8 de setembro de 2022

Florada antecipada: entenda por que acontece e os desafios que traz

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Mesmo que você não seja uma pessoa atenta, já deve ter notado que algumas coisas têm mudado em nosso mundo. O clima do mundo está bem diferente de alguns anos atrás, consequência de um uso exagerado dos recursos do planeta e do relacionamento predatório que temos com a terra. 

Podemos visualizar suas consequências ao redor do mundo, com temperaturas recordes, enchentes e queimadas naturais onde antes o clima sempre foi ameno.

Na cadeia do café podemos sentir como o cenário está mudando, com aspectos como a quebra de safra e, na sequência, uma florada adiantada. Para falar sobre o tema e ajudar a lidar com a situação, o PDG Brasil conversou com dois especialistas. Siga lendo para saber o que disseram. 

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flores do café

O que pode causar uma florada antecipada?

O clima estranho ao longo do ano que observamos são os sinais de que algo está errado. Sentimos isso quando está frio em uma época que deveria estar mais quente, ou quando ficamos longos períodos sem chuva e sentimos aquele tempo seco.

Nós sentimos que algo está diferente, mas as plantas sentem isso em uma proporção maior.

A florada antecipada deste ano é algo normal?

Alisson Lander, engenheiro agrônomo, mestrando em Ciência e Economia do Café pela Universidade de Trieste, diz que não. “Não é algo recorrente na cafeicultura brasileira. A princípio, se fosse apenas uma antecipação de florada, não haveria grandes problemas, uma vez que isso resultaria apenas em uma colheita antecipada no próximo ano.”

Ronaldo Dantas da Silva, auditor líder, Q-Grader e gerente de certificação da Savassi Agronegócios, com formação em engenharia agrônoma, concorda. “Não, não é esperado. Fisiologicamente falando, a planta entende seu ciclo reprodutivo e aguarda o melhor período climático para florescer.”

“Devido ao período de seca que enfrentamos durante o inverno, as plantas entram em estado de dormência, para economizar energia. Com a aproximação do fim do inverno, ocorre aumento das temperaturas e consequentemente a chegada de algumas chuvas. Neste ano, após um longo período de frio e ausência de precipitação, tivemos uma antecipação desse aumento de temperatura e leves chuvas em algumas regiões cafeeiras, que ofereceram às plantas condições para desenvolvimento dessas primeiras flores”, explica. 

Portanto, podemos observar que a planta reage diretamente ao clima. Como um instinto, os cafeeiros se reproduzem para permitir a sobrevivência da espécie. Em condições favoráveis, a planta tem uma colheita produtiva e de alto rendimento.

Porém, quando o estresse e as condições estão em desordem, a planta fica “confusa” e reage de forma desordenada. Essa planta “confusa” pode causar uma antecipação da maturação dos frutos. 

Ronaldo explica que “se essas flores se tornarem frutos, eles estarão maduros muito cedo. Teremos então frutos em diferentes estágios de maturação, possivelmente prejudicando a qualidade final do produto”.

florada de café adiantada

Quais são as consequências de uma florada antecipada?

Para Alisson, agora o momento é de analisar e avaliar a variação de temperatura e o volume de água nas próximas semanas. Segundo ele, a partir desse ponto será possível analisar as perdas e se a florada irá vingar ou não. Para o início de setembro, caso haja uma boa precipitação, a florada pode ter um bom pegamento.

Para Ronaldo, mesmo que haja uma produção de frutos, já há uma consequência por vir. 

“Essas flores podem não desenvolver frutos, porque o solo e o clima ainda estão secos nesta época do ano. Esses frutos prematuros também podem cair das árvores em áreas em que a colheita ainda está acontecendo. Outro fator negativo seria uma produção futura menos uniforme em termos de qualidade.”

Alisson fala que os problemas não se reservam apenas ao próximo ano, mas que há e houve consequências para a safra de 2022. “Pensando na colheita ainda deste ano, para os casos em que o produtor ainda não terminou a colheita, a antecipação da florada pode causar perda de produção para o ano seguinte, já que durante a colheita os botões florais irão cair”, explica. 

“Pensando nos efeitos dessa antecipação para os casos de produtores e produtoras que já acabaram a colheita, poderá haver problemas com alto número de floradas, por exemplo, que irá fazer com que lá na frente os frutos cheguem na colheita com diferentes estágios de maturação, afetando assim a qualidade.”

A produção do café é o sustento do produtor, ele precisa que o café produza para que consiga investir na próxima safra. Como isso vai refletir na vida do produtor?

“Para a agricultura em geral, a mudança de aptidão agrícola de algumas regiões podem causar sérios danos econômicos e sociais. Claro que tudo isso são processos que levam tempo para se concretizar, mas são possibilidades que necessitam de atenção por parte das instituições”, explica Alisson. 

O mercado, não apenas no Brasil como em todo mundo, também pode sentir que as compras no mercado não rendem mais como rendiam antes.

O café, como uma das bebidas mais consumidas do mundo, sente o preço que oscila diariamente na bolsa de valores, deixando um clima estranho entre a comercialização e a especulação.

Questionado sobre quais serão as consequências no mercado, Ronaldo nos fala que: “como consequência temos a perda de produtividade e consequente perda de produção nacional, ocasionando também perda de fatia de mercado. A baixa da qualidade ofertada do produto, acarreta a procura por produtos melhores e como consequência uma elevação desequilibrada dos preços ofertados.”

Alisson nos fala sobre como as relações dentro do mercado são importantes e como isso pode ajudar uma empresa a manter os negócios de forma saudável para ambos os lados:

“Nessa situação, acredito que as empresas que possuem uma forte relação de parceria com os produtores, saem em vantagem na hora de comercializar. O produtor hoje procura muitas vezes não só preço, mas também facilidade e uma relação de longo prazo em sua atividade.”

florada adiantada

Cenários, assistência e previsões

Ter uma lavoura é algo cheio de incertezas e desafios, afinal estamos falando de uma empresa a céu aberto. Portanto temos que trabalhar com cenários e nos preparar tanto para a melhor situação quanto para a pior situação. Alisson nos descreveu como seria o melhor e o pior cenário que podemos encontrar pelos próximos meses:

Melhor cenário: 

“Pensando na florada deste ano, o cenário ideal seria uma chuva de 30 a 40 mm para as próximas semanas (início de setembro) para que haja recuperação fisiológica das plantas do período de seca e melhor pegamento da florada.  E pensando em uma chuva de alto volume, acima de 30 mm, teremos um bom cenário à frente, pensando em recuperação do déficit hídrico e pegamento de florada.”

Pior cenário:

“O pior cenário seria a não ocorrência de chuvas, agravando ainda mais a situação. Para ilustrar, pensando em volumes de chuva apenas, já que a temperatura irá subir. Caso ocorra um volume baixo de chuva, por exemplo, abaixo de 5 mm, irá ocorrer leve recuperação das plantas, mas não suficiente para iniciar uma florada. Chuvas de 10 a 20 mm, irão ajudar na recuperação do déficit hídrico até aqui e a planta irá tentar soltar florada e não irá conseguir segurar, causando novamente uma quebra na previsão.”

Lembrando que tudo isso depende do estado atual da lavoura e do desenvolvimento das chuvas nas próximas semanas. Para este exemplo Alisson considerou o Sul de Minas.   

Para Ronaldo, dentro desses cenários temos uma certeza: “Existe a possibilidade de uma colheita antecipada ou seletiva, porém muitos produtores alegam que os custos desta colheita não compensam ao final do processo. Porém deve-se avaliar caso a caso.”

“Muita análise técnica e principalmente crítica quanto aos custos inerentes a esses cuidados são de suma importância neste momento de decisões. Acionar o sistema de irrigação ou não? Entrar com tratamento fitossanitário ou fisiológico ou não? Estes aspectos devem ser levados em consideração, caso a caso.”

produção de café

Há como minimizar os danos que estão por vir?

Já é rotina na vida do cafeicultor uma série de desafios. Constatado o problema, é hora de partir para a busca de uma solução ou ao menos de algumas estratégias para minimizar os possíveis danos da situação. 

“Em propriedades cafeeiras que possuem sistemas de irrigação, é possível avaliar o volume de chuvas antecipadas e suas consequências e acionar esse sistema para um melhor pegamento de florada e consequente minimização de perdas ou danos em qualidade”, acredita Ronaldo. 

Já Alisson fala que os efeitos podem ser minimizados através do conhecimento profundo da cafeicultura, não só em termos técnicos, mas também econômicos. “Como exemplo prático, o uso de compostagem para suplementar uma adubação traz economias ao produtor no custo com fertilizantes. A irrigação traz ao produtor a possibilidade de controlar melhor sua florada, possibilitando um melhor pegamento e uniformidade em sua produção.”

“Apesar de não ser momento de realizar grandes investimentos, em alguns casos, são necessários ajustes e adaptações para que a atividade se torne rentável no longo prazo.  Mas o agrônomo precisa ter em mente que, ao passarmos recomendações, estamos lidando não só com a parte técnica de uma cultura, mas também com uma família e, em alguns casos, com toda uma comunidade que tira daquela atividade o seu sustento”.

Ronaldo completa: “O ideal seria se o produtor rural pudesse estabelecer suas metas, aplicar seus planejamentos e colher os frutos de todo esse resultado de forma harmônica e sustentável. Infelizmente, o pior cenário hoje prevalece, tendo o oposto do ideal como realidade para a maioria dos produtores do Brasil e do mundo”.

produção cafés especiais


“Tanto para a cultura do café, quanto para a agricultura no geral, as consequências são preocupantes. Não somente se tratando de mercado alimentício, com suas inseguranças e incertezas, mas também num cenário ambiental de catástrofes e demais problemáticas tanto a nível local e regional, quanto global”, diz Ronaldo.

Portanto, podemos ver que o cenário é preocupante e demanda a busca da assistência de profissionais competentes para a nossa lavoura. 

Para além disso, devemos lembrar que é preciso cuidar de nosso planeta, deixar um legado para as próximas gerações, para que possam desfrutar de um mundo bom, com alimento, água, saúde e prosperidade. 

Créditos: Divulgação Alisson Lander; Divulgação Savassi Agronegócios; arquivo de fotos Priscila Pinho; arquivo de fotos Victor Kenzo.

PDG Brasil

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