coffee Events, que elege anualmente o melhor barista do mundo, numa competição que transforma baristas em verdadeiros atletas e estrelas.

Em 2022, o Brasil teve uma excelente performance em várias categorias, mostrando que o mercado interno brasileiro está amadurecendo. Boram Um, da Um Coffee Co., rede de cafeterias e microtorrefação em São Paulo, de família produtora de café, e Júlia Fortini (foto de destaque), da Academia do Café, também proprietária de cafeteria, microtorrefação e produtora de café, tiveram performances históricas no Mundial de Barista e de Brewers ocorridos na Austrália na última semana. 

Túlio Fernando de Souza, da microtorrefação Nerd Coffee House, já havia conquistado uma excelente colocação (15ª posição) também no Mundial de Torra realizado em junho, em Milão.  

O PDG Brasil conversou com um competidor e três profissionais envolvidos com o campeonato no Brasil para entender qual é a importância dos campeonatos para o setor, em termos de promoção da profissão, oportunidades e inovações. Continue lendo para saber mais.

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a importância dos campeonatos

Entendendo o Campeonato de Barista

Cada competidor faz uma apresentação de 15 minutos, na qual deve preparar 4 espressos, 4 bebidas à base de leite e 4 drinks autorais à base de café, que são servidos aos juízes. O competidor também tem que descrever o café selecionado.

Os juízes se dividem em 2 grupos. Um avalia a técnica do competidor, considerando aspectos como habilidade, fluxo de trabalho, limpeza e fala. O outro avalia as bebidas, considerando aspectos como equilíbrio, notas aromáticas e a criatividade da receita.

O campeonato mundial é composto pelos campeões de cada país participante. No primeiro round, 15 competidores se classificam para a semifinal, da qual são escolhidos 6 para a final. Todo ano, a competição é sediada em uma cidade diferente. 

Além do campeonato de barista, há também as competições de latte art, brewer (preparo manual), cup taster (provador), torrador e coffee in good spirits (drinks alcoólicos com café), que mostram as diferentes áreas na quais um profissional do café pode se especializar.

baristas campeonato

O perfil de competidor

O campeonato é uma oportunidade preciosa para profissionais que querem mostrar potencial e alçar voos. Embora seja aberto a todos que desejem participar, existem alguns requisitos para ser um competidor viável. 

Além de preparar as bebidas com excelência, comunicar-se com clareza e portar-se com simpatia, os competidores precisam, segundo Edgard Bressani, mostrar conhecimento bastante abrangente. 

Para ele, o competidor precisa ser “um profissional que tenha certo conhecimento sobre produção de café para poder discorrer melhor sobre o lote que está usando, como foi produzido”. E este conhecimento se estende até o perfil de torra que foi desenvolvido e sobre a extração.”  

Demonstrar conhecimento “da planta até a xícara” é prova de que o mercado exige cada vez mais dos baristas, que, em vez de serem meros preparadores de espressos e cappuccinos, passam a ser o elo entre o consumidor final e toda a cadeia por trás. 

Todo o know-how e paixão agregados nas etapas anteriores precisam ser traduzidos em informação e um produto de qualidade para os apreciadores – e cabe ao barista essa importante tarefa.

campeonato café

Oportunidades e recompensas

Participar do campeonato de barista não é fácil, requer muito estudo e prática, que no final se convertem em evolução profissional. Mas o que os vencedores podem esperar em termos de retorno sobre o investimento? 

Para Georgia Franco, da Lucca Cafés, que tem ampla experiência na formação de competidores, “a maior recompensa é o feedback dos juízes experientes”, que também é o alicerce de uma carreira de sucesso.

Vinicius Estrela, diretor executivo da BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais), explica que o campeonato pode abrir portas para diversas áreas de atuação, como consultoria, treinamento, participação em eventos, embaixador de marca e até criação da marca própria.

Para Boram Um, bicampeão brasileiro (2020 e 2022), o barista precisa ter um direcionamento em mente para aproveitar os 15 minutos de fama e concretizar novas oportunidades: “Competir só por competir e aparecer na mídia não é uma recompensa boa, porque os ciclos acabam rápido.”

mundial de baristas

Evolução em foco ano após ano

O campeonato é o palco onde outros atores coadjuvantes também mostram o que têm de melhor, como fabricantes e produtores. Os últimos anos têm visto um salto de qualidade enorme em conhecimento, que se reflete na evolução dos equipamentos, software e técnicas, tudo no sentido de proporcionar mais controle de parâmetros em todas as etapas da cadeia.

Um caso bem conhecido é o do barista japonês Tetsu Kasuya, que venceu o campeonato de brewers em 2016 com sua técnica 4:6 de extração. O título trouxe a ele fama e uma linha signature de utensílios da Hario, com modificações no porta-filtro V60 que ele especificou para facilitar seu método. Atualmente, ele atua como consultor.

O barista campeão é um embaixador do seu país e coloca o holofote sobre o café que escolheu para se apresentar. Saber justificar a escolha de grãos e extrair o melhor deles abre oportunidades também para os produtores. Como nos disse Boram, “fazendas se consolidam e se consagram no mercado sendo grandes apoiadores de competidores.”

A conexão produtor-barista fica ainda mais estreita quando o competidor colabora na produção de lotes, dando feedback sobre variedades e processos de pós-colheita, e até participando de perto para produzir o melhor lote possível. Naturalmente, para competidores localizados na origem, esse intercâmbio é muito mais fácil.

Em 2021, Boram selecionou um lote fermentado da variedade exótica Aramosa, da Fazenda Daterra, para representar uma tendência que pode abrir portas para o grão brasileiro em termos de variedade, processo e potencial sensorial. No Mundial, agora na Austrália, ele novamente competiu com uma variedade de baixo índice de cafeína, a laurina, mas desta vez, do Valle de Cauca, da Colômbia (Granja La Esperanza). 

Cafés brasileiros não costumam estar entre os escolhidos por competidores do mundial, o que talvez se explique pela ideia ultrapassada, porém ainda resistente, da inferioridade sensorial do grão brasileiro. Uma das razões é a disponibilidade da safra: os cafés brasileiros ainda estão sendo beneficiados neste período do ano em que, em geral, ocorre a final do mundial. 

Embora os competidores possam selecionar um café de qualquer país, ver um competidor brasileiro ao alto do pódio, ou um café brasileiro (o que já aconteceu) – ou ambos – seria um marco com repercussões enormes para o país.

Brasil no mundial de Baristas

Perspectivas para o Brasil

Como maior produtor e segundo maior mercado consumidor do planeta, é natural que o Brasil queira ver um representante chegar ao topo. A melhor colocação que o país conseguiu foi no já distante ano de 2006, um sexto lugar conquistado por Silvia Magalhães, da SM Cafés.

Em 2021, o êxito do colombiano Diego Campos, primeiro campeão mundial do país vizinho sul-americano, aumentou ainda mais a ansiedade para ver esse momento chegar.

O histórico do campeonato mostra que países produtores não estão sempre entre os finalistas, embora Panamá, Guatemala e Colômbia já tenham chegado ao topo em três das 22 edições.

Neste ano, Boram Um ficou em 7º lugar no Mundial de Barismo, a melhor colocação do Brasil desde o feito de Silvia, há 16 anos, destacando-se entre 47 países em uma disputa extremamente difícil e detalhista.

Júlia Fortini conquistou o 10º no Mundial de Preparo de Café (Brewers) superando países de bastante tradição nesse tipo de competição, como Dinamarca, Japão e Reino Unido. Um feito também histórico. Estamos avançando ano após ano. Em 2021, Garam Um, irmão de Boram, havia se classificado em 9º na mesma categoria. Em 2019, havíamos chegado apenas ao 31º lugar.  Carolina Franco de Souza, do Lucca Cafés, chegou a alcançar o 5º lugar no Brewers em 2013. Foi a melhor colocação de um brasileiro nessa categoria, mas, diferentemente do cenário atual, à época não sinalizou uma tendência, já que foram necessários quase dez anos para chegarmos ao top 10 novamente.

mundial de barismo

Perguntamos aos entrevistados o que falta para ver essa meta se concretizar. Para Boram, o mercado nacional ainda precisa amadurecer para competir em pé de igualdade com os países compradores, que têm mercados mais desenvolvidos..

Isso vai ao encontro do comentário do inglês James Hoffman, campeão de 2007, que disse que os países mais desenvolvidos são os que levam mais inovações e conceitos aos mundiais, aumentando suas chances de vitória.

Boram também ressalta a importância do trabalho em equipe para dar suporte aos competidores, que precisam de bons treinadores, apoio moral e financeiro de empregadores e outras partes investidas nessa missão.

Nesse sentido, Vinicius Estrela afirma que a BSCA é parceira ativa, desenvolvendo projetos para impulsionar o campeonato e oferecendo apoio aos baristas, como sala de treino e workshops.

mundial de torra de café

Com muita vivência em campeonatos como juízes, treinadores e incentivadores de talentos, Georgia Franco e Edgard Bressani afirmam com confiança que nada impede o país de concretizar a meta. Trata-se de um trabalho que requer união, visão de longo prazo, aprendizado com os erros e investimento contínuo, pois campeões, assim como o café, não se criam só plantando, e o Brasil tem tudo para chegar lá.  

Se depender de Boram, Júlia, Túlio, Emerson Nascimento(Coffee Five), Garam, Phelippe Nascimento (Carmo Coffees), Daniel Munari (Royalty), Tiaguinho Rocha (Manana Cafés), Hugo Silva (Sabino Torrefação) e muitos outros e outras, estamos perto. Bem perto.  

Créditos: Divulgação BSCA (performance de Hugo Silva e campeões com jurados, no campeonato nacional); Connor Clarke/World Coffee Events (a barista Júlia Fortini durante o Mundial de Preparo de Café/destaque e outras; e fotos de Boram Um no Mundial de Barista – 2022); Divulgação Nerd Coffee (o mestre de torras Túlio carregando saca de café do Brasil).

Colaboração: Giuliana Bastos.

PDG Brasil

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