A moagem de cafés especiais na cafeteria
Moinhos regulados e em funcionamento alinhados ao fluxo de extrações na rotina de uma cafeteria são uma necessidade vital para alcançar uma boa dinâmica de trabalho e atingir uma qualidade-padrão do café servido.
Quando se trata de cafeterias que trabalham com café de especialidade, a importância da moagem é substancialmente alta. Dependendo de quantos tipos de origem diferentes de ofertas para espresso, por exemplo, mais moinhos são necessários para que se atinja a granulometria ideal para a extração apropriada de cada perfil.
Deve-se considerar também a demanda obrigatória de que exista um moinho extra reservado especificamente para outros métodos de extração, como filtrados, prensas e mais.
Mas por quê a granulometria ou os níveis de moagem de cafés especiais demandam tanto cuidado e conhecimento quanto ao uso, regulagem e manutenção dos moinhos para o segmento?
Neste terceiro artigo da série especial do PDG Brasil sobre moinhos, exploramos as razões pelas quais vários aspectos, por vezes sutis, conectam as etapas do processo de moagem com a logística das cafeterias de especialidade.
Leia mais sobre as tendências e inovações em moinhos de café.

Entendendo a granulometria
A granulometria é uma das variáveis fundamentais do processo de extração de café, que é a ação de retirar componentes solúveis do grão torrado em contato com a água, que atua como solvente.
E, antes de se estudar as demandas dos níveis de granulometria (ou coeficiente de granulometria) da moagem do café para se atingir determinados resultados na xícara, e extrair o maior potencial (sabor, aroma, corpo) do grão, é preciso entender a ligação entre moagem, oxidação e solubilidade.

A oxidação do café
Todo alimento passa pelo processo de degradação natural causado pela oxidação, o principal catalisador da decomposição de alimentos vegetais. A semente do café é rica em óleos e gorduras, o que gera o corpo cremoso, sabores e aromas deliciosos que se sentem na bebida.
No entanto, quanto mais alta a quantidade de óleos e gorduras (ou seja, mais saturados quanto à composição) de origem vegetal (que em comparação com a gordura animal se degrada mais rápido), mais rapidamente se desenvolve a oxidação.
“Quando os grãos verdes são torrados, eles perdem as proteções naturais que mantêm a integridade da saturação por mais tempo, o que acelera o processo de oxidação, que corresponde à vida útil de consumo dos grãos torrados”, explicou Leonardo Pasquali, gestor e especialista técnico em moinhos, no artigo do PDG Brasil sobre tendências e inovações em moinhos.
No segmento de cafés especiais, é imperativo que a moagem seja feita imediatamente antes da extração, pois, quando a superfície dos grãos é rompida em partículas, o processo de oxidação é acelerado. E a oxidação promove alterações significativas no perfil da bebida – grãos caros e raros, portanto, perdem suas características originais de aroma e corpo.

A relação entre granulometria e solubilidade
A granulometria é uma das variáveis nucleares do processo de extração de café, que é a ação de retirar componentes solúveis do grão torrado em contato com a água, que atua como solvente. A média de solubilidade dos grãos de café na água é de no máximo 30%.
Como descreve Leonardo no artigo O ABC do moinho de café em casa, a granulometria de cada processo de extração influencia diretamente o índice de solubilidade dos grãos na água: grãos sem moagem não promovem solubilidade suficiente para que se dê a formação da bebida.
É o processo de moagem que garante a extração da bebida café, pois divide o grão em partículas capazes de misturar a água, no caso, o solvente que promove a dissolução da bebida café.
Três fatores determinam o índice de solubilidade do café moído: 1) a quantidade de solvente (água); 2) temperatura; 3) granulometria.
Quanto mais finas forem as partículas dos grãos, maior é o volume de solubilidade dos grãos. Diferentes índices de granulometria, portanto, correspondem a diferentes resultados quanto às métricas de uma extração, como corpo, nível de cafeína, sabor e aromas da bebida final. O índice de solubilidade pode alterar consideravelmente o perfil gustativo e sensorial dos grãos.
É justamente por esse motivo que a moagem e o ajuste de mós de moinhos, quando se trabalha com cafés especiais, é extremamente importante.
A termodinâmica derivada do equipamento de moagem, o tamanho, tipo e material das lâminas, além da limpeza e manutenção, são outros fatores substanciais. É também indiscutível o fator “preparo e conhecimento do barista”, quem conduz as etapas da moagem, testes e supervisão.

Cafés especiais e granulometria
Em cafeterias regulares, que normalmente trabalham só com café espresso, não há demanda de controle e customização da granulometria como nas cafeterias especiais, pois a matéria-prima, os grãos de café, são padronizados. O funcionamento do moinho é regulado pelas fornecedoras dos aparelhos.
Já com grãos de cafés especiais a demanda de máquinas de moagem é fundamental para que o resultado final da bebida faça jus ao perfil dos grãos: mais raros e complexos, mais caros e de qualidade superior.
“Em média, uma cafeteria de especialidade trabalha com dois ou três perfis de grãos, sendo um específico para espresso. Quando a cafeteria trabalha com uma variedade maior de perfis, a necessidade de regular a moagem para atingir o potencial de bebida de cada um aumenta tanto de importância quanto em frequência quando se trata de café espresso”, contam Mateus Maneschy (foto abaixo) e Valentina Gayoso, baristas da cafeteria de terceira onda Thank You Mama, em Lisboa, Portugal.
“O que precisa ser entendido é que, mesmo que os moinhos tenham muita qualidade de dosagem e consistência, ainda é preciso investir na qualidade da mão de obra do barista, pois é o responsável por regular e operar esses moinhos com alta tecnologia”, diz Alison Queiroz, especialista técnico em máquinas de moagem e professor de manutenção de maquinário de café.

A moagem dos cafés especiais e o barista
Mateus conta que ele e os colegas regulam e testam a eficácia da moagem, quanto ao perfil do café espresso disponível, todos os dias pela manhã, ao abrir a cafeteria. Quando uma cafeteria de especialidade trabalha com mais de um perfil de grão para espresso, é preciso que haja um moinho para cada.
Muitas vezes, usa-se dois moinhos para o mesmo grão, sendo um com regulagem para shot-único e outro para shot-duplo, para que se alcance a excelência – e rendimento dos grãos – da bebida derivada.
“A regulagem do moinho para shots únicos e duplos é diferente por conta da diferença de tamanho e capacidade de volume dos porta filtros específicos”, diz Valentina. Isso acontece pois a granulometria deve ser diferente para que se controle a extração de acordo com o potencial de solubilidade. “A diferente demanda de moagem é o que leva os baristas a regularem os moinhos, e as extrações, sempre para tiragens duplas”, explica ela.

“É mais difícil fazer shots únicos do que duplos, pois as partículas do shot único devem ser mais finas para aumentar a solubilidade. É consenso geral que o padrão da regulagem é sempre o shot-duplo”, dizem Mateus e Valentina.
É importante salientar que a regulagem para shot-duplo serve melhor cafeterias com fluxo médio a alto de demanda de café espresso, pois ao contrário resulta em desperdício de grãos.
“Quando se pede um espresso simples e não há outro pedido simultâneo, o custo para a cafeteria será maior, porque a extração será dupla de qualquer forma por conta da regulagem do moinho”, diz Valentina. O que acontece com a segunda extração “sem dono”? “Os baristas tomam!”

Termodinâmica e material das lâminas
A preocupação dos baristas quanto à temperatura das lâminas se deve ao calor gerado pelo atrito durante o funcionamento – por essa razão o mercado oferece moinhos com cooler embutidos. E por que o aquecimento elevado é indesejável?
“Moedores com temporizador (os automáticos) tendem a dar imprecisão de quantidade enquanto as lâminas estiverem frias. Isso acontece porque o tempo em que a lâmina ficará ligada vem pré-definido pela função do temporizador, e diferente de um moedor com balança, os materiais se dilatam com o calor. Para atingir precisão e constância, moedores automáticos devem já estar com as lâminas aquecidas para que a dose de moagem seja sempre a mesma. Essa é a razão pela qual alguns competidores moem um pouco de café para aquecer o moedor antes da moagem principal. Ou seja, o moinho tende a ter uma precisão melhor no alto-giro”, explica Lucas Salomão, campeão brasileiro da Brewers Cup e bi-campeão da Copa Barista em 2016.
“Quando a lâmina roda mais devagar se retarda o aquecimento, além de prevenir que se formem grãos excessivamente finos (prolongam o tempo da extração). A questão do material da lâmina também influencia, pois alguns materiais, como a cerâmica, dissipam o calor mais rápido, enquanto o cobre é um material que mantém a temperatura estável por mais tempo”, diz Lucas.
“Conferimos a qualidade da moagem do café ao meio do dia também, porque, com o calor gerado pelo uso, por conta da expansão do metal, o resultado da bebida pode ser alterado. A variação é pequena, mas conferimos de qualquer forma”, conta Mateus.
Em um mundo ideal, diz Lucas, as cafeterias teriam disponíveis moinhos com mais de um tipo de lâmina, para testar qual é a melhor moagem para cada perfil grão. Ele explica a razão: “Cada café é único, mas há pouco conhecimento sobre qual é a diferença em resultado com lâminas cônicas e flat. Em testes que fiz comparando as duas, com o mesmo café e medida de grãos, a lâmina flat resultou em uma quantidade maior de tamanhos iguais. Já a lâmina cônica rendeu menos uniformidade nos tamanhos, mas apesar desse padrão ser desuniforme, a cônica produz menor quantidade de finos [fines] do que a flat.”
Filtros de papel e a granulometria
Já quanto aos métodos de extração que levam filtro de papel, a resistência dos poros dos coadores, unida à necessidade de derramar a água de forma a promover a percolação devida, demanda que o nível de moagem seja de fino a médio, para evitar uma aglutinação excessiva das partículas de café, o que dificulta a passagem da água. “O que entrega que a moagem está fina demais é o tempo excessivo de extração e uma bebida de alto amargor e pouco corpo”, explica Leonardo.

É muito interessante – e importante – entender quantos fatores e nuances fazem parte do processo de moagem em uma cafeteria de cafés especiais. Enquanto a torra, também um processo muito complexo, é feita fora da cafeteria, a moagem é uma das protagonistas no dia a dia do barista.
Créditos: Becca Tapert (detalhe de barista moendo café no porta-filtro/destaque); Najib Kalil (colocando café moído na Chemex); Dan Smedley (detalhes de grãos no moedor); Isabelle Mani (moinhos); Adi Goldstein (detalhe visor moinho); Divulgação Thank You Mama (moinhos na cafeteria; detalhe da lâmina do moinho Victoria Arduino; barista Valentina Gayoso preparando espresso); Hanny Naibaho (porta-filtro).
PDG Brasil
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