31 de outubro de 2022

Como torrar grãos maragogipe

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Os grãos da variedade de Coffea arabica maragogipe, oriundos da região onde se localiza o município de mesmo nome, na Bahia, são conhecidos internacionalmente como “grãos gigantes” ou “grãos elefantes”.

A fisiologia particular desses grãos, cujo cultivo se espalhou pelas regiões cafeeiras do mundo, demanda técnicas e processos diferenciados na hora da torra do café. 

Neste artigo, o PDG Brasil explora as particularidades que demandam os perfis de torra para grãos do tipo maragogipe e similares, como a variedade derivada chamada Pacanamara, ou a variedade cultivada cientificamente Maracaturra. 

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maragogipe café

Maragogipe: história e perfil botânico

As primeiras informações sobre a variedade maragogipe (Coffea arabica L. var. maragogipe Hort. ex Froehner) são provenientes da Bahia, e datam de 1870, e provavelmente se originaram por mutação espontânea.

Segundo o estudo “Melhoramento do Cafeeiro”, do pesquisador da IAC (Instituto Agronômico de Campinas) L.C Monaco, as primeiras árvores de maragogipe a serem estudadas se encontravam no município do mesmo nome, usado para batizar essa nova variedade da família C. arabica. Na época, a variedade de arábica majoritariamente plantada no país era a typica.

As árvores de maragogipe são mais rústicas e têm maior porte e dimensões de folhas, flores, frutos e sementes. Além disso, são plantas muito mais resistentes em comparação às variedades clássicas de arábica. “Devido a essas particularidades, a variedade se espalhou rapidamente por todos os estados do Brasil e para o exterior”, diz Monaco. 

“O maragogipe curiosamente é mais famoso fora do Brasil do que aqui, e lá fora são chamados de ‘elephant beans’ (devido à comparação de tamanho com outros grãos). Também não é fácil de achar por aqui no Brasil nas fazendas”, explica Leonardo Jun, barista, classificador de qualidade e mestre de torra de cafés especiais da empresa Kento Café.

A organização sem fins lucrativos WCR (World of Coffee Research) define o tamanho do grão de maragogipe como “muito grande”, o maior na escala de grandeza dos arábicas.

Quanto ao formato, as regras de classificação de qualidade do Ministério de Agronomia e Pecuária do Brasil ditam que os grãos de café verde maragogipe são correspondentes aos maiores números das peneiras de classificação, dos números 20, 21 e 22.

Saiba mais sobre a classificação de qualidade dos grãos de café via peneira.

café gigante maragogipe

O cultivo de maragogipe

A altitude ideal para o cultivo de maragogipe vai de 1.000 m a 1.600 m – quanto mais alto, maior o potencial de qualidade da xícara (considerado muito bom), dizem os pesquisadores da WCR. 

A realidade de rendimento da colheita dos maragogipes, entretanto, é a mais baixa da escala, apesar de o índice de cerejas maduras ser alto.

O cultivo da planta se espalhou pela América Central no último século, onde a variedade deu origem à variedade espontânea pacanamara, em cruzamento com Bourbon, cultivada majoritariamente em El Salvador. Muitos especialistas consideram a variedade pacanamara preferível à variedade maragogipe, principalmente por conta do fator produtividade, pois é mais resistente à ferrugem e gera um maior índice de cerejas – além de o trato das árvores ser relativamente mais simples por serem menores. 

A qualidade da xícara, no entanto, é equiparada entre maragogipe e pacanamara. Perfil botânico e familiar à parte, é importante ressaltar que os grãos verdes de ambas as variedades são considerados “grãos de tamanho Maragogipe” – no exterior, são chamados de “grãos elefante” (em inglês, “elephant beans”). Portanto, quando se refere à “torra de grãos Maragogipe”, se está considerando o tamanho dos grãos dessa família de arábica.

Jun explica que, na lavoura, a condução de cultivo do Maragogipe é mais exigente por esses fatores: altura, colheita e adubação, o que faz com que a variedade seja preterida por produtores. “Essa é a razão pela qual a oferta de grãos maragogipe é escassa no mercado”, diz ele.

“Consequentemente, lotes de alta qualidade de maragogipe são raros e altamente valorizados no mercado de cafés especiais, e a torra deve ser conduzida de forma muito cuidadosa”, explica. 

Para saber o porquê da formação dos grãos moca segundo a ciência, leia esse artigo do PDG Brasil: Os grãos moca explicados.

como torrar

Estratégias de torra de maragogipe 

Durante todo o processo de torra de café, conforme as curvas de calor imprimem pressão na parte interna dos grãos, os óleos presentes no núcleo passam a migrar para a superfície. Na torra, o que é positivo ou negativo é relativo quando se trata das variáveis da química e física no processo de transformação de um grão para que possa ser consumido como bebida. 

Jun explica que vários fatores devem ser pré-considerados antes de se projetar uma estratégia de torra. “É importante conhecer o que aconteceu na lavoura, na secagem, conhecer o produtor e seu manejo, saber como foi a safra como um todo, fazer o cupping, provar as amostras sempre para ter um norte do potencial do café”, conta. 

“O cupping profissional de metodologia SCA busca as qualidades do grão – já a torra de um café de alta qualidade buscará evidenciar estas qualidades que ele já tem.”

Jun diz que, no processo de torra, “devemos levar em consideração a genética e o formato do grão, mas em primeiro lugar a preocupação é evidenciar as características que o grão já traz com ele: doçura, aroma, corpo, acidez, notas sensoriais – já a densidade e o volume são calculados sob essa perspectiva, de se seguir os objetivos da torra”, definidos durante a torra e o cupping da amostra, uma etapa de extrema importância para torradores de cafés especiais.  

café maragogipe

Particularidades do maragogipe na torra

Os grãos Maragogipe, diz Jun, “demonstram maior uniformidade na torra que muitos outros grãos”. 

A semente (o que no mundo do café erroneamente – mas carinhosamente – se chamam de grãos) de maragogipe contém mais açúcares e nutrientes e óleos, portanto torra mais rapidamente. “O cuidado maior é não passar do ponto e ‘perder’ a extrema doçura”, diz Jun, que ressalta essa ser uma característica geral dos maragogipe, passível de variações de acordo com territórios e particularidades de cultivo.

Basicamente quanto a tamanho, volume, concentração de água e densidade, o maragogipe, a grosso modo, aparenta não apenas ser maior que outros grãos, como também responde ao processo de seca durante a torra de forma mais rápida. “A curva de torra na hora da torra também é muito dinâmica e responde rápido à temperatura”, explica Jun.

Ele ressalta que é muito importante se atentar à potência do gás, temperatura, volume e tempo quando durante todos os estágios da torra de grãos de peneiras maiores. 

Perfil sensorial do maragogipe de especialidade

O maragogipe de alta qualidade pode ser mais raro para os torradores, mas em compensação os grãos têm potencial de excelência tanto para perfis de torra de espresso quanto para filtrados em diferentes métodos de extração.

Os grãos de maragogipe de alta qualidade, quando torrados, obtêm alta complexidade de sabores, corpo suave e alta doçura, além de notas perfumadas. “A alta complexidade é alta quanto ao ao paladar, com sabores desde mel, especiarias, chocolates a frutas e flores”, explica Jun. 

elephant beans

Apesar de sua baixa produtividade enquanto variedade no mercado de comércio de café internacional, o maragogipe (e sua ‘família’) são grãos altamente apreciados no segmento de cafés especiais.

O potencial de sabores únicos e de alta doçura, além da flexibilidade em que mestres de torra têm em moldar perfis de qualidade para diversos tipos de extração são, ao contrário do meio de commodity, atrativos muito valorizados no mercado internacional de especialidades. 

Um dos indicadores do legado do maragogipe é a apreciação – alta tendência no mercado atual de especiais – que se têm pelos “grãos elefante” cultivados no Kenya, Nicarágua, Guatemala e outras mais regiões cafeeiras – todos variedades ou cultivares derivadas das árvores surgidas nos cafezais baianos há mais de 120 anos. 

Créditos: Reprodução WCR (cerejas de café na árvore de maragogipe; árvore de maragogipe); Kento Cafés (grão moca, grão normal chato e grão de maragogipe); Village Hero/Licença Creative Commons (torra); Greta Hoffman (mulher com xícara de café).

PDG Brasil

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