Consumidores de cafés especiais querem mesmo se conectar com os produtores?
É justo dizer que muitas marcas de cafés especiais baseiam suas estratégias de marketing em torno da ideia de que os consumidores querem se conectar com os produtores. Essas técnicas de branding giram em torno da disseminação de mais informações sobre a origem do café e de quem o produz.
A maioria dos profissionais de cafés especiais quer saber o máximo possível de informações sobre a origem. Isso inclui métodos de processamento, variedade, altitude e terroir. Mas e quanto aos consumidores, eles querem mesmo acessar todos esses dados? Para saber mais, falei com Kosta Kallivrousis, da Algrano, Marianella Baez Jost, do Café con Amor e Pedro Miguel Echavarría, da Pergamino Coffee.
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O papel dos agricultores na comercialização de cafés especiais
Se você entrar em quase qualquer cafeteria, em qualquer lugar do mundo, provavelmente verá algum tipo de reconhecimento ou homenagem aos cafeicultores, desde fotos de catadores em fazendas até informações detalhadas sobre produtores e cooperativas em embalagens de café.
À luz disso, certamente parece verdade que cafés especiais e torrefadores querem ter certeza de que seus produtos estão conectados aos produtores de alguma forma. Mas por que?
Conectando consumidores às origens: uma especialidade da casa
Um dos principais argumentos de promoção do café especial é que ele é mais sustentável, rastreável e transparente do que o tradicional. Portanto, é essencial que torrefadores e cafeterias possam preencher a lacuna entre produtores e consumidores, a fim de comunicar esses atributos de forma eficaz.
De acordo com Kosta Kallivrousis, gerente de vendas da Algrano nos EUA, o marketing tem papel fundamental para as marcas de cafés especiais se diferenciarem dos concorrentes. “Grande parte do branding e do marketing dos cafés especiais é sobre mostrar o que os distingue. É uma indústria que nasceu do marketing, e não da demanda do consumidor”, diz.
Marianella é sócia do Farmers Project Specialty Coffee e produtora do Café con Amor, na Costa Rica. Ela concorda, dizendo que as marcas de cafés especiais contam as histórias dos produtores como uma forma de se diferenciar. “Isso demonstra que você tem um relacionamento direto com os fornecedores, mais conhecimento e seu café é mais rastreável. Assim, percepção de qualidade do seu café aumenta e mostra que você está indo além.”
Demonstrar práticas sustentáveis de forma eficaz
A exibição de fotos de fazendas de café em lojas ou em sites, além informar sobre a origem do café, permite que torrefadores e outras empresas demonstrem ter boas relações com seus produtores.
Segundo Pedro, gerente geral da Pergamino Coffee na Colômbia, a maioria das marcas de cafés especiais quer demonstrar que compram seus produtos de forma justa e sustentável. “Traduzir as complexidades associadas a isso em uma tática de marketing simples é incrivelmente difícil, mesmo para os consumidores mais experientes e educados”, diz.
Nos últimos anos, um número crescente de consumidores de cafés especiais quer ter certeza de que as marcas das quais eles compram estão cumprindo boas práticas ambientais e éticas. No entanto, é justo assumir que alguns desses consumidores não estão familiarizados com o que essas práticas realmente implicam. Portanto, comunicá-las de forma eficaz pode ser um desafio, ao mesmo tempo.
Romantismo e fetichização
Não há dúvida de que fornecer aos consumidores mais informações sobre a origem é uma maneira valiosa de os agricultores receberem crédito digno por seu trabalho árduo. No entanto, isso pode rapidamente se transformar em “romantismo” se não for realizado de forma eficaz.
Isso leva alguns consumidores a terem visões idealizadas dos cafeicultores. Por fim, uma fazenda de café é um negócio, e os consumidores devem vê-los dessa maneira também. “O marketing pode apresentar uma imagem muito borrada da realidade que os produtores enfrentam. É difícil para os consumidores discernirem entre o que é real e o que é apenas fumaça”, explica Marianella.
Ela diz ainda que uma vez viu fotos de sua fazenda no site de uma marca. No entanto, ela nunca havia tido qualquer contato com eles. Quando ela os procurou por e-mail, eles afirmaram que nem sempre sabiam de onde vinham suas fotos. “Isso significa que algumas empresas podem fazer afirmações falsas contando uma história, mas nunca visitaram aquele local”, acrescenta Marianella.
Além disso, o uso de certas imagens pode perpetuar a ideia do cafeicultor “empobrecido” ou “exótico”. Impulsionar narrativas como essa, bem como a ideia de que os consumidores ocidentais são “salvadores”, muitas vezes cria falsas percepções generalizadas sobre os produtores de café – resultando em sua fetichização.
“A maioria das pessoas na indústria de cafés especiais quer fazer a diferença e fazer algum bem. No entanto, as maneiras de fazer isso podem ser complicadas. Eles precisam realmente agregar valor aos produtores, criar essas estratégias de marketing em parceria com eles. Então, esses agricultores devem ser compensados”, afirma Kosta.

O que os consumidores realmente querem?
Em linha com estar mais ligado à origem, há uma série de fatores de compra que os consumidores de cafés especiais tendem a valorizar mais.
Primeiro, qualidade. Depois, sustentabilidade
O relatório National Coffee Data Trends de 2022, daNational Coffee Association, afirma que:
- Cerca de 69% dos consumidores de cafés especiais dizem que são mais propensos a comprar café porque é fresco;
- estima-se que 64% dos entrevistados afirmaram que pagar aos agricultores um preço justo é importante;
- cerca de 57% disseram que o tratamento adequado dos trabalhadores agrícolas influencia suas decisões de compra.
Enquanto isso, Kosta diz que acredita que o interesse dos consumidores em pagar aos produtores um preço mais alto pode estar inerentemente ligado ao alívio da culpa em relação à desigualdade econômica e social entre eles e os produtores. “Talvez comprar um pouco de café para resolver isso, mesmo que de uma maneira pequena, ajude a absorver parte dessa culpa”, diz.
Construir confiança
Pedro acredita que, em vez de explicar questões complexas, como a volatilidade do preço por libra/peso, os consumidores querem a garantia de que as marcas das quais compram têm práticas comerciais éticas.
Em última análise, isso amplia a lacuna entre consumidores e produtores, ao invés de uni-los. Os consumidores não são capazes de conhecer toda a extensão dos desafios que os produtores enfrentam nos países de origem. E isso é compreensível.
“Eu não acho que os consumidores de café querem estar mais conectados aos agricultores, por exemplo”, diz Marianella. “No entanto, eles querem ter mais conhecimento sobre o produto: de onde vem, como é produzido e se foi cultivado e obtido de forma ética.”
Ela me diz que o Café con Amor executa uma série de iniciativas que beneficiam diretamente a comunidade agrícola local. Marianella explica que usa as mídias sociais para mostrar aos seus clientes como os programas estão impactando as comunidades. Ela diz que isso entregar mais confiança ao consumidor.
Torrefadores menores, com cadeias de suprimentos mais curtas, tendem a ser capazes de fazer isso de forma mais eficaz do que marcas maiores. De modo geral, isso ocorre porque eles estão em contato direto com os produtores. Por sua vez, isso pode criar mais conexão com os consumidores.
Rastreabilidade
Nos últimos anos, tornou-se cada vez mais evidente que os consumidores querem saber de onde vem seu café. “Precisamos da rastreabilidade real. Os clientes não precisam de certificações e selos que lhes digam que seu café é sustentável. Eles querem informações mais concretas que sejam práticas, honestas e específicas”, diz Marianella.
Pedro concorda dizendo: “Há uma grande porcentagem de nossos fiéis clientes que realmente se importam e perguntam sobre origem, agricultores, nossa estratégia de fornecimento e como pagamos prêmios por certos cafés. Outras pessoas, no entanto, não têm esse nível de conhecimento sobre o café, nem tempo ou interesse para se aprofundar”, acrescenta.
Pedro também ressalta que é presunçoso acreditar que todo consumidor terá um conhecimento profundo da indústria do café e de como ela opera. “Se vamos medir cada consumidor por esse padrão, então também devemos fazê-lo com a gente mesmo. Também sabemos tudo sobre os cafés que compramos? É hipócrita de certa forma”, conclui.

Como o marketing das empresas de café podem influenciar as decisões dos consumidores e assim beneficiar os produtores?
Parece haver uma certa desconexão entre o que os consumidores de café realmente querem e o que o setor de cafés especiais gostaria que eles quisessem. Perguntei a Kosta, Marianella e Pedro como as marcas podem criar um impacto real na origem por meio de suas estratégias de marketing.
Compromisso e responsabilidade
“O que direciona a indústria de cafés especiais é a busca incansável por inovação. O mais recente perfil de torra, variedade ou técnica de processamento, por exemplo. Mas o que falta é compromisso. A realidade é que a indústria do café dirige o navio. Então, temos uma grande responsabilidade de permanecer fiéis aos nossos compromissos sociais e ambientais”, diz Kosta.
Tecnologia e rastreabilidade
“A tecnologia ajuda a resolver a falta de rastreabilidade conectando torrefadores à origem”, explica Marianella. “Por exemplo, podemos nos conectar via aplicativos de nossa fazenda com torrefadores em todo o mundo.
“A possibilidade de ter conversas cara a cara, embora sejam online, acrescentam uma camada extra na construção de uma relação direta com a origem”, acrescenta.
Pedro aconselha os torrefadores a construir seus modelos de fornecimento em torno de como eles querem integrar a sustentabilidade em seu modelo de negócios. Eles podem então criar estratégias de marketing em torno disso – e não o contrário.
Ele também pede aos consumidores que se certifiquem de que os cafés que compram (particularmente blends) sejam obtidos de forma ética. “Por exemplo, há muito mais trabalho que precisa ser feito em termos de transparência quando se trata de blends do que micro lotes”, diz ele.
Construir mais confiança
“Para qualquer negócio, a confiança é uma das coisas mais difíceis de alcançar e uma das coisas mais fáceis de perder”, diz Pedro. “Você agrega valor real quando os consumidores confiam na marca da qual estão comprando.
“Todo torrador tem que olhar para dentro e se perguntar se se sente bem com suas práticas de compra – e comunicar isso”, acrescenta. “Em uma era de informação, se houver alguma prática ruim em sua cadeia de suprimentos, essa confiança pode ser comprometida.”
Em uma nota semelhante, Kosta explica que retratar uma conexão “imaginária” com a origem pode ser uma forma de fetichismo. Por sua vez, pode ser uma traição à confiança dos consumidores.
“Por fim, se uma estratégia de marketing acaba beneficiando a empresa e não as comunidades que a promovem, torna-se publicidade enganosa e é um abuso de confiança para o cliente”, diz ele.

As questões são complexas e difíceis de resolver. No entanto, ainda não está claro se os objetivos sociais e ambientais da indústria de cafés especiais são uma resposta à demanda do consumidor, ou se surgiram para influenciá-lo.
De qualquer forma, é claro que a maioria dos apreciadores de cafés especiais quer saber de onde veio o café, quem o cultivou e se estão sendo tratados de forma justa.
Seguindo em frente, as marcas de cafés especiais precisam garantir que suas estratégias de marketing permaneçam honestas, éticas e justas. Para os consumidores, exigir mais rastreabilidade e transparência das marcas é a melhor maneira de desempenhar um papel nesse processo.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre como a digitalização pode conectar os consumidores aos cafeicultores.
Créditos da foto: Annette McKeown
PDG Brasil
Traduzido por Daniela MelfiQuer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!