25 de outubro de 2022

Do lixo ao luxo: iniciativas reduzem os impactos ambientais das sacas de café descartadas

Compartilhar:

O Brasil é o maior produtor de café do mundo. Por isso, milhões de sacas deixam o campo anualmente para abastecer os mercados interno e externo. Desde os primórdios da produção, os grãos verdes são armazenados e transportados em grandes sacos, a princípio, fabricados a partir de fibras naturais. Retratadas por pintores e fotógrafos, as embalagens de juta se tornaram um dos principais símbolos da economia cafeeira do país. 

A aparência rústica das sacas e a estética da famosa estampa “Cafés do Brasil” acabaram caindo nas graças dos designers, decoradores e coffee lovers. Porém, um olhar mais atento para a sustentabilidade revela algo que vai além da beleza. O que pode ser feito com os sacos de juta descartados pelas torrefações de café e pela indústria têxtil?

Pensando sobre o tema, o PDG Brasil investigou iniciativas que reduzem o impacto ambiental dos resíduos e geram negócios sustentáveis. Acompanhe conosco as conversas com uma das principais empresas de sacarias do país, uma marca de economia criativa que evita o descarte de juta sintética e uma cafeteria que comercializa produtos com o conceito upcycling. 

Você também pode gostar de ler Cascas, flores, tronco e borra, descubra o aproveitamento total do café.

sacaria de café

Onde tudo começa

A Castanhal é a maior fabricante de tecido de juta do Brasil. A empresa, que também produz sacas para café, opera com uma capacidade de produção de 16 mil toneladas de produtos têxteis por ano na cidade de Castanhal, no interior do Pará, e em Manacapuru, no Amazonas. Ela ainda possui certificações, como a da Global Coffee Platform e da Fair Trade Sustainability Alliance.

“A sustentabilidade sempre esteve em nosso DNA, desde nossa fundação em 1966”, afirma a companhia têxtil. Por conta disso, há uma recente parceria com o Governo do Estado do Pará para a criação do Projeto Semente, que propõe a substituição do extrativismo artesanal pelo cultivo das fibras naturais, baseado na agricultura familiar às margens do Baixo Amazonas, Arquipélago do Marajó e Nordeste paraense.

“Aqui na Companhia Têxtil de Castanhal reaproveitamos quase tudo”, garante a empresa. A sacaria que apresenta defeitos de impressão ou de entrelaçamento de trama é utilizada como capa dos fardos comercializados. Uma parte do material também é utilizada na ação de responsabilidade socioambiental Usina da Paz que produz brindes corporativos.

reaproveitamento da saca de café

A indústria ainda se envolveu em um projeto de rastreabilidade e sustentabilidade em parceria com a Capricornio Coffees e o Il Barista Cafés Especiais. A iniciativa realizada em 2021 envolveu a criação do blend Tango, com café de produtores do norte do Paraná. Um QR Code impresso na sacaria permitia o mapeamento digital do cultivo dos grãos até o processo de embalagem.

sacas de café

Em busca da sustentabilidade

“O Il Barista sempre teve a sustentabilidade como preocupação”, informa a empresária Gelma Franco. Porém, foi nos últimos anos que a questão ganhou protagonismo na cafeteria inaugurada em 2003. Entre as ações realizadas estão a doação de borra para compostagem e coleta de cápsulas para reciclagem. Com uma forte atuação na área de torrefação, a empresa também procurou maneiras de reaproveitar as sacas de juta que acondicionam os grãos de café verde.

Com isso, a sacaria feita com fibras naturais e biodegradáveis deixou de ser descartada como lixo, se transformando em mercadorias através de manufatura terceirizada. Com o material são confeccionados diversos tipos de itens, como capas para almofadas, aventais, quadros e as embalagens de presente utilizadas pela empresa. Para Gelma, “a economia circular não é uma tendência, é uma necessidade de conscientizar a população e valorizar o que é nosso”, conclui a fundadora do Il Barista.

sacas

Um novo material, um velho problema

Carol Melchiori nasceu em Vargem Grande do Sul, no interior de São Paulo. O município localizado na divisa com o estado de Minas Gerais cresceu a partir da imigração italiana e tem a economia baseada na agricultura. Após investir na produção de café, a família dela mudou de ramo em 1998 e apostou na distribuição de embalagens para alimentos secos. Comercializando sacos de juta biodegradável, Ana Laura e Jorge Henrique Melchiori conseguiam oferecer apenas uma vida simples para as filhas.

A guinada financeira da Sacaria Imperial ocorreu uma década depois da inauguração com o desenvolvimento de sacas de juta sintética. Produzida a partir do polipropileno a embalagem teve uma grande aceitação no mercado por ser leve, flexível, resistente, impermeável, inodora e não soltar fiapos. Após o falecimento do pai em 2013, a jovem formada em teatro foi escalada para assumir o legado da família Melchiori.

Com uma participação maior nos negócios, a atriz passou a produzir, em parceria com um grupo de mulheres trans da região, peças artesanais com o tecido plástico. Os produtos eram comercializados e distribuídos em eventos nacionais e internacionais. Preocupada com as questões ambientais, ela questionou a fabricante da juta sintética sobre a destinação e reciclagem de resíduos, mas nunca obteve um posicionamento ou esclarecimento relevante.

saca de juta café

Após passar uma temporada em Los Angeles, nos Estados Unidos, Carol voltou para o Brasil e decidiu ressignificar os resíduos que eram armazenados em um depósito da sacaria. “Quando a gente fala em produção em alta escala, a gente também está falando de erros em alta escala”, revela ela ao contar sobre as duas toneladas de materiais descartados e acondicionados no armazém.

Disposta a mudar essa realidade, a empreendedora criativa lançou a Brazilera, ganhando total liberdade da família para recuperar as sacas e transformá-las em peças de vestuário, decoração e acessórios utilitários, como bolsas, ecobags, mochilas e malas, através do upcycling. Além de produtos com a marca própria, ela também confecciona artigos personalizados para os clientes.

sacaria

O aumento da demanda e as dificuldades de logística e mão de obra qualificada para a modelagem e confecção dos itens são os grandes desafios de Carol. Por conta disso, ela planeja levar a produção e a operação da empresa do interior paulista para Goiânia, em Goiás. Para tornar o processo ainda mais sustentável, a artista e ativista quer instalar no futuro postos de coleta de sacas pelo Brasil.

design saca de café

Reduzir, reutilizar, reciclar

É inegável que as sacarias são essenciais para o mercado do café. Por conta disso, é cada vez mais importante que as embalagens sejam vistas com um olhar mais atencioso e cuidadoso para que haja um aproveitamento ainda maior da vida útil da juta natural e sintética. Uma das alternativas dos produtores é recolher as sacas utilizadas e realizar o reuso no transporte e armazenamento de novos grãos verdes.

Outra alternativa para prolongar o ciclo do tecido é a aplicação em artesanato dos mais diversos segmentos. Decorações feitas a partir desse material têm sido usadas em cafeterias, estabelecimentos comerciais, espaços culturais e imóveis residenciais, tanto da cidade quanto do campo. Sacos desfiados ou avariados podem substituir a manta acrílica, a espuma ou a fibra siliconada como enchimento de almofadas e bonecas.

reciclagem saca de café

“Encontrem um equilíbrio. É preciso fazer um trabalho que é possível ser feito. Se preocupem com as sobras da indústria têxtil, que é uma das mais poluentes do mundo”, defende Carol Melchiori. Com isso, é importante que os processos sejam revistos e que o lema dos 3 R’s da sustentabilidade seja seguido. É preciso reduzir, reutilizar e reciclar.

Créditos: Acervo pessoal dos entrevistados; Akio Uemura; Carol Melchiori; Divulgação Castanhal; Divulgação Il Barista (Gelma Franco).

PDG Brasil

Quer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!

Compartilhar: