Como prevenir incêndios na microtorrefação?
Planejar e montar uma torrefação de café é muito trabalhoso e envolve muitas etapas para que os processos e a operação funcionem perfeitamente. É preciso estar sempre atento a muitos detalhes. Onde ficarão as sacas? Qual o melhor local para a máquina de torra? Onde instalar a chaminé de exaustão? Onde fazer as provas de café? E o estoque torrado?
As perguntas são muitas e renderiam uma boa lista. Mas uma das questões essenciais e que não deve ser deixada de lado é sobre a segurança na operação da microtorrefação.
Por trabalhar com elevadas temperaturas, os torradores trazem riscos de incêndio e isso tem deixado mestres de torra de cabelo em pé.
O PDG Brasil foi conversar com alguns especialistas para trazer dicas e recomendações de como prevenir incêndios em microtorrefações. Siga lendo para saber mais.
Você também pode gostar de ler Dicas de gestão de custos para pequenas torrefações.

Como funciona a torra do café?
Basicamente, pode-se descrever o processo de torra do café como algo que leva entre 7 e 15 minutos, onde os grãos passam por um equipamento onde há uma alta temperatura – variando de 180ºC a 240ºC – e um tambor rotativo que revolve os grãos para que eles torrem uniformemente.
Existem dois tipos principais de equipamentos para se torrar café: os torradores manuais (como os “torradores bolinha”), em que se pode apenas movimentar os grãos através de uma alavanca que faz o tambor girar e são levados diretamente a alguma fonte de calor como um fogão a gás ou à lenha, e os equipamentos profissionais, que permitem melhor controle de temperatura e outros fatores, como o fluxo de ar.
Os equipamentos profissionais possuem diversos perfis e podem atender a diferentes necessidades dos profissionais responsáveis por sua operação. No caso dos equipamentos, mais completos, hoje se pode estabelecer temperaturas diferentes para momentos específicos da torra, a intensidade do fluxo de ar dentro do tambor e a velocidade de sua rotação.
Existem ainda diferenças na forma em que a chama incide sobre o tambor rotativo. Em alguns casos, o tambor é colocado diretamente sobre a fonte de calor. Em outros, não há incidência direta da chama sobre ele, fazendo com que o calor chegue de forma indireta aos grãos. Tudo isso pode fazer com que o processo – assim como o resultado – seja completamente diferente.
Por ser uma atividade que envolve altas temperaturas e, em alguns casos, gás, a operação de torrar cafés traz riscos de incêndio, especialmente em algumas situações.

Quais situações trazem risco de incêndio na torrefação?
O PDG Brasil fez um levantamento com três mestres de torra experientes para entender quais são os principais fatores que causam incêndios na torrefação. Falamos com Angélica Luizz, mestre de torras e controle de qualidade na microtorrefação Siriema Coffee Roasters, em São Paulo (SP); com Jonathan Piazarolo, sócio-proprietário da torrefação Trentino Cafés Especiais, em Vitória (ES), e com Gabriel Heinerici, engenheiro mecânico e professor da Atilla Torradores.
Veja as principais causas de incêndios em microtorrefações citadas pelo grupo:
- excesso de café no torrador (não devemos exceder 80% da capacidade nominal do equipamento);
- falta de limpeza e manutenção;
- vazamentos de gás;
- torra muito escura (que pode chegar à combustão);
- erro ou desatenção da pessoa que está operando o torrador.
Gabriel cita que numa torrefação existem dois tipos de focos de incêndio: o café, que pode entrar em combustão, ou partes da máquina que, por algum motivo, também podem pegar fogo.
“No primeiro caso, é importante conhecer o limite do café para não chegar a combustão para aqueles que gostam de torras realmente escuras. Algumas falhas de controle podem levar o café à combustão também, por exemplo, se o tambor para de rodar por falta de energia, por falha no motor ou por erro de operação, causando um superaquecimento no café e levando à combustão. Se a chama estiver ligada é um agravante”, explica.
Ele também cita que alguns equipamentos possuem sistemas ou válvula de segurança que trancam a passagem de ar: “seja por falha no motor, queda de energia ou erro de operação, a válvula irá atuar cortando o gás. Já o termopar, ao passar de uma temperatura segura, também aciona a válvula para que corte o gás e agrave um possível problema”.
No caso do equipamento, Gabriel comenta que os incêndios geralmente têm duas causas: vazamentos (que são mais raros) ou, na maioria dos casos, alguma causa mais simples, como falta de limpeza dos dutos.
Ele continua: “Pequenos vazamentos de gás podem ser notados quando o torrador está desligado e for observada mudança no relógio medidor de gás, ou até mesmo pelo cheiro. A dica aqui é fechar o registro de gás e contatar a assistência técnica”.
Se o equipamento possui válvula de segurança, então os vazamentos só acontecerão com o torrador em funcionamento, um pouco mais difícil de identificar. “Caso perceba que seu consumo de gás está acima do normal ou sinta cheiro de gás durante a torra, evite continuar torrando e solicite uma manutenção.”
São situações corriqueiras, ocasionadas muitas vezes por falta de disciplina, protocolos ou pura distração. Mas que podem ocasionar acidentes graves e até fatais.

Dicas práticas de como evitar incêndios na torra do café
As microtorrefações geralmente são gerenciadas por baristas que se tornaram mestres de torra e não tiveram, na maior parte dos casos, experiência na indústria do café. Com isso, acaba passando despercebido o fato de que microtorrefação é uma indústria como outra qualquer, necessitando de procedimentos e protocolos de segurança.
Conheça a seguir as dicas de segurança mais importantes selecionadas pelos mestres de torra que entrevistamos.
1 – Extintor e medidas preventivas
Angélica lembra que o ambiente de trabalho de torra envolve o risco de incêndio e que medidas preventivas devem ser sempre levadas em consideração e aplicadas com êxito em uma torrefação.
“Em primeiro lugar, é necessária a disponibilidade de um bom extintor de incêndio de fácil acesso no ambiente. Mas é muito importante manter o certificado de manutenção do mesmo, em dia, verificando sua validade de manutenção”, explica.
Ela conta que, além disso, no laboratório do Siriema foram protocoladas medidas práticas e operacionais preventivas, “que são monitoradas e executadas com frequência, tais como: limpeza adequada do equipamento, remoção frequente de películas que ficam acondicionadas no coletor de películas, limpeza periódica dos dutos de ar e exaustão, limpeza frequente da bandeja do resfriador, entre outros”.

2 – Disciplina e presença
Para Angélica, outro ponto forte que devemos levar em consideração é a disciplina no momento em que é operada a torra. Não deve haver nada que possibilite uma dispersão (como celulares, por exemplo), nada que comprometa a atividade do mestre de torra.
Por mais que o nosso trabalho seja em grande parte monitorado por um computador, a torra deve ser assistida e controlada o tempo todo. Assim, qualquer eventualidade que possa imprimir algum risco de incêndio é imediatamente avaliada e possivelmente corrigida pela pessoa.
3 – Ambiente adequado
É primordial que o espaço em torno do torrador seja limpo e livre de materiais inflamáveis e/ou que possam possibilitar uma combustão. “O ideal também é que a instalação do botijão de gás seja feita num ambiente externo e não ao lado do equipamento de torra”, explica Angélica.
4 – Domínio do equipamento
Gabriel reforça a importância de que, antes de tudo, quem for torrar tem de receber treinamento para ter conhecimento das formas de controlar a torra e dos limites dos cafés, assim como de manutenção preventiva na máquina e no ambiente de torra.
Angélica concorda que é muito importante o profissional ter o domínio do equipamento. “O mestre de torras deve conhecer e estudar as funcionalidades do seu equipamento de torra, tais como válvulas de segurança e medidas corretivas que ele possa apresentar, caso necessário”, diz.

5 – Orientações oficiais dos bombeiros
Jonathan lembra da importância de seguir as orientações do Corpo de Bombeiros e também ressalta a importância da limpeza diária do equipamento de torra como parte da prevenção.
6 – Manutenção preventiva e limpeza
Jonathan explica que o processo da torra gera muita película e sedimentos que passam pelos dutos até a saída para o ambiente. Todo lugar que passa esse ar, com o tempo vai acumulando sujeira de material inflamável, algum contato com uma fagulha ou superaquecimento pode causar um incêndio dentro de um duto ou chaminé.
A restrição causada pela falta de limpeza faz com que o fluxo de ar seja reduzido (praticamente torrar com fluxo quase zero) o que gera um superaquecimento da máquina. Então se você notar que sua máquina está aquecendo muito mais rápido que de costume (ou pode chegar ao ponto da chama ter dificuldade para acender), fique atento pois pode ser algum entupimento no sistema.
Os locais onde podem se iniciar incêndios e devem ser sempre verificados são:
- coletor do resfriador.
- coletor de películas;
- dutos de exaustão.

7 – Responsabilidades da torrefação
É responsabilidade da torrefação ter os equipamentos e o ambiente adequados para a torra de forma segura, contando com extintores, circulação de ar e saídas sinalizadas de acordo com as normas dos bombeiros e normas técnicas, assim como um operador treinado para manusear os equipamentos.

O que fazer?
O professor Gabriel, da Atilla, dá algumas sugestões do que fazer em alguns casos específicos. Veja a seguir:
Incêndio nos grãos
“Caso aconteça um incêndio nos grãos, dentro do torrador, a recomendação é cortar o gás e fechar o fluxo de ar, manter o tambor girando e não abrir a porta. O tambor aguentará o calor e a falta de oxigênio fará o fogo se extinguir. Se o incêndio ocorrer ao liberar o café no resfriador, não ligue o resfriador, pois o oxigênio irá agravar o incêndio. Nesse caso, use um extintor de gás carbônico ou pó químico seco.”
Incêndio na máquina ou dutos
“Para incêndio na máquina ou dutos, feche o registro de gás e desligue a energia, caso não consiga desligar os componentes da máquina. Use então um extintor de pó químico seco ou gás carbônico. Evite usar água se tiver proximidade de componentes elétricos.”
Falta de energia elétrica
“Nessa situação, a melhor solução é desligar o gás (cortar a chama), desligar o fluxo de ar e não abrir o torrador (para evitar que entre oxigênio).”
Falha no motor de fluxo de ar
“Caso aconteça uma falha no motor do fluxo de ar, o café também pode superaquecer ou até mesmo causar um bolsão de gás caso a chama apague por falta de fluxo, que pode intoxicar o operador e também resultar em uma explosão. Nesse caso, o gás também deve ser desligado o quanto antes.”
Vale lembrar que é essencial verificar os procedimentos de segurança mais adequados para cada equipamento, pois há especificidades de cada torrador. Por isso, sempre consulte o especialista na sua máquina para definir os procedimentos de segurança e reuni-los em um manual a ser estudado pela equipe de torra.

Por se tratar de um trabalho que não só envolve materiais inflamáveis, mas que também opera com equipamentos industriais que utilizam fogo e gás, pensar na prevenção de incêndios (seja de qual porte for a torrefação) é parte fundamental para sua operação e para a segurança de todos que trabalham nela assim como da vizinhança.
Créditos: Projeto Café Gato Mourisco/destaque; Battlecreek Coffee Roasters (torradores em ação); Divulgação Siriema Coffee Roasters (torrador ao lado de computador; mestre de torras pega grão verde para torrar); Divulgação Atilla Torradores (detalhe das partes do torrador); Roberto Barros/Divulgação Trentino (Jonathan dando curso sobre torra; torrador despejando grãos torrados).
PDG Brasil
Quer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!