20 de outubro de 2022

A importância da embalagem do café no PDV

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O ciclo de produção do café é muito mais complexo do que podemos imaginar. Nem iremos falar aqui sobre o cultivo, a colheita e a torra do café, por exemplo. Vamos nos deter ao final do ciclo, que é quando o consumidor coloca a embalagem do café escolhido dentro do seu carrinho de compras, seja ele físico ou virtual.

De forma alguma queremos tirar a importância e o peso das etapas anteriores, essas fundamentais para garantir um produto de qualidade ao mercado. Mas o que de fato determina se aquele produto teve um bom ou um mau resultado, no fim das contas, é o volume de vendas. 

Em um mercado cada vez mais competitivo, com um número de empresas e marcas cada vez maiores que preenchem as gôndolas dos supermercados, como as empresas que atuam no varejo podem se destacar? Quais as estratégias de design e comunicação que apresentam os melhores resultados? 

Para trazer a experiências de alguns players do mercado, o PDG Brasil conversou com Clovis Althaus Junior, diretor do Café do Mercado, com Gustavo Gama, diretor da Gran Coffee, e com Joshua Stevens, fundador do Café Cultura.

Também falamos com o designer Nelio Bernardelli, brand manager da FutureBrand, uma das mais renomadas consultorias de branding do mundo, sobre os principais aspectos técnicos que uma boa embalagem deve ter. 

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varejo café

O tamanho do desafio

Vamos trazer pontos, informações e cases que ajudem a compreender melhor o processo de escolha do consumidor no ponto de venda, mas se pudéssemos sintetizar em uma única frase, essa seria: a decisão é emocional.

O que sentimos quando optamos pelo produto A em vez do produto B é o fator determinante no processo de escolha. Escolha essa que há muito tempo deixou de ser binária, quando poucos players dominavam o mercado, e passou a ser diversa, com a entrada de novas marcas, variedades e estilos de café nas gôndolas dos mercados.

Estima-se que um supermercado tradicional médio, possua entre 12.000 e 15.000 itens em suas prateleiras. Desses, quase 95% são de produtos alimentícios, dos quais o café faz parte.

Quando entramos na sessão de cafés, adentramos também no famoso “paradigma da escolha”. Nos deparamos com dezenas de possibilidades de cafés que podemos escolher. Nossos olhos rapidamente começam a “escanear” a gôndola e absorver as opções: tamanho, formato, tipo de café, moído, em grãos, solúvel, região produtora, selos e certificações, orgânicos, descafeinados, importados e tantas outras variações que acabam nos deixando confusos, paralisados e, as vezes, até assustados. Optamos pela marca que mais nos familiarizamos e seguimos em frente, deixando para trás tantas outras possibilidades que muitos jamais provarão.

Poucas marcas dominam boa parte do tamanho do mercado de café, e nesse espaço a “briga” é um pouco mais feia. Mas isso não significa que não existam oportunidades para que outras marcas busquem e conquistem seus espaços no coração e na mente dos consumidores. Na verdade, muitos são os casos de quem já vem fazendo isso há alguns anos.

café no varejo

Inovar para se diferenciar

Se por um lado existem empresas mais tradicionais que dominam o mercado há anos, existem marcas que estão conquistando fatias cada vez maiores e que foram por caminhos menos convencionais para atingir tais feitos.

Uma dessas marcas é o Café do Mercado, que há 25 anos atua no mercado de cafés de alta qualidade, especializada em cafés para espresso e especiais de origem. Clovis Althaus Junior, fundador e diretor da empresa, explica que mesmo tendo o posicionamento nichado para cafés de alta qualidade, duas foram as estratégias adotadas para conquistar mercado: preços mais competitivos e um melhor tempo de descanso do produto. “Aí está um dos nossos diferenciais: ampliar esse nicho oferecendo preços mais competitivos para o consumidor, defende Clovis.

Além de uma gestão afinada e eficiente, que permita que a empresa possua uma relação de custo vs benefício percebida pelo mercado, o Café do Mercado também aposta em estratégias de posicionamento, comunicação e design, buscando se diferenciar dos demais players do segmento de cafés especiais. “Nós entendemos que café especial precisa ter comprovação, selo confirmando aspectos sociais, ambientais, padrão de bebida e indicando procedência. Como isso custa caro e a maioria das marcas não tem esse custo, precisamos ser competitivos em preço também. Além disso, procuramos dar vida própria às origens que vendemos, enfatizando bastante isso na embalagem, além do frescor do café”. 

Clovis ainda acrescenta a importância da embalagem no processo de escolha do consumidor: “A embalagem, como sempre, é fundamental. É ela que seduz, cria a expectativa e ajuda a definir a escolha”.

café no varejo

Uma outra empresa que vem se destacando é a Gran Coffee, fundada em 1998 pela família Gama. A empresa trabalha com mais de 180 skus, sendo 55 das marcas Astro Café (12), Café do Centro (32) e Spress Café (11). Segundo o diretor Gustavo Gama, para cada uma das três marcas próprias, existem estratégias diferentes junto ao PDV. “A exposição varia de acordo com a estratégia de cada varejista, e relacionamento do trade marketing. Exemplo: há varejistas que definem o PDV por tipo (grãos, torrado e moído e em cápsulas), e outros por marca”, explica Gustavo.

Quando o assunto é embalagem, Gustavo reforça a importância que elas possuem no processo de escolha do consumidor. “Primeiramente as embalagens tem que ser atrativas e transmitir na arte o posicionamento, o produto e a qualidade do café. Todas as nossas embalagens contam com as informações técnicas e legais exigidas, além é claro de apresentar características, tipo, região, intensidade, perfil aromático etc. Quanto mais informações o consumidor tiver, mais fácil fica sua escolha.”

Ao mesmo tempo que o consumidor precisa ter acesso ao maior número de informações pertinentes sobre o produto, de tal forma que essas informações o auxiliem na tomada de decisão, sabemos que isso por si só não é o suficiente. Além de informar, é preciso atrair, encantar e despertar alguma memória positiva na mente do consumidor para que ele, ao menos, interaja com a embalagem. Uma vez que o consumidor pegou o produto na mão, interagiu com ela e teve acesso a algumas informações a respeito do produto, as chances de que ele coloque essa embalagem em seu carrinho aumentam significativamente. 

embalagem de café pdv

O sentir vem primeiro

Nós, seres humanos, ao contrário do que muitos acreditam, somos seres extremamente emocionais. Como bem definiu o neurologista e neurocientista português António Damásio, “não somos máquinas de pensar que sentem, somos máquinas de sentir que pensam”. 

Essa lógica serve para explicar o nosso comportamento em basicamente todo e qualquer processo de tomada de decisão, e o café que iremos degustar no café da manhã não foge a essa regra. Pense como foi o seu processo de escolha do café que está em sua gaveta ou prateleira da cozinha. O que você sentiu quando viu a embalagem? Quando leu as informações que estão no rótulo? Quando investigou mais o contra-rótulo? E quando finalmente pegou o produto nas mãos? Todos esses gatilhos sensoriais despertaram alguma lembrança em você, provavelmente positiva, que o fez escolher por esse café ao invés das outras dezenas de opções que você tinha à sua frente. 

Quem sabe disso muito bem são as grandes redes de supermercados, que tratam suas gôndolas como se fosse uma grade de classificados. Espaços esses que são precificados de acordo com a altura, disposição e quantidade de produtos que estarão expostos no PDV. Pense na sessão de cafés e tente lembrar quais são as marcas de cafés que estão na altura dos seus olhos no ponto de venda? Saiba que, para elas estarem nessa posição, precisaram fazer uma boa negociação com o varejista. Isso porque existe uma espécie de “mapa de atenção” que determina a forma com que os produtos serão dispostos e precificados. Quanto mais bem posicionado, maior a chance de esse produto ser escolhido. 

Esse mapa de atenção não foi criado aleatoriamente. Ele leva em consideração o comportamento do consumidor em frente ao PDV. Se existiu um tempo em que a disposição dos produtos era feita de forma empírica, hoje sobram estudos e tecnologias que permitem que os grandes varejistas entendam quais são os “pontos nobres” das suas gôndolas e cobrem mais por isso. 

Dependendo do perfil do cliente e do varejista, é possível pensar em outras ações para vencer a disputa pela atenção do consumidor, como faz a Gran Coffee. “Em geral, temos uma grande gama de produtos, priorizando exposição adequada no PDV, com planogramas de produtos acima dos olhos e destaque em gôndolas e ilhas”, explica Gustavo. A Gran Coffee também entende que não é somente no PDV que a tomada de decisão acontece, ela vem sendo formada no dia a dia na mente do consumidor. 

“Aplicamos o cross-merchandising como forma de impactar o consumidor em diversos momentos do seu dia, não só quando ele vai atrás de comprar o café, quando muda de corredor ou área no mercado, mas também quando ela vai à padaria, a um evento bacana, ao restaurante, ao hotel.” 

O cross-merchandising é uma técnica que tem por finalidade cruzar os produtos no ponto de venda que tenham entre si relação direta de consumo, destacando-os entre os demais. Essa técnica serve para lembrar o consumidor do produto quando estiver comprando outro item. 

Gustavo defende ainda que tal estratégia é fundamental em um mercado cada vez mais saturado de marcas e opções. “O maior desafio hoje é a concorrência. Com tantas opções, às vezes fica mais difícil o consumidor identificar o produto ideal. Como oportunidades de mercado, potencializamos a venda do produto com degustações com promotoras e materiais de PDV.”

Ter uma boa estratégia de cross-merchandising e posicionar bem os produtos no PDV são pontos fundamentais na estratégia de vendas do café, mas não são os únicos. A verdade é que nem toda empresa conseguirá se utilizar de tais estratégias, pois nesse jogo são os grandes players que possuem as melhores cartas, maior capacidade de investimento e poder de barganha junto ao varejista. Mas existe uma estratégia que poucas empresas usam com maestria. Essa estratégia se chama design.

embalagem de café

O poder do design no PDV

Cada vez mais o design vem assumindo protagonismo nas embalagens de alguns cafés. Seja pelo layout, pelo formato ou pelos materiais utilizados, a verdade é que as empresas estão entendendo a importância do design e como ele pode ser um aliado no processo de escolha do consumidor no PDV. 

Quem está fazendo um belo trabalho em suas embalagens é a rede de cafeterias Café Cultura, fundada em 2004 pelo casal Joshua Stevens e Luciana Melo. “Quando começamos o novo design da embalagem do Café Cultura, queríamos levar a experiência de nossas lojas para dentro da casa do cliente. O Café Cultura é conhecido por sua atmosfera. Em nossos cafés, temos livros antigos, revistas e curiosidades que nos conectam ao nosso passado, futuro e presente. Trazer a cultura do Café Cultura para nossas embalagens foi um desafio que achamos necessário”, explica Joshua.

embalagem de café pdv

Todo ponto de contato de uma marca com o mercado é uma chance que a marca tem de conquistar e/ou fidelizar um cliente. Ir além do óbvio, como variedade do café ou se ele é moído ou em grãos, pode ser um diferencial competitivo aos que possuem outros atributos em seus produtos. Local de produção, nome do produtor, selos de certificação etc. 

E não somente no que diz respeito ao produto em si, mas também levar informações que dizem respeito ao contexto do café, como faz o Café Cultura em suas embalagens, trazendo dicas de como preparar o café, ou qual a moagem ideal para cada tipo de extração. “No verso, temos nosso selo ‘conceito farm to cup’ e utilizamos um QR code que abre um portal para explorar mais sobre a origem do café e aprender como preparar o café, proporcionando ao cliente um canal para conectá-los com o Café Cultura”, conclui Joshua. Tudo isso para que no fim das contas o consumidor perceba o valor que existe em todo o ecossistema daquele café e opte por ele, em vez das outras dezenas de possibilidades que existem no mercado.

Uma boa embalagem comunica muito mais do que somente o produto. Fala de valores da empresa, do ciclo e do processo de fabricação do café, da sua origem, entre outras informações que auxiliem no processo de escolha. 

embalagem café gôndola

Para o especialista em embalagem, e brand manager da FutureBrand, Nelio Bernardelli, uma boa embalagem começa com um projeto investigativo sobre o mercado. “O processo inicia com visitas ao PDV, pesquisas globais e locais nas categorias a serem trabalhadas (e em categorias que se colocam como opções não-diretas), um olhar atento sobre atributos de marca e produtos – os tangíveis (funcionais) e os intangíveis (emocionais), sempre em busca de oportunidades de destaque que orientem as expressões da marca na embalagem”, explica Nelio. Todo esse estudo é insumo básico para que o time de design responsável pelas embalagens comece a criar as estratégias a serem adotadas e defina o posicionamento gráfico do projeto que será levado ao PDV.

Mas como se destacar em meio a tantas outras marcas de café que estão na mesma gôndola? Para Nelio, existe uma forma: “Primeiramente, reconhecendo que a quantidade de informações e estímulos aos quais somos submetidos é muito maior do que o que temos capacidade de assimilar. Sendo assim, o que a mente retém de fato? Tudo o que possa ser cristalizado ou descrito em um tweet, basicamente”. Ou seja, para o especialista, o conceito de menos é mais pode ser uma estratégia interessante. 

Claro que todas essas possibilidades e estratégias de design devem comunicar a verdade por trás daquele produto. Há pouco espaço hoje em dia para “estórias” e fábulas sobre os produtos. O consumidor tem se conectado cada vez mais com histórias reais, que façam sentido para ele e que justifiquem racionalmente uma compra que, como já falamos aqui, vêm de um gatilho emocional. Para Nelio, esse é o indicador que o projeto teve êxito: “Quando conseguimos que uma história, em um visual impactante informe e, ao mesmo tempo, entretenha as pessoas, trabalhando de forma magnética, fazendo com que as pessoas peguem o produto e queiram saber mais sobre ele, quer dizer que estamos no caminho correto, ou muito perto disso”. 

A FutureBrand assina dois projetos recentes que, na opinião de Bernardelli, são ótimos cases de embalagens que conectam o propósito da empresa ao produto, que são o Café Apuí e a linha Nescafé Origens do Brasil. Este segundo é uma caixa hexagonal que quando composta com outras caixas da linha, formam uma colmeia. 

café na gôndola

Fica evidente que o futuro pertence a marcas bem posicionadas, claras e seguras de quem são. Um bom posicionamento é um ato de coragem que as marcas precisam fazer, não para atrair todo tipo de público, mas sim para atrair os seus pares, aqueles que compartilham dos mesmos valores da marca e que vão construir uma relação de fidelidade com a mesma.

Nesse jogo de múltiplas possibilidades de escolhas, vence quem tiver a capacidade de nos emocionar mais. Afinal, sinto e logo penso, jamais o contrário.

Créditos: Café do Mercado (lata com café sendo servido/destaque e lata); Nathalia Rosa (gôndolas no supermercado); Aguinaldo Silva/Divulgação Gran Coffee (Gustavo Gama tomando café); Michel Teosin (embalagens do Café Cultura); Estúdio Fué (fotos embalagens Nescafé Origens Colmeia).

PDG Brasil

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