É possível avaliar a qualidade do café instantâneo?
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (ABICS), o café instantâneo representa cerca de 25% de todo o café consumido globalmente no varejo. Ainda de acordo com a associação, o consumo do produto aumenta 2% ao ano e isso demonstra o potencial que ele tem no mercado.
A demanda por esse produto permaneceu consistente por décadas desde sua invenção no século XVIII. Em grande parte, isso se deveu à sua acessibilidade e conveniência. No entanto, historicamente, ele é visto como um produto de baixa qualidade.
Nos últimos anos, temos visto mais e mais marcas de cafés especiais lançarem seus próprios produtos de café solúvel, o que indica que essa é uma tendência emergente na indústria.
No entanto, sem medidas formais para avaliar a qualidade sensorial do café instantâneo, está ficando difícil determinar como diferenciar a categoria. Se houvesse o desenvolvimento de práticas formais, produtores, comerciantes, torrefadores e consumidores poderiam estar mais bem informados sobre esse segmento crescente.
Para saber mais sobre como podemos avaliar a qualidade do café instantâneo, conversei com três profissionais do setor. Continue lendo para saber o que eles têm a dizer.
Você também pode gostar do nosso artigo sobre café instantâneo especial na China.

Quando o café solúvel foi desenvolvido?
O primeiro registro de café instantâneo foi em 1890, quando o neozelandês David Strang registrou uma patente para seu processo “Dry Hot-Air”.
Strang então vendeu produtos de café instantâneo sob o nome da empresa Strang ‘s Coffee, mas foi apenas após o lançamento do café solúvel desenvolvido pelo cientista japonês Satori Kato que o interesse no produto começou a crescer.
Cerca de nove anos depois, o inventor belga George Constant Louis Washington lançou o primeiro produto de café instantâneo disponível comercialmente. Foi nessa época que o consumo de café instantâneo começou a aumentar, especialmente durante a Primeira Guerra Mundial.
Em 1938, a Nestlé lançou a marca Nescafé, e a empresa desenvolveu um processo de fabricação mais refinado e padronizado. No entanto, a qualidade geral do café instantâneo permaneceu relativamente baixa nos anos que se seguiram – principalmente porque incluíam canéfora de baixa qualidade.
Apesar disso, a demanda permaneceu estável, mas nos últimos anos, vimos o surgimento do café instantâneo de qualidade especial – mostrando que a qualidade está melhorando.
Fabio Sato é Diretor Comercial do Grupo IGC no Brasil, um dos maiores fabricantes e exportadores de café instantâneo do mundo. Ele aponta as razões que motivam o crescimento na demanda por café solúvel.
“A percepção do consumidor sobre o café solúvel mudou, em grande parte devido à maior variedade de produtos disponíveis – como opções liofilizadas, orgânicas e especiais”, diz ele. Este último inclui 100% arábica e produtos de café instantâneo de origem única.
“Além disso, o café solúvel também pode ser usado como ingrediente em cafés gelados, que tendem a ser populares entre os consumidores mais jovens”, acrescenta. “Além disso, o café instantâneo é mais acessível e mais conveniente do que outros métodos de preparo.”

Como o método de fabricação afeta a qualidade?
Há muitas etapas envolvidas na criação de café instantâneo, todos os quais influenciam a qualidade geral. Estes incluem como o café é obtido, torrado e fabricado, além do modo como ele é desidratado.
A maioria dos cafés instantâneos inclui canéfora, que historicamente tem sido considerado inferior ao Arábica. Isso significou que, no passado, se um produto de café solúvel incluísse arábica (como uma única origem ou blend), era provável que fosse de maior qualidade.
Tal como acontece com qualquer tipo de produto de café, os grãos verdes primeiro precisam ser torrados para desenvolver os sabores e aromas do café. Após moído a um tamanho de moagem muito grosseiro, o café é extraído usando água pressurizada aquecida a uma temperatura de 175°C (347°F), produzindo uma mistura concentrada entre 25% e 60% de compostos solúveis extraídos.
Este concentrado é então seco, usando secagem por pulverização ou liofilização. O primeiro método envolve transformar rapidamente o concentrado de café em um pó seco usando ar quente, enquanto o último é um processo de desidratação através de baixa temperatura e pressão.
Robert Junior é Assistente Comercial da Cocam, fabricante e fornecedora de produtos de café instantâneo no Brasil. Ele explica que, para produzir café instantâneo liofilizado, remove-se a água através de sublimação – que é quando uma substância passa diretamente do estado sólido para o gasoso.
“O processo realizado em temperaturas baixas ajuda a manter os sabores aromas e a qualidade inalterados”, diz. Ele também conta que a Cocam está construindo uma nova planta de produção de café instantâneo com liofilização no Brasil – mostrando que a demanda por café solúvel de alta qualidade continua a crescer.

É possível avaliar a qualidade do café instantâneo?
Nos últimos anos, tornou-se cada vez mais evidente que mais e mais consumidores estão exigindo mais informações sobre seu café. Isso não significa apenas que mais pessoas querem saber de onde ele veio e quem o produziu, mas também entender mais sobre qualidade.
Embora existam vários sistemas de avaliação e classificação de qualidade em todo o setor cafeeiro – notavelmente a escala de classificação de 100 pontos da Specialty Coffee Association – há pouca ou nenhuma estrutura formal de avaliação de qualidade para o café instantâneo.
No entanto, com a demanda crescente por café solúvel de alta qualidade, bem como por uma gama mais diversificada de produtos oferecidos, a necessidade de estabelecer e padronizar procedimentos de avaliação está se tornando mais aparente.
Eliana Relvas é consultora de café no Brasil. Ela também trabalhou em um white paper de 2022 em parceria com a ABICS e o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), que propõe um novo método de avaliação da qualidade do café instantâneo.
“Atualmente, não há uma maneira oficial de avaliar a qualidade do café instantâneo. precisamos criar uma linguagem padronizada para avaliar objetivamente a qualidade desses produtos, bem como descrever seus sabores e aromas, considerando a demanda crescente. Além disso, os cafés com perfis sensoriais distintos são mais populares do que nunca, o que também nos motivou a desenvolver medidas de controle de qualidade para o café instantâneo”, ela diz.
O desenvolvimento de parâmetros para a avaliação da qualidade
Ao contrário de outros métodos de avaliação de qualidade baseados em pontuações de cupping, o novo sistema proposto no novo white paper da ABICS se concentra mais nos atributos de sabor, bem como na intensidade do sabor. “Selecionamos atributos de sabor que acreditávamos serem os mais relevantes”, diz Eliana.
Para identificar esses atributos-chave, os profissionais de café que participaram da pesquisa agruparam várias amostras de café instantâneo que tinham perfis de sabor semelhantes. E então as prepararam usando 20 g de café solúvel para cada litro de água.
Depois disso, os pesquisadores criaram um léxico sensorial para descrever quinze atributos sensoriais do café. Assim como uma escala de intensidade sensorial de cinco pontos – que inclui doçura, acidez, sabor residual e corpo.
Por sua vez, houve o estabelecimento de três graus de qualidade de café instantâneo “formais”: “Excelente”, “Diferenciado” e “Convencional”. Foi então feita a avaliação de todas as amostras em relação a esse critério e receberam as respectivas pontuações, que indicam a qualidade do produto.
Os pesquisadores enfatizam que a estrutura dessa pesquisa pode ser útil a qualquer país produtor para avaliar a qualidade de seus cafés instantâneos. “pode-se usar essa pesquisa inclusive em competições para avaliar a qualidade do café”, diz Robert.

Como isso pode beneficiar a indústria do café?
Considerando que o café instantâneo é responsável por um quarto de todo o consumo de café no varejo, é claro que há uma necessidade de desenvolver uma estrutura formal para avaliar sua qualidade.
Com a rastreabilidade e a transparência se tornando cada vez mais importantes para os consumidores, dar acesso a informações sobre a qualidade do café solúvel pode ajudar a aumentar o consumo geral.
“Não podemos considerar o café solúvel um substituto ou um concorrente do grão integral, do café moído ou das cápsulas”, explica Fabio. “Cada produto de café tem sua própria função para o consumidor. Os cafés solúveis premium ou gourmet têm seu lugar no setor cafeeiro”, acrescenta.
Eliana enfatiza que o desenvolvimento de métodos de avaliação de qualidade formais para o café instantâneo pode ajudar a aumentar seu consumo. E também incentivar mais marcas a incluí-lo em seu mix de produtos. “O objetivo não é só incentivar o consumo puro e simples, mas também seu uso como ingrediente em produtos prontos para beber, sorvetes, cápsulas, bebidas funcionais e muito mais”, diz.

É verdade que o café instantâneo tem sido considerado de qualidade inferior. e essa percepção, é claro, influenciou o quanto é pago pelo café instantâneo no mercado.
No entanto, com o desenvolvimento de métodos de avaliação padronizados e objetivos, pode haver mais espaço para os cafés instantâneos melhorem em qualidade. E com isso poderemos ver o mercado de café instantâneo especial aumentar com o tempo.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre como o processamento pode ser usado para melhorar a qualidade do café robusta de commodities.
PDG Brasil
Traduzido por Daniela Melfi
Quer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!