15 de setembro de 2023

Quanto custa um café de competição?

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Desde sua criação em 2000, a World Barista Championship já apresentou alguns dos cafés mais exclusivos e de alto nível do mundo. Escolher qual café usar no WBC, assim como em qualquer outra competição mundial do setor, é uma das decisões mais importantes que um competidor pode tomar.

Uma escolha muito popular entre muitos é a Gesha, uma variedade conhecida por sua qualidade excepcional e perfil de sabor. Nos últimos anos, no entanto, vimos cada vez mais competidores optarem por variedades de arábica menos conhecidas e até mesmo espécies de café “esquecidas”.

O fornecimento de café para campeonatos mundiais de café é um processo demorado, mas outra questão pertinente permanece: quanto custam os cafés de competição? Além disso, podemos generalizar essa questão, ou ela depende muito de cada café?

Para descobrir, conversei com um barista campeão nacional, um vencedor nacional da Brewers Cup e um competidor do campeonato de baristas dos EUA. Continue lendo para obter mais informações sobre os custos do café da competição.

Você também pode gostar do nosso artigo sobre como os competidores obtêm café para o World Barista Championship.

Baristas avaliando café de competição

Como os competidores compram café para participar dos campeonatos mundiais?

Garantir que sua rotina se destaque é essencial para qualquer competidor dos campeonatos mundiais de café. E escolher quais grãos usar no palco está no centro disso.

Uma opção para muitos competidores é trabalhar com treinadores e provar uma variedade de cafés em cuppings às cegas. Isso permite que eles selecionem um café puramente com base no perfil de sabor, em vez de procurar uma variedade ou método de processamento específico.

Alguns competidores com melhor condição financeira visitam fazendas para encontrar seu café para concorrer. Aqui, eles podem trabalhar mais de perto com os produtores para decidir sobre um café específico ou ter mais informações sobre técnicas de processamento para desenvolver um determinado perfil de sabor.

Harry Ko é um torrador de controle de qualidade na Bennetts, na Austrália. Ele também é o campeão da Australian Brewers Cup de 2022 e ficou em oitavo lugar na final mundial daquele ano. Para sua rotina, Harry me diz que usou um café Sidra da Colômbia que foi processado usando um método de “fermentação pesada”. Ele explica que trabalhou em estreita colaboração com os produtores para processar o café.

Quais são os cafés mais populares?

A Gesha tem sido a queridinha do café especial há algum tempo. Recentemente, um lote dessa variedade produzido na Elida Estate através do processamento honey atingiu o valor de US$ 6.034/lb . E com isso quebrou o recorde de café mais caro do mundo. Dos 11 campeões da World Brewers Cup de 2011 a 2022, oito usaram Gesha. Incluindo aí o campeão do WBrC de 2022, Shih “Sherry” Yuan Hsu.

No entanto, durante os eventos anteriores de campeonatos mundiais de café, vimos cafés mais incomuns e menos conhecidos serem apresentados, como:

Como variam os preços dos cafés de competição?

Harry me disse que o preço do seu café Sidra era de cerca de AU$ 30/kg (US$ 19,73). No entanto, quando os custos de frete e alfândega também foram contabilizados, o preço dobrou – mas Harry reconhece que isso continua na extremidade inferior da faixa de preço do café da competição.

“O preço que você paga pelo café não é apenas a pontuação da xícara e as notas de sabor”, diz ele. “Você também tem que contabilizar a colheita e o processamento, bem como a exportação.”

Enquanto isso, o custo de outros cafés específicos pode ser muito maior.

Ricardo Azofeifa Mora é barista, Q grader e exportador na Costa Rica. Ele também é o barista campeão costarriquenho de 2022. Ele diz que, de acordo com sua experiência, os cafés da competição podem variar de US$ 10 a US$ 50/lb. 

Verônica Pearl é a fundadora do Glitter Cat Barista, educadora e consultora de café. Ela também ficou em segundo lugar no Campeonato de Baristas dos EUA de 2018. Ela diz que já viu competidores usarem café que custa mais de US$ 150/lb.

Harry, por sua vez, diz que, enquanto comprava seu café para a Australian Brewers Cup de 2022, ele encontrou um café com um preço impressionante de US$ 10 mil por kg. Ele acrescenta que esse café estava muito acima de seu orçamento de AU$ 200 (US$ 131,29) por kg.

Quem paga por esses cafés?

É justo dizer que a maioria dos baristas não pode pagar o café da competição do seu próprio bolso. Mesmo com cartões de crédito e empréstimos, os competidores muitas vezes passam por muitos quilos de café para regular o café corretamente. Então, como eles os usam em suas rotinas?

Uma opção é que um patrocinador pague pelo café de um competidor. Os patrocinadores podem ser um empregador, mentor, outra empresa ou organização.

“Mais recentemente, vimos um aumento de competidores independentes”, Verônica diz. “Há também alguns torrefadores que pagam pelos cafés dos competidores, podendo acabar com seu lucro.”

Harry explica que durante a maioria de seus sete anos de competição, ele dividiu os custos do café com seu empregador. Para a Australian Brewers Cup de 2022, ele diz que pagou pelo seu café. Enquanto isso, para a Australian Brewers Cup nacional, seu empregador pagou por seu café.

Ricardo explica que, no ano passado, recebeu financiamento total para seu café de competição como parte de uma iniciativa para promover o café costarriquenho ao nível internacional.

“No WBC do ano passado, usei café da minha fazenda, Cafetalera Orígenes, e fui patrocinado pela fazenda Corazón de Jesús”, acrescenta. Em sua rotina, Ricardo usou Coffea sessiliflora, que é nativo da Tanzânia e do Quênia, mas foi fornecido pelo Centro Agrícola Tropical de Pesquisa e Educação (Catie) na Costa Rica.

Juiz do WBC

Preços altos para os cafés de competição deixam alguns competidores em desvantagem?

A conversa em torno da exclusividade dos campeonatos mundiais de café (particularmente o WBC) acontece há algum tempo. A tendência generalizada de usar cafés mais sofisticados e procurados no WBC e no WBrC certamente faz parte dessa exclusividade, pois esses cafés tendem a obter preços mais altos.

Ao mesmo tempo, espécies e variedades de café novas e intrigantes – bem como métodos de processamento inovadores, técnicas de preparo e perfis sensoriais – são o que torna essas competições tão emocionantes e de alto nível.

No entanto, também precisamos reconhecer que os cafés que vêm com um preço mais alto inevitavelmente marginalizarão muitos competidores que simplesmente não podem pagar por eles.

“Quanto mais dinheiro você tiver, maior a probabilidade de se destacar em competições – particularmente no WBC, pois não há rodada obrigatória”, explica Verônica. “E até que possamos encontrar uma maneira de equilibrar a balança, os vencedores dessas competições normalmente serão de países economicamente mais desenvolvidos, que tendem a ser países consumidores.”

Mas Verônica explica que as barreiras para competir nos campeonatos mundiais de café não se limitam apenas ao preço do café. “Os competidores de países consumidores geralmente têm uma vantagem única, principalmente porque têm a oportunidade de escolher café de qualquer país produtor. E provavelmente eles poderão comprar cafés mais caros” diz.

“Os competidores dos países produtores geralmente se limitam mais a usar café produzido dentro de suas fronteiras”, acrescenta. “Para ser claro, um competidor vencedor e seu café podem vir de qualquer país, mas, como o julgamento e as regras estão agora, há um tendência em direção a cafés mais caros de alguns países selecionados.”

Outros fatores a considerar

Quando se trata de patrocínio, Harry explica que pode ser difícil para algumas empresas e organizações financiar competidores – especialmente até que os baristas já tenham vencido competições como forma de “provar” a si mesmos. Ele diz, por exemplo, que a taxa de inscrição da competição, só na Austrália, é de cerca de AU$ 300.

Além de pagar pelo café e pelas taxas da competição, os competidores da WBC e da WBrC também precisam considerar vários outros custos, como:

  • treinamento e coaching;
  • viagens e logística, incluindo vistos;
  • equipamento.

“Além disso, pagar por um café mais caro não garante necessariamente que você vai ganhar”, diz Ricardo.

Em consonância com isso, ele e Harry concordam que os competidores devem se concentrar em outros aspectos de suas rotinas.

“Se usar um café caro fosse a única maneira de ganhar, eu não participaria da competição. Acredito que os competidores podem superar esse obstáculo. Mesmo que eu saiba que um café específico e caro vencerá a competição, provavelmente não vou usá-lo porque ainda posso confiar em minhas habilidades sensoriais e técnicas”, diz Harry. 

Da mesma forma, Ricardo acredita que os competidores dos países produtores podem ter uma vantagem se estiverem mais próximos das fazendas de café. “Geralmente temos melhor acesso a mais variedades de café. Mas, no final das contas, você precisa saber como usar esses cafés para ser lucrativo. No meu caso, tenho orgulho de representar os cafés da Costa Rica”, acrescenta.

Barista se apresentando com seu café de competição no World Brewers Cup

Como deixar os cafés de competição mais acessíveis?

Tornar as competições mundiais de caf mais acessíveis– especialmente o World Barista Championship – é certamente um passo importante para alcançar a verdadeira sustentabilidade em cafés especiais. Com tudo, o uso de variedades e espécies de café mais “tradicionais” ou acessíveis pode ser uma grande parte disso.

Harry, no entanto, não acha que a tendência de usar cafés mais acessíveis em competições vai aumentar – especialmente porque o perfil de sabor e a inovação nos métodos de processamento são muito importantes. “Não é necessariamente sobre o preço, mas mais técnicas de processamento de alta qualidade e cafés ‘redescobertos’ estão surgindo cada vez mais em competições”, diz. 

Ricardo ressalta que, com um foco aparentemente renovado no uso de variedades e espécies raras, ele vê os preços realmente aumentando para os cafés da competição, pois esses cafés são difíceis de produzir em escala. Além disso, ele explica que os produtores que atendem aos competidores de competições mundiais de café tendem a cultivar mais cafés de alta qualidade, que são naturalmente menos acessíveis.

Verônica menciona que é improvável que os limites de preço do café de competições funcionem, mas ela acha que mudanças nas regras podem incentivar os competidores a comprar cafés mais acessíveis.

Possíveis benefícios

De acordo com Harry, no entanto, um dos aspectos mais positivos dos cafés caros em competições é que os agricultores podem se beneficiar. Isso porque os preços dos cafés vencedores do WBC e do WBrC geralmente aumentam na safra seguinte, mas os agricultores também podem receber apoio dos competidores com a colheita e o processamento. 

Como parte de um relacionamento mutuamente benéfico, os competidores podem ajudar os agricultores a cultivar cafés mais exclusivos e ultrarraros e, potencialmente, diversificar suas ofertas.

barista atendendo cliente em uma cafeteria

Cafés extraordinários naturalmente vêm com preços mais altos – e assim devem ser. Estes cafés são especiais e únicos por um motivo.

Mas isso não quer dizer que eles tenham a garantia de vencer o World Barista Championship ou o World Brewers Cup. Em última análise, o que mais importa são as melhores práticas agrícolas, os métodos de processamento e as habilidades dos próprios competidores. 

Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre se os competidores do World Barista Championship precisam praticar com equipamentos oficiais sempre.

Créditos das fotos: Specialty Coffee AssociationWorld Coffee EventsNhan Trinh

Tradução: Daniela Melfi.

PDG Brasil

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