Mulheres protagonistas nos estudos de fermentação do café
Entre os países produtores de café, o Brasil é o que mais investe em pesquisas científicas, com foco tanto em inovações e melhorias agronômicas quanto em maquinários e sistemas.
Uma das áreas de pesquisa com maior destaque em relação ao campo científico do estudo do café é a que explora processos de fermentação no pós-colheita, parte essencial do cultivo de cafés especiais e de alta qualidade.
O trabalho do corpo acadêmico brasileiro de pesquisas do café é referência internacional por inúmeras razões, e uma delas é o fato de que grande parte dos cientistas líderes nos estudos de fermentação de café são mulheres.
O PDG Brasil conversou com três pesquisadoras especializadas em microbiologia da fermentação e líderes nesta vertente científica, para desenhar o panorama da participação feminina na implementação de processos inovadores na área: Dra. Rosane Freitas Schwan, coordenadora do departamento de fermentação do Núcleo de Estudos em Fermentações (NEFER), do setor de Microbiologia Agrícola do Departamento de Biologia da UFLA (Universidade Federal de Lavras); Dra. Maria Catarina Megumi Kasuya, professora titular e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa; e a Dra. Marliane de Cássia Silva, doutora especializada Microbiologia do Solo e Bioquímica, pesquisadora do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Viçosa.
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Panorama da fermentação no Brasil
No Brasil, a capacitação constante de cafeicultores, cafeicultoras e profissionais especializados em produção de café é uma prioridade para a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), por via do Consórcio Nacional de Pesquisa do Café, ambas afiliadas ao Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Todos os trabalhos e iniciativas científicas nascem com o objetivo final de alavancar os níveis de produção e qualidade dos produtos do setor cafeeiro do Brasil.
Os atuais níveis de taxas de produção e de aderência à tecnologias modernas no setor de produção do café no Brasil se devem muito às implementações de sistemas, capacitações e técnicas viabilizadas pelo corpo científico. Desde a fundação do Consórcio Pesquisa Café, parte do Embrapa Café, em 1999, a produção anual brasileira aumentou 30%. O setor produtivo é receptivo a treinamentos e inovações como regra, pois a maioria dos produtores sabe que investir em qualidade gera lucro.
A importância da fermentação na produção de café
Todo café passa por um processo fermentativo – seja natural, cereja descascada ou fermentação (via úmida), para que haja a remoção da camada de mucilagem que envolve o grão, diz a dra. Rosane Schwan, que começou a trabalhar com Microbiologia das Fermentações do Café em 1996.
Essa fase é de vital importância para as características sensoriais do produto final. “Há diferenças genéricas que afetam os atributos sensoriais dos cafés processados via úmida ou via seca, ambas requeridas por diferentes segmentos do mercado: os primeiros apresentam sabor mais suave, com menos corpo e elevada acidez, enquanto que os arábicas naturais possuem mais corpo e adstringência e menor acidez”, concluem as pesquisadoras da EPAMIG (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), Sara Maria Chalfoun e Ana Paula Fernandes, no estudo Efeitos da fermentação na qualidade da bebida do café.
“O sabor e o aroma complexos da bebida café resultam da presença combinada de vários constituintes químicos voláteis e não voláteis (…), que produzem reações e compostos que interferem no sabor experimentado na prova de xícara”, constatam na publicação Sara Maria e Ana Paula, outros dois nomes de mulheres (e em geral) que são referências na área.
“A crescente atuação das mulheres na ciência tem ganhado destaque nos últimos anos. E pesquisas com fermentação de café são muito interessantes científica e economicamente.
Os benefícios que esses estudos podem trazer para os pequenos produtores e para a sociedade como o todo é um grande motivador para o meu trabalho, e acredito que para muitas pesquisadoras também”, diz Marliane.

As tendências na pesquisa de processos de fermentação
Há algumas tendências em voga quando se fala de estudos específicos na área de microbiologia da fermentação do café. “Vejo principalmente trabalhos com culturas mistas, onde não se sabe exatamente qual cultura está promovendo a ´boa fermentação´”, diz Maria Catarina, que é coordenadora do departamento de pesquisa onde atua Marliane.
Marliane aponta como um tema que mais desponta agora: o comportamento de comunidades microbianas presentes em frutos de diferentes propriedades. “Observamos em nossos trabalhos que não apenas os microrganismos da fermentação estão envolvidos na qualidade da bebida, mas que são vários os fatores que influenciam esta qualidade. Além disso, percebemos que o solo tem um papel muito importante, já que microrganismos são compartilhados entre o solo e os frutos.”
Outros tópicos são a influência da inoculação de bactérias e leveduras na comunidade de microrganismos indígenas presentes nos frutos do café e o emprego de processos como a maceração carbônica na fermentação ao longo de diferentes tempos.

A presença das mulheres na pesquisa científica
Cresce mais a cada dia a participação das mulheres cientistas na pesquisa do café, e muitos laboratórios e pesquisas são coordenados por pesquisadoras. “Com trabalho e produção podemos mostrar que podemos quebrar qualquer barreira. Qualquer respeito deve vir por mérito, seja homem ou mulher”, diz Maria Catarina (foto acima).
A pesquisadora diz que quando começou sua carreira acadêmica não havia tantas mulheres a liderar projetos de pesquisas como atualmente. “É muito importante saber impor os nossos conhecimentos e nossas capacidades. É uma questão de oportunidade e, quando mostramos que somos capazes, as pessoas nos respeitam”, acredita.

A Dra. Rosana Schwan (foto acima) é um dos maiores nomes entre o corpo acadêmico especializado em pesquisas de fermentação com café no Brasil. Líder de estudos referência no assunto internacionalmente, ela acredita que haja um aumento feminino no agronegócio de modo geral. “Conquistas têm sido alcançadas por mulheres incríveis, que desejaram quebrar ou romper o tabu quanto ao papel da mulher na agricultura e nos agronegócios”, diz ela.
”A valorização acadêmica das mulheres ainda é um pouco lenta, mas está crescendo”, acredita Rosana, cujo trabalho pioneiro na fermentação do café foi apontado por Maria Catarina e Marliane como um exemplo acadêmico.
Barreiras às mulheres
Marliane conta que sempre existe um nível de preconceito com profissionais mulheres, “principalmente quando o trabalho envolve idas ao campo e contato direto com produtores. No entanto essas barreiras são vencidas a partir do momento que se reconhece o trabalho de qualidade realizado”. Ela acredita que isso se deve ao fato de ser relativamente recente a atuação de mulheres nas Ciências Agrárias.
“Além disso, o tema é novo (microbiologia da fermentação), e como existem poucos centros de excelência no Brasil que estudam esse tema, acaba ficando restrito a esse regionalismo onde as universidades ou institutos estão inseridos”, completa Marliane.
Evolução e Inclusão
Em abril de 2022, foi anunciada a nomeação da biomédica Helena Nader, 74 anos, como presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). A professora da Universidade Federal de São Paulo, que já havia sido presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), é a primeira mulher a assumir o posto nos 106 anos de existência da ABC. Em entrevista ao jornal “O Globo”, Helena salientou a importância de sua indicação como um marco rumo à maior inclusão de mulheres e das minorias no mundo acadêmico, o qual acredita não ser ainda inclusivo.
No final de 2021, mais mulheres do que homens foram incluídas na lista de membros da Academia – “por meritocracia”, salientou Helena. “Temos um longo caminho a percorrer, não só para a inclusão da mulher, mas para a inclusão da sociedade”, declarou.

A nova geração de pesquisadoras
Quanto às jovens acadêmicas, as entrevistadas dizem que também há um movimento crescente em relação ao interesse em adentrar esse campo de pesquisa, “principalmente pela valorização da bebida de qualidade e valor do produto”, diz Maria Catarina.
No Brasil, 54,2% dos estudantes matriculados em cursos de mestrado e doutorado são mulheres, segundo nota divulgada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em fevereiro de 2022.

Ainda há muitos desafios a serem superados por mulheres cientistas da área do café, e acadêmicas brasileiras especializadas em agricultura, que é uma área ainda dominada por homens. “Infelizmente ainda existe dificuldade ou preconceito em aceitar que a mulher possa contribuir de modo eficiente”, diz Marliane. “Mulheres cientistas são também mães e chefes de família, entre outras coisas. E, com tantas tarefas, atuam como pesquisadoras científicas por amor à profissão”, completa.
“Pesquisadoras e professoras são batalhadoras, que fazem a diferença onde trabalham, e que inspiram os orientados a serem cada vez melhores”, diz Rosana.
Créditos: Divulgação UFLA (destaque/laboratório; laboratório; Dra. Rosana Schwan; e retrato de pesquisadoras); Reprodução Fundação Renova (Dra. Maria Catarina Kasuya vendo mudas).
PDG Brasil
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