24 de agosto de 2022

A moagem de cafés especiais na cafeteria

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Moinhos regulados e em funcionamento alinhados ao fluxo de extrações na rotina de uma cafeteria são uma necessidade vital para alcançar uma boa dinâmica de trabalho e atingir uma qualidade-padrão do café servido.

Quando se trata de cafeterias que trabalham com café de especialidade, a importância da moagem é substancialmente alta. Dependendo de quantos tipos de origem diferentes de ofertas para espresso, por exemplo, mais moinhos são necessários para que se atinja a granulometria ideal para a extração apropriada de cada perfil.

Deve-se considerar também a demanda obrigatória de que exista um moinho extra reservado especificamente para outros métodos de extração, como filtrados, prensas e mais.

Mas por quê a granulometria ou os níveis de moagem de cafés especiais demandam tanto cuidado e conhecimento quanto ao uso, regulagem e manutenção dos moinhos para o segmento? 

Neste terceiro artigo da série especial do PDG Brasil sobre moinhos, exploramos as razões pelas quais vários aspectos, por vezes sutis, conectam as etapas do processo de moagem com a logística das cafeterias de especialidade.

Leia mais sobre as tendências e inovações em moinhos de café.

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Entendendo a granulometria

A granulometria é uma das variáveis fundamentais do processo de extração de café, que é a ação de retirar componentes solúveis do grão torrado em contato com a água, que atua como solvente. 

E, antes de se estudar as demandas dos níveis de granulometria (ou coeficiente de granulometria) da moagem do café para se atingir determinados resultados na xícara, e extrair o maior potencial (sabor, aroma, corpo) do grão, é preciso entender a ligação entre moagem, oxidação e solubilidade.

como moer café

A oxidação do café

Todo alimento passa pelo processo de degradação natural causado pela oxidação, o principal catalisador da decomposição de alimentos vegetais. A semente do café é rica em óleos e gorduras, o que gera o corpo cremoso, sabores e aromas deliciosos que se sentem na bebida. 

No entanto, quanto mais alta a quantidade de óleos e gorduras (ou seja, mais saturados quanto à composição) de origem vegetal (que em comparação com a gordura animal se degrada mais rápido), mais rapidamente se desenvolve a oxidação. 

“Quando os grãos verdes são torrados, eles perdem as proteções naturais que mantêm a integridade da saturação por mais tempo, o que acelera o processo de oxidação, que corresponde à vida útil de consumo dos grãos torrados”, explicou Leonardo Pasquali, gestor e especialista técnico em moinhos, no artigo do PDG Brasil sobre tendências e inovações em moinhos.

No segmento de cafés especiais, é imperativo que a moagem seja feita imediatamente antes da extração, pois, quando a superfície dos grãos é rompida em partículas, o processo de oxidação é acelerado. E a oxidação promove alterações significativas no perfil da bebida – grãos caros e raros, portanto, perdem suas características originais de aroma e corpo.

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A relação entre granulometria e solubilidade

A granulometria é uma das variáveis nucleares do processo de extração de café, que é a ação de retirar componentes solúveis do grão torrado em contato com a água, que atua como solvente. A média de solubilidade dos grãos de café na água é de no máximo 30%.

Como descreve Leonardo no artigo O ABC do moinho de café em casa, a granulometria de cada processo de extração influencia diretamente o índice de solubilidade dos grãos na água: grãos sem moagem não promovem solubilidade suficiente para que se dê a formação da bebida. 

É o processo de moagem que garante a extração da bebida café, pois divide o grão em partículas capazes de misturar a água, no caso, o solvente que promove a dissolução da bebida café. 

Três fatores determinam o índice de solubilidade do café moído: 1) a quantidade de solvente (água); 2) temperatura; 3) granulometria.

Quanto mais finas forem as partículas dos grãos, maior é o volume de solubilidade dos grãos. Diferentes índices de granulometria, portanto, correspondem a diferentes resultados quanto às métricas de uma extração, como corpo, nível de cafeína, sabor e aromas da bebida final. O índice de solubilidade pode alterar consideravelmente o perfil gustativo e sensorial dos grãos.

É justamente por esse motivo que a moagem e o ajuste de mós de moinhos, quando se trabalha com cafés especiais, é extremamente importante. 

A termodinâmica derivada do equipamento de moagem, o tamanho, tipo e material das lâminas, além da limpeza e manutenção, são outros fatores substanciais. É também indiscutível  o fator “preparo e conhecimento do barista”, quem conduz as etapas da moagem, testes e supervisão.

moinhos cafeteria

Cafés especiais e granulometria

Em cafeterias regulares, que normalmente trabalham só com café espresso, não há demanda de controle e customização da granulometria como nas cafeterias especiais, pois a matéria-prima, os grãos de café, são padronizados. O funcionamento do moinho é regulado pelas fornecedoras dos aparelhos.

Já com grãos de cafés especiais a demanda de máquinas de moagem é fundamental para que o resultado final da bebida faça jus ao perfil dos grãos: mais raros e complexos, mais caros e de qualidade superior.

“Em média, uma cafeteria de especialidade trabalha com dois ou três perfis de grãos, sendo um específico para espresso. Quando a cafeteria trabalha com uma variedade maior de perfis, a necessidade de regular a moagem para atingir o potencial de bebida de cada um aumenta tanto de importância quanto em frequência quando se trata de café espresso”, contam Mateus Maneschy (foto abaixo) e Valentina Gayoso, baristas da cafeteria de terceira onda Thank You Mama, em Lisboa, Portugal.  

“O que precisa ser entendido é que, mesmo que os moinhos tenham muita qualidade de dosagem e consistência, ainda é preciso investir na qualidade da mão de obra do barista, pois é o responsável por regular e operar esses moinhos com alta tecnologia”, diz Alison Queiroz, especialista técnico em máquinas de moagem e professor de manutenção de maquinário de café.

regular máquina de espresso

A moagem dos cafés especiais e o barista

Mateus conta que ele e os colegas regulam e testam a eficácia da moagem, quanto ao perfil do café espresso disponível, todos os dias pela manhã, ao abrir a cafeteria. Quando uma cafeteria de especialidade trabalha com mais de um perfil de grão para espresso, é preciso que haja um moinho para cada. 

Muitas vezes, usa-se dois moinhos para o mesmo grão, sendo um com regulagem para shot-único e outro para shot-duplo, para que se alcance a excelência – e rendimento dos grãos – da bebida derivada.

“A regulagem do moinho para shots únicos e duplos é diferente por conta da diferença de tamanho e capacidade de volume dos porta filtros específicos”, diz Valentina. Isso acontece pois a granulometria deve ser diferente para que se controle a extração de acordo com o potencial de solubilidade. “A diferente demanda de moagem é o que leva os baristas a regularem os moinhos, e as extrações, sempre para tiragens duplas”, explica ela.

moagem de cafés especiais

“É mais difícil fazer shots únicos do que duplos, pois as partículas do shot único devem ser mais finas para aumentar a solubilidade. É consenso geral que o padrão da regulagem é sempre o shot-duplo”, dizem Mateus e Valentina. 

É importante salientar que a regulagem para shot-duplo serve melhor cafeterias com fluxo médio a alto de demanda de café espresso, pois ao contrário resulta em desperdício de grãos.

“Quando se pede um espresso simples e não há outro pedido simultâneo, o custo para a cafeteria será maior, porque a extração será dupla de qualquer forma por conta da regulagem do moinho”, diz Valentina. O que acontece com a segunda extração “sem dono”? “Os baristas tomam!”

moinho premium

Termodinâmica e material das lâminas

A preocupação dos baristas quanto à temperatura das lâminas se deve ao calor gerado pelo atrito durante o funcionamento – por essa razão o mercado oferece moinhos com cooler embutidos. E por que o aquecimento elevado é indesejável?

“Moedores com temporizador (os automáticos) tendem a dar imprecisão de quantidade enquanto as lâminas estiverem frias. Isso acontece porque o tempo em que a lâmina ficará ligada vem pré-definido pela função do temporizador, e diferente de um moedor com balança, os materiais se dilatam com o calor. Para atingir precisão e constância, moedores automáticos devem já estar com as lâminas aquecidas para que a dose de moagem seja sempre a mesma. Essa é a razão pela qual alguns competidores moem um pouco de café para aquecer o moedor antes da moagem principal. Ou seja, o moinho tende a ter uma precisão melhor no alto-giro”, explica Lucas Salomão, campeão brasileiro da Brewers Cup e bi-campeão da Copa Barista em 2016.

“Quando a lâmina roda mais devagar se retarda o aquecimento, além de prevenir que se formem grãos excessivamente finos (prolongam o tempo da extração). A questão do material da lâmina também influencia, pois alguns materiais, como a cerâmica, dissipam o calor mais rápido, enquanto o cobre é um material que mantém a temperatura estável por mais tempo”, diz Lucas.

“Conferimos a qualidade da moagem do café ao meio do dia também, porque, com o calor gerado pelo uso, por conta da expansão do metal, o resultado da bebida pode ser alterado. A variação é pequena, mas conferimos de qualquer forma”, conta Mateus.

Em um mundo ideal, diz Lucas, as cafeterias teriam disponíveis moinhos com mais de um tipo de lâmina, para testar qual é a melhor moagem para cada perfil grão. Ele explica a razão: “Cada café é único, mas há pouco conhecimento sobre qual é a diferença em resultado com lâminas cônicas e flat. Em testes que fiz comparando as duas, com o mesmo café e medida de grãos, a lâmina flat resultou em uma quantidade maior de tamanhos iguais. Já a lâmina cônica rendeu menos uniformidade nos tamanhos, mas apesar desse padrão ser desuniforme, a cônica produz menor quantidade de finos [fines] do que a flat.”

Filtros de papel e a granulometria 

Já quanto aos métodos de extração que levam filtro de papel, a resistência dos poros dos coadores, unida à necessidade de derramar a água de forma a promover a percolação devida, demanda que o nível de moagem seja de fino a médio, para evitar uma aglutinação excessiva das partículas de café, o que dificulta a passagem da água. “O que entrega que a moagem está fina demais é o tempo excessivo de extração e uma bebida de alto amargor e pouco corpo”, explica Leonardo. 

regular moinho cafeteria

É muito interessante – e importante – entender quantos fatores e nuances fazem parte do processo de moagem em uma cafeteria de cafés especiais. Enquanto a torra, também um processo muito complexo, é feita fora da cafeteria, a moagem é uma das protagonistas no dia a dia do barista. 

Créditos: Becca Tapert (detalhe de barista moendo café no porta-filtro/destaque); Najib Kalil (colocando café moído na Chemex); Dan Smedley (detalhes de grãos no moedor); Isabelle Mani (moinhos); Adi Goldstein (detalhe visor moinho); Divulgação Thank You Mama (moinhos na cafeteria; detalhe da lâmina do moinho Victoria Arduino; barista Valentina Gayoso preparando espresso); Hanny Naibaho (porta-filtro).

PDG Brasil

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