Como é feito o café descafeinado?
Embora muitas pessoas em todo o mundo bebam café para aumentar sua ingestão de cafeína, uma proporção significativa de consumidores de café opta por café descafeinado ou com baixa cafeína. De fato, conforme a Transparency Market Research, o valor do mercado global de café descafeinado deve chegar a US$ 14,83 bilhões até 2031.
O primeiro lote de café descafeinado foi desenvolvido pelo comerciante de café alemão Ludwig Roselius. De lá para cá, houve muita evolução nos processos de descafeinação e agora, há uma variedade de novas técnicas disponíveis.
Para saber mais, conversei com quatro profissionais de café. Continue lendo para obter mais informações sobre os diferentes processos de descafeinado.
Você também pode gostar do nosso artigo sobre o que os torrefadores precisam saber sobre o café descafeinado.

A origem do café descafeinado
Em todo o mundo, uma das principais razões pelas quais as pessoas bebem café tem a ver com os efeitos estimulantes da cafeína.
No entanto, há consumidores que precisam ou preferem reduzir sua ingestão de cafeína. Para atendê-las, a indústria do café desenvolveu vários processos de descafeinação ao longo dos anos.
Depois que Ludwig Roselius criou o primeiro lote de café descafeinado comercial em 1903, ele começou a vendê-lo através de sua empresa comercial Kaffee HAG. Três anos depois, Roselius – juntamente com Karl Wimmer e Johann Meyer – emitiu uma patente dos EUA para “o tratamento do café”.
Sua técnica de descafeinação envolvia vaporizar o grão verde em salmoura e, em seguida, dissolver a cafeína com benzeno – o que hoje em dia é considerado cancerígeno.
Desde então, mais métodos de descafeinação seguros para alimentos foram desenvolvidos. No entanto, é importante notar que o café descafeinado não é completamente isento de cafeína, pois alguns vestígios podem permanecer após o processamento. Para ser certificado como um café descafeinado, nada menos que 97% do teor de cafeína deve ser removido. Conforme os padrões europeus, no entanto, um café deve ter 99,9% de sua cafeína removida.
A popularização dos descafeinados
Segundo Friso Miguel Spoor, cofundador do importador holandês de café verde The Coffee Quest, o café descafeinado incialmente qualidade inferior. No entanto, nos últimos anos, a demanda por café descafeinado de maior qualidade tem aumentado.
Embora a descafeinação tenha surgido pela primeira vez na virada do século XX, ela se tornou especialmente popular algumas décadas depois – talvez mais notavelmente durante a década de 1980.
“Nos últimos cinco anos, tem havido um mercado crescente de café descafeinado de melhor qualidade”, diz Friso. “Os consumidores querem um café descafeinado de alta qualidade que tenha um sabor tão bom quanto outros cafés especiais não descafeinados.”
Ele acrescenta que o café descafeinado é responsável por cerca de 2% do total de vendas de café da Coffee Quest. “Temos um café descafeinado brasileiro que vende bem, mas nosso café descafeinado colombiano tem um preço ligeiramente mais alto porque é de maior qualidade”, explica.

Os processos de descafeinação
O desenvolvimento de processos de descafeinação remonta ao início do século XX. Conheça um pouco sobre eles:
Solventes químicos
No passado, uma das principais maneiras de remover a cafeína do café verde era usando solventes químicos – principalmente cloreto de metila ou acetato de etila.
Nesse processo, aplica-se direta ou indiretamente aos grãos uma mistura de água e solvente sintético semelhante à estrutura química do café sem cafeína.
O método direto é quando o café verde é continuamente vaporizado e depois enxaguado com o solvente por até dez horas, antes de ser drenado e vaporizado para remover qualquer resíduo de solvente.
O método indireto, entretanto, envolve embeber o café verde em água quente por várias horas, removê-lo da água e adicionar o solvente. No entanto, é importante notar que cada vez menos empresas de café descafeinado estão usando cloreto de metila como solvente devido à sua toxicidade potencial se consumido em altas quantidades. Dito isto, conforme a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA, vestígios de cloreto de metila são seguros para consumir.
O método Swiss Water
Desenvolvido pela primeira vez na Suíça na década de 1930, o processo patenteado Swiss Water está em uso comercial desde a década de 1970.
O processo Swiss Water usa o chamado extrato de café verde (GCE), uma mistura de água e compostos solúveis de café verde, e filtros de carbono para a remoção da cafeína. Nesse processo, adiciona-se os grãos de café ao GCE, onde permanece por cerca de 10h. Ao final, o teor de cafeína remanescente nos grãos é de em torno de 0,01%.
De acordo com muitos profissionais da área, o método Swiss Water é um dos mais conhecidos justamente por ser capaz de manter a maioria dos atributos originais dos grãos. Além disso, ele é uma das maneiras mais seguras e naturais de remover a cafeína do café.
Outros processos a base de água
Embora o processo Swiss Water possa ser o processo de água mais comum, outras empresas desenvolveram seus próprios métodos de remoção de cafeína usando água.
Em 1987, a empresa mexicana Descamex desenvolveu um processo patenteado de água usando osmose e tecnologia de filtragem de carbono, conhecido como Mountain Water Process.
De acordo com Luis Demetrio Arandia Muguira, gerente geral da Descamex, o princípio de extração de cafeína é semelhante a outros processos com água com algumas variáveis alteradas.
Nesse processo, o café verde é vaporizado e submerso em um extrato de café verde sem cafeína. Em seguida, variáveis como fluxo de água, temperatura e pressão são alteradas para alcançar os melhores resultados. Uma vez que os grãos verdes atingem o teor de cafeína necessário, eles são triplamente secos e limpos.
“Nosso principal objetivo é preservar ao máximo as características originais do café”, diz Luís. Ele acrescenta que alguns torrefadores que compraram café descafeinado Descamex encontraram notas de sabor de tabaco, malte e caramelo, presentes na última torra. No entanto, Luís enfatiza que isso depende de uma série de fatores, incluindo origem e perfil de torra.

Método de dióxido de carbono
Uma das outras técnicas de descafeinação é o método de dióxido de carbono. Nesse processo, mistura-se o café verde em dióxido de carbono líquido a uma pressão de até 300 atmosferas.
“Como o método do dióxido de carbono ocorre a uma pressão tão alta, é conhecido como o processo ‘supercrítico” ‘, diz Luís. “Como resultado da alta pressão, o dióxido de carbono se transforma em líquido, o que o ajuda a reter mais cafeína.”
Por sua vez, o dióxido de carbono líquido absorve os compostos de cafeína e evapora, ou é passado através de um filtro de carvão para remover a cafeína restante.
Friso diz que, quando ele provou cafés descafeinados que passaram pelo processo de dióxido de carbono, achou os resultados promissores. “A intensidade do corpo era um pouco menor, mas a sensação na boca era interessante”, diz ele.
“Provamos dois cafés descafeinados com este método. Um era colombiano, com sabor levemente floral e acidez delicada. Após a descafeinação seu perfil mudou um pouco, mas ainda era doce. O outro era um brasileiro que permaneceu bastante doce após o processo com dióxido de carbono”, acrescenta.
Apesar dos resultados promissores, esta técnica é mais intensiva em energia, o que significa que o crescimento deste processo tem sido comparativamente bastante lento. Luis me diz: “A alta pressão pode afetar adversamente certos tipos de cafés, mas também pode beneficiar outros tipos.”
O método da cana-de-açúcar
Uma das novas tendências emergentes no processo de descafeinação é o método da cana-de-açúcar, fonte natural do acetato de etila. Um dos pioneiros desse processo é a Descafecol, empresa colombiana que utiliza acetato de etila natural extraído da cana-de-açúcar local. O extrato é misturado com água de nascente, à qual os grãos verdes são adicionados sob calor e pressão suaves.
A Descafecol diz que muitos de seus clientes qualificaram seu café descafeinado com mais de 85 pontos na escala de classificação Specialty Coffee Association. “Em termos de aparência física, o café parece diferente, mas na mesa de cupping é difícil notar a diferença de sabor”, diz Friso. “A acidez ainda era brilhante e proeminente nos cafés descafeinados especiais, mas esses são apenas os cafés que tomamos até agora.”

O futuro
Luis me diz que a demanda por café descafeinado certamente está crescendo.
“Notamos três tendências proeminentes no mercado de descafeinado”, diz ele. “Em primeiro lugar, o aumento no consumo de café em casa por causa da Covid-19 levou as pessoas a beber mais descafeinado.
“Há também uma maior conscientização dos consumidores sobre a ingestão excessiva de cafeína”, acrescenta. “Por fim, uma maior variedade de mercados está começando a beber mais café descafeinado.”
Cada vez mais consumidores estão exigindo café de maior qualidade – e descafeinado não é uma exceção. Além disso, embora o café descafeinado tenha historicamente tido uma reputação de ser de qualidade inferior, isso começou a mudar nos últimos anos.
Por exemplo, em 2019, o competidor do Campeonato Canadense de Baristas Cole Torode ficou em terceiro lugar nas finais mundiais usando uma variedade de descafeinado Gesha, processada usando o método Swiss Water. Este é certamente um sinal de que a qualidade melhorou.
Além disso, também vimos uma série de variedades de café com baixo teor de cafeína surgirem nos últimos anos. Laurina é um dos exemplos mais proeminentes (contendo apenas 0,2% a 0,3% de cafeína), enquanto outros incluem Coffea charrieriana dos Camarões ocidentais e uma variedade arábica conhecida como AC1, descoberta na Etiópia.

Não há dúvida de que o segmento de mercado de descafeinado percorreu um longo caminho desde o seu surgimento no início do século XX, com uma série de novas técnicas desenvolvidas nos anos seguintes. E com a previsão de crescimento do mercado nos próximos anos, poderíamos ver mais métodos e processos surgirem.
Com isso dito, o recente crescimento de variedades de café com baixa cafeína pode muito bem afetar o futuro do mercado de café descafeinado – mas ainda veremos como isso acontecerá.
Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre se as variedades de café com baixa cafeína podem substituir o descafeinado.
Créditos das fotos: The Coffee Quest, Descamex
PDG Brasil
Traduzido por Daniela Melfi
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