Como torrar grãos moca?
Existe tanto fascinação quanto muita confusão sobre os chamados grãos moca, moquinhas ou grãos ‘mocados’ (um jargão usado pelo mercado de exportação), como são conhecidos no Brasil.
Os grãos moca são ovais, pequenos, arredondados e com uma fenda profunda, um grão “em dobro” que não se divide em dois no fruto – pois apenas um dos dois óvulos é gerado, e o espaço em que caberiam duas sementes na cereja do café fica preenchido por uma só.
Considerados raros pelo potencial de bebida que os mocas de alta qualidade podem gerar, os mocas de especialidade requerem perfis de torra próprios, já que são menores do que os demais, e possuem uma quantidade maior de açúcares naturais.
Neste artigo o PDG Brasil explora as particularidades que demandam os perfis de torra para grãos moca com dicas de especialistas e base na ciência.
Para saber o porquê da formação dos grãos moca segundo a ciência, leia esse artigo do PDG Brasil: Os grãos moca explicados.

Os grãos moca
Grãos moca podem fazer parte de qualquer lote de café produzido em um país produtor. No Brasil, na prática, normalmente se aceitam no mercado de corretagem índices de 12% a 15% de mocas. Apesar de suas particularidades, os grãos moca quando plantados, geram uma planta com um embrião normal.
Quanto ao formato, as regras de classificação de qualidade do MAPA (Ministério de Agricultura e Pecuária) do Brasil ditam que os grãos de café verde, quanto ao formato, são apontados como chatos ou moca.
“Por ser um grão único, acredita-se que a doçura do moca é maior, mas na verdade a qualidade do grão moca depende da qualidade do lote em questão, o moca é apenas uma peneira do lote, ou seja, se o moca veio de um lote especial, ele será especial”, explica Roberta Bazili, produtora e torradora da Bazilli Cafés Especiais e do Sítio Boa Vista do Engano.

Diferenças na torra de grãos moca
Os grãos moca possuem acidez mais elevada, pois os nutrientes estão concentrados em ‘dobro’, o que faz com que os grãos torrem mais rápido. Segundo o mestre de torra Matt Roebuck, é mais desafiador torrar mocas, pois são mais delicados e exigem maior cuidado quanto às variáveis do perfil de torra. “Os mocas possuem mais doçura e acidez por conta da maior concentração de nutrientes”, diz ele.
Quanto ao perfil sensorial e de sabor, em geral os grãos moca apresentam aromas e sabores doces, com notas de chocolate e caramelo (pela concentração maior de açúcares).
“Na hora da torra, precisamos obter o maior número de informações possível a respeito do grão a ser torrado, como umidade, densidade, variedade, processamento e por aí vai. O grão moca é um café com uma geometria equidistante, ou seja, a distância do ápice ao centro é a mesma em todo grão”, diz Roberta.
Segundo ela, essa característica do moca facilita o processo de torra, pois como são grãos que demandam mais energia e que é distribuída uniformemente, “o resultado da torra é bem homogêneo”.

A química dos grãos moca na torra
Durante todo o processo de torra de café, conforme as curvas de calor imprimem pressão na parte interna dos grãos, os óleos presentes no núcleo passam a migrar para a superfície.
Matt explica que uma menor temperatura na torra de mocas é ideal, já que os óleos e água dos grãos são liberados muito mais rápido do que nos grãos chatos (normais).
“A tendência, então, é definir índices mais claros na torra dos grãos moca, por conta dessa ‘velocidade’”, diz ele.
Todos os lotes, inclusive de cafés especiais, contêm uma parcela de mocas, e no pós-torra é fácil perceber a diferença de cor quanto aos grãos chatos.
Entretanto, diz Matt, isso não é negativo, pois a presença dos mocas no lote traz complexidade ao perfil daquele café. Roberta concorda: “Na minha torrefação sempre aparecem grãos moca no meio do lote de peneira alta, mas isso nunca influenciou no perfil da torra”.
Matt acredita que o approach de “esterilizar” os blends da presença de mocas não é proveitoso, pois eles adicionam doçura e acidez muito favoráveis.

Controlando variáveis na torra dos mocas
Praticamente em todas as variáveis da química e da física do processo de transformação de um grão para que possa ser consumido como bebida (a torra), o que é positivo ou negativo é relativo.
Matt diz que ele tende a aumentar a velocidade do tambor e torrar com mais velocidade para equilibrar a torra, pois há uma condução “naturalmente maior” nesse tipo de grão.
Já quando se trata do teor de umidade e tempo de oxidação, essas variáveis devem ser gerenciadas de forma ainda mais criteriosa quando se trata da torra dos grãos moca. “A razão para tal, é que dessa forma os grãos mantêm óleos que promovem corpo, sabor e aroma na hora da extração”, explica Matt.
Como os grãos moca possuem maior quantidade de água e nutrientes do que grãos chatos, regulares, a vida útil de frescor dos grãos, consequentemente, é mais curta. Portanto, considerar o timing da oxidação e níveis de umidade diferenciados dos grãos moca é necessário.
O tempo ideal de descanso pós-torra quando se trata de mocas deve ser muito criterioso, devido à capacidade superior dos grãos moca de armazenamento de água, óleos e nutrientes.
A moagem e os grãos moca
Outro fator importante sobre a oxidação é o fato de que, quando os grãos são moídos, o processo de liberação dos óleos é acelerado.
Os óleos e a água do café torrado ainda presentes nos grãos íntegros se mantêm conservados por mais tempo em comparação, pois o ‘caminho’ até a superfície é mais ‘árduo’ estruturalmente.
Os cafés muito torrados e os descafeinados, consequentemente, mantêm uma quantidade baixíssima de água ou óleos no pós-torra, o que gera oxidação veloz das proteínas dos óleos, e aquele sabor desagradavel de cinzas e acidez.

Mocas e robustas finos
Segundo Matt, a torra ideal para blends de moca de robustas finos (de especialidade) deve ser projetada para que a extração seja no modo de filtro. Matt explica que os robustas finos regulares, quando torrados em nuances mais claras para métodos de filtro, geram uma bebida ‘flat’, ou seja, menos encorpada e saborosa, quando em comparação a torra feita para extração de espresso.
“A torra mais escura, ideal para espresso de alta qualidade, quando se trata de robustas finos complementa muito melhor o potencial de sabor e corpo derivados desse tipo de café, pois extrai o maior potencial de acidez positiva dos grãos, o que amplifica sabores, corpo e doçura, as características ideais de qualquer espresso”, diz Matt.
Quando se torra grãos moca de robustas finos na nuance mais clara que é ideal para filtro, entretanto, essa acidez desejada também estará presente, por conta do índice quase duplo de óleos dos grãos moca, (e que torram mais rápido).

A comercialização dos mocas especiais
Torradores de cafés especiais comercializam o café moca com preços mais altos, por conta de serem raros e requererem mão-de-obra mais laboriosa quanto à seleção e à torra, o que equivale a custos mais altos.
Como a ocorrência deles é baixa, até criar-se uma saca única de grãos moca, são necessárias horas e horas de filtragem e peneiração para montarem blends de moca usando cafés da mesma origem ou região.
Esse trabalho pode ser conduzido pelos produtores, torrefações de grande porte ou corretoras no rebenefício, ou cooperativas que agregam produtores vizinhos e de lotes do mesmo terroir.
Pequenas torrefações, principalmente de café de especialidade, normalmente não se dão ao trabalho de conduzir essa separação. Há pouca mão-de-obra e se trabalha com menores quantidades de café e de lotes – o rendimento financeiro não compensaria as horas de trabalho. “É justo que os grãos de especialidade selecionados como blend apenas com moca sejam mais caros, principalmente nesse contexto das microtorrefações”, acredita Matt.

O perfil de xícara dos cafés moca cultivados e processados para obter a melhor qualidade possível é visto pelo mercado de especialidade como um produto muito valorizado. Apesar de se tratar de um processo mais laborioso de seleção e torra, a oferta desse tipo de blend, como diz Roberta, “consegue agregar muito valor” às torrefações. “É um grão considerado raro, e isso desperta no consumidor uma certa curiosidade – sem falar na fama que ele tem de ser mais doce que os chatos”, diz ela.
Créditos: Divulgação Sgt. Martinho (trabalhador com a saca); Licença Sarah. R- Licença Creative Commons (torra no tambor vermelho/destaque); Dennis Tang, Licença Creative Commons (Nicaragua Moca e Mocas Pacamara); Hep-Cat, Licenca Creative Commons (grão moca na palma da mão); Isabelle Mani ((palma da mão com grãos verdes de moca).
PDG Brasil
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