5 de junho de 2023

O papel dos blends no mercado de cafés especiais

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No ano passado, foi impossível ignorar o aumento da popularidade dos blends de cafés especiais. Isso ocorreu tanto nos menus de torrefações e cafeterias quanto nas apresentações de concorrentes dos Campeonatos Mundiais de Café (WCC).

No entanto, apesar dessa tendência recente, é justo dizer que o setor de cafés especiais tem favorecido amplamente as origens únicas há algum tempo. Isso devido à rastreabilidade e sua associação a uma maior qualidade.

Então, considerando a crescente preferência por blends, isso nos leva a fazer uma pergunta pertinente: quão empolgantes podem ser os blends para o setor de cafés especiais?

Para saber mais, conversei com a chefe de café da Coffee Planet, Cleia Junqueira, e com o sócio e fundador da Metropolis Coffee, Tony Dreyfuss. Continue lendo para descobrir o que eles tinham a dizer.

Você também pode gostar do nosso artigo sobre se os blends estão se tornando mais populares em cafés especiais.

Trabalhador de grande torrefação de café iniciando a torra de um lote

Diferenciando Origens Únicas de blends de cafés especiais

Antes de falar sobre os blends devemos primeiro entender as origens únicas e as diferenças entre os dois.

Em termos simples, os cafés de origem única são provenientes de um local determinado, seja uma cidade, uma fazenda ou um talhão específico. Dependendo do tamanho do lote, estes também podem ser conhecidos como micro ou nano lotes.

Consequentemente, isso significa que esses cafés têm perfis de sabor mais exclusivos que expressam as características do terroir em que os cafés foram cultivados, incluindo altitude, qualidade do solo e condições climáticas.

Torrefadores de cafés especiais e cafeterias há muito tempo associam origens únicas com maior qualidade. A crescente demanda dos consumidores por café mais rastreável e ético também foi um dos motivos que fez com que eles se tornassem mais comuns.

No entanto, os blends fazem parte da indústria do café desde o seu início. Eles contém dois ou mais cafés, que podem ser combinados antes ou depois da torrefação. 

Não importa quais cafés são usados em um blend, eles devem ser mutuamente complementares. Por exemplo, combinar um café queniano brilhante e ácido com um café doce e mais frutado de Honduras pode gerar um resultado bastante equilibrado e satisfatório. 

Equilibrar o sabor é importante – e, assim como no café, tem sido citado como um fator importante na gastronomia também. Cordon Bleu, uma das principais escolas de culinária do mundo, explica que equilibrar sabor “é tanto uma ciência quanto uma arte, baseada em treinamento profissional, intuição e experiência”.

Apresentação do barista Matt Winton, que usou um blend em sua participação na Brewers Cup

Inovação com blends de cafés especiais

Normalmente, associamos blends aos consumidores mais tradicionais que preferem consistência e sabores como chocolate, nozes e caramelo. No entanto, desde 2021 cada vez mais competidores do WCC têm usado blends – especialmente no Campeonato Mundial de Baristas (WBC) e na World Brewers Cup (WBrC).

Por exemplo, o campeão da World Brewers Cup de 2021, Matt Winton, usou um blend 60:40 de Coffea eugenioides naturalmente processadosda Finca Inmaculada na Colômbia e Catucaí lavado da Hacienda La Florida no Peru.

Em sua apresentação, ele explicou que a interação desses cafés num blend gerou notas de sabor exóticas e pronunciadas, remetendo a goiaba e framboesa. “Esses cafés juntos resultaram numa dança entre acidez e sabor, corpo e doçura – do quente ao frio”, disse.

Enquanto isso, Andrea Allen e Hugh Kelly, que respectivamente ficaram em segundo e terceiro lugar no WBC de 2021, usaram blends que incluíam eugenioides. Em sua apresentação, Andrea explicou que eugenioides tem muito pouca acidez, mas contém muitos açúcares complexos. Isso foi o que a levou a misturar grãos desta espécie com a variedade Gesha para servir seus espressos.

Por sua vez, Hugh usou um blend 50:50 de eugenioides e liberica para suas bebidas à base de leite para trazer mais notas tropicais dos cafés. No WBC deste ano, o barista japonês Takayuki Ishitani usou um blend de robusta com Gesha de fermentação anaeróbica. Em sua apresentação que o fez alcançar o 4º lugar, buscou equilibrar os sabores e texturas dos dois cafés.

Sessão de cupping de cafés especiais

Por que as torrefações vendem blends?

Na maioria das vezes, os blends têm sido usados por muitos torrefadores para criar perfis de sabor mais consistentes e tradicionais, além de controlar os custos.

“Os blends são muitas vezes criados para um tipo específico de cliente. Isso permite colocar diferentes sabores e texturas em camadas para criar um produto alinhado aos valores e o espírito da marca”, explica Tony. A afirmação foi feita durante um painel da PRF Colômbia sobre por que os blends são tão importantes para a indústria do café

A sazonalidade também é um fator que torrefadores levam em conta ao criar blends. Considerando que o período de disponibilidade dos grãos varia de acordo com sua origem e que as propriedades sensoriais podem sofrer alterações a cada safra, buscar o máximo de frescor acaba se tornando um grande desafio.

Sendo assim, os torrefadores podem usar blends para criar perfis de sabor repetíveis e consistentes. Com a abordagem certa, é possível conseguir essa padronização e previsibilidade no sabor ao longo do ano.

Cleia, que me diz que trabalha com mais de 70 misturas ao longo do ano no Coffee Planet, enfatiza que prestar atenção aos níveis de acidez, equilíbrio, corpo e notas de sabor em cada café é vital, pois essas características podem mudar dentro de alguns meses.  “Quando você cria blends, você tem mais flexibilidade e pode criar um produto de sabor mais consistente e com muito valor”, ela diz. “Em última análise, com blends, as possibilidades para torrefadores são infinitas.”

Grãos de café

A importância dos blends para a indústria

É claro que os blends têm uma série de benefícios, especialmente para torrefadores e bebedores de café mais tradicionais, mas quanto valor elas fornecem ao setor de cafés especiais?

De acordo com Tony, os blends são uma parte essencial do crescimento geral da indústria do café. “Os blends, quando bem-feitos, podem ser usados para mostrar aos consumidores que suas necessidades e preferências são levadas em conta. Precisamos ouvir os clientes e criar blends para eles, não para nós mesmos”. 

“Ao fazer isso, podemos crescer a indústria para além de uma câmara de eco”, ele acrescenta. Mas, em última análise, os blends podem se tornar uma parte necessária do setor de cafés especiais, especialmente com a ameaça das mudanças climáticas aumentando.

Especialistas preveem que, mesmo que as emissões globais de carbono sejam reduzidas conforme os compromissos atuais, a produção de café ainda cairá rapidamente em países que respondem por cerca de 75% do suprimento mundial de arábica. E com o Arábica representando cerca de 70% do mercado de café, isso coloca muitos agricultores em risco de se tornarem mais vulneráveis economicamente.

Justamente por isso, adicionar robusta de alta qualidade aos blends pode ser uma solução. Usar outras espécies de café que atualmente têm muito pouca participação de mercado também, desde que haja aumento significativo em sua produção em escala global.

A garantia da rastreabilidade e da sustentabilidade

Quando se trata de blends especiais, uma das maiores preocupações para torrefadores e consumidores é manter a transparência em todas as etapas da cadeia de produção. Agora, mais do que nunca, os consumidores querem saber de onde vem seu café.

Historicamente, isso tem sido mais difícil com blends do que com origens únicas, mas há várias maneiras de combater esses problemas. Naturalmente, a coleta de dados para rastreabilidade começa na origem, e mais trabalho precisa ser feito para apoiar os produtores no armazenamento dessas informações. E é também necessário facilitar sua disponibilização para outros atores desse mercado.

Por sua vez, isso também pode significar que os agricultores recebem preços mais altos para cafés vendidos como componentes de blends, pois eles podem ser rastreados até um lote individual de terra – potencialmente agregando mais valor.

“Os produtores cultivam muitos cafés diferentes. Os de qualidade mais alta geralmente são vendidos como origens únicas, mas têm volume menor. O restante, que na verdade é a maior parte da produção, é frequentemente misturado e vendido como componentes de blends”, diz Tony.

Qualidade deve vir desde os primeiros passos

Se cultivados usando as melhores práticas agrícolas, esses cafés provavelmente serão de alta qualidade e terão muitas características desejáveis. No entanto, o reconhecimento e a transparência para os agricultores precisam ser melhorados para blends.

“Os produtores merecem mais reconhecimento por esses cafés, bem como um preço mais justo”, Tony acrescenta. “Rotular esses cafés como inferiores aos de origem única faz um desserviço tanto ao próprio café quanto ao produtor.” 

rastreabilidade é um fator-chave, seja para um blend ou para grãos de origem única. Os torrefadores e os compradores de café verde devem adquirir, verificar e comunicar essas informações de acordo. “O setor de cafés especiais claramente desfruta de grãos de alta qualidade, mas para ser sustentável e operante, também precisamos continuar crescendo e vendendo cafés menos exclusivos”, conclui Cleia.

Torrefador acompanhando uma torra

Os blends são uma necessidade para a indústria do café há séculos, e continuarão a ser no futuro próximo. 

Como parte disso, também é evidente que os blends estão se tornando um veículo de inovação em cafés especiais – e estamos vendo mais cafés exclusivos e de alta qualidade usados como parte deles.

Aconteça o que acontecer, nos próximos anos, ficará evidente o quão importante eles são para impulsionar a indústria de cafés especiais.

Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre se os torrefadores de café devem adicionar robusta aos blends se os preços do Arábica aumentarem novamente.

Créditos das fotos: Coffee Planet, Tony Dreyfuss, Jordan Montgomery

PDG Brasil

Traduzido por Daniela Melfi

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