Entendendo o Campeonato Brasileiro de Aeropress e a receita campeã
A pandemia da Covid-19 impôs uma série de restrições e desafios a vários setores, incluindo o café. As cafeterias precisaram restringir o funcionamento, limitando-se a retirada e entrega, e a agenda de eventos foi seriamente comprometida.
Em 2020, alguns eventos conseguiram se transferir para a modalidade virtual, como a SIC, ao passo que outros foram cancelados porque simplesmente não eram compatíveis com esse formato, como o Campeonato de Aeropress.
Com a melhora gradual da pandemia no ano seguinte, os eventos começaram a voltar à normalidade, ainda com restrições. Nesse contexto, aconteceu a edição 2021 do Campeonato Brasileiro de Aeropress, reunindo competidores e a comunidade cafeeira em um formato híbrido, com etapas remota e presencial.
O PDG Brasil conversou com um dos organizadores e dois competidores para saber melhor como foi o evento, os desafios e as lições que ficaram, além, é claro, de conferir a receita campeã. Mas antes, vamos voltar um pouco e contextualizar a Aeropress para entender como esse método de preparo deu origem a um campeonato de escala mundial.
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O que é a Aeropress Coffee Maker
A Aeropress é um método de preparo de café caracterizado pela versatilidade e facilidade de carregar, podendo ser usado em quase qualquer contexto, desde uma cafeteria totalmente equipada até no meio do cafezal.
Outra característica especial da Aeropress é o fato de ela ser um método projetado para fazer uma porção de café individual, direto na xícara. Por isso, é tratada por muitos como um item pessoal, quase com valor afetivo, semelhante ao velho coador de pano em muitos lares brasileiros.
Lançada em 2005 nos EUA, a Aeropress é fabricada em policarbonato, material durável e difícil de quebrar. As partes que a compõem são: uma câmara cilíndrica, uma tampa de enroscar e um êmbolo com rolha de borracha, além do mexedor.
Em termos de funcionamento, o site oficial da Aeropress diz que ela é um método de imersão com dois diferenciais:
- O primeiro: diferentemente da prensa francesa, ela usa um filtro de papel para entregar uma bebida mais limpa;
- O segundo: o uso da pressão para extrair mais sabor e aroma.
A verdade é que a Aeropress é muito mais do que isso. Com seu design geek, pode-se dizer que ela é um instrumento didático para baristas e coffee lovers, pois permite explorar diversas variáveis simultaneamente, como tempo de infusão, moagem, o quanto mexer e até o quanto prensar.
A vantagem desse sistema é a flexibilidade. Por exemplo, não importa se você tem café moído grosso ou fino, ambos podem ser usados, basta ajustar o tempo de imersão.
A desvantagem, se é que podemos dizer assim, é a infinidade de resultados possíveis. Você vai precisar fazer testes até chegar na receita que te agrade. Não existe uma única receita correta, mas várias, que já foram criadas e que ainda vão ser.
E é exatamente aí que entra o Campeonato de Aeropress.

Da Noruega para o Mundo
Era o ano de 2008 em Oslo, Noruega, quando três amigos tiveram uma ideia: “Não seria divertido ver quem faz o melhor café na Aeropress?” Com esse espírito descontraído, foi realizado o primeiro campeonato, se assim podemos chamá-lo, uma vez que não passou de uma “brincadeira organizada” entre amigos na torrefação de Tim Wendelboe. O próprio Tim foi o juiz que elegeu o campeão.
Desde então, o campeonato cresceu e acontece todos os anos, tendo se ramificado em competições regionais e nacionais em mais ou menos 60 países, cada qual envia o seu vencedor para a competição mundial.
Apesar dessa expansão global, a competição ainda mantém o propósito original de ser uma confraternização de coffee lovers, sem o mesmo rigor formal de outras competições.
Campeonato Brasileiro de Aeropress, um campeonato para todos
Eystein Veflingstad é mestre de torra, colunista do PDG Brasil e consultor norueguês radicado no Brasil. Mesmo antes de se mudar para cá, ele já era competidor e entusiasta da Aeropress, tendo vencido a etapa norueguesa de 2014 e competido no mundial daquele ano.
Para ele, o conceito diferencial do Campeonato de Aeropress é agregar em vez de excluir. Sem a formalidade do campeonato de barismo, onde o competidor precisa falar em público e investir em uma boa apresentação visual, tanto pessoal quanto do seu café, o CdA avalia somente a bebida, às cegas. “Isso gera um ambiente de competição mais abrangente e incluso.”
Reforçando essa ideia, a barista Pamela França, vice-campeã de 2021, lembra que o CdA é aberto a todos, não apenas aos profissionais do setor. “O objetivo é que as receitas possam ser reproduzidas pelo maior número de pessoas”, explica.

O desafio da pandemia
Tendo em vista esse caráter inclusivo e agregador, seria praticamente impossível realizar o campeonato durante a pandemia do Coronavírus, certo? Tomando as devidas providências para evitar aglomerações, e superando alguns desafios logísticos, a organização provou que era, sim, possível.
A competição foi dividida entre uma etapa remota e outra presencial. A primeira contou com nove grupos de três competidores, que desenvolveram a sua receita em casa e a mandaram para a organização. Foram selecionados baristas “proxy” (intermediários) para reproduzir fielmente as receitas em um laboratório. Dessa fase, nove competidores passaram para a final, que foi presencial.
Um problema relatado pelos competidores foi a logística. A organização teve de enviar o café usado no campeonato para todos os competidores. Espalhados por todo o país, alguns receberam o café quase no final do prazo para apresentar a receita.
Por outro lado, a possibilidade de participar da primeira fase de maneira remota foi uma vantagem ressaltada por Pamela: “Ajudou os competidores que não teriam acesso a essa fase pelo deslocamento.” Ou seja, de certa maneira o formato remoto-presencial foi ainda mais inclusivo.

A importância da comunicação
Matheus Filagrana, campeão de 2021, nos contou que, a princípio, não se sentiu confortável com o formato, uma vez que o competidor não teria acesso ao moinho nem à água do campeonato, além de ter de confiar na capacidade do barista “proxy” de replicar a receita.
“Tivemos a oportunidade de conversar previamente com o representante, o que nos trouxe mais segurança e confiança nos profissionais do evento”, ele disse.
Pam reflete que elaborar a receita e transmiti-la para os “proxies” de maneira didática foi, ao mesmo tempo, o desafio e a recompensa do campeonato. Uma vez que o sucesso dependia de uma combinação de habilidades e de não perder de vista o objetivo primordial do campeonato, que é compartilhar.
O organizador, Eystein, concorda que a comunicação foi o grande mérito dessa edição. Foi crucial para dar confiança e estimular o ambiente de colaboração entre os competidores. “É com a comunicação que podemos espalhar o intuito do campeonato, e se for bem-feito, ajuda a baixar tensões e administrar as expectativas dos competidores.”
Refletindo e projetando o futuro
Com relação a expectativas, todos os entrevistados concordam que o campeonato foi um sucesso, dados os percalços impostos pela pandemia. Mais do que eleger um vencedor, eventos assim têm por objetivo reunir pessoas, proporcionar conexões, e a edição 2021 cumpriu esse objetivo em um momento em que isso fazia muita falta para o setor do café.
Para fugir da aglomeração da cidade, a etapa presencial levou os finalistas para a conhecer a Fazenda Cachoeira, em Minas, onde foi produzido o café usado no campeonato. Lá, recebidos pela anfitriã e produtora Miriam, os participantes puderam se reunir, sentar-se em torno da fogueira e aprender sobre ecologia e agricultura sintrópica, numa conclusão que fechou o ciclo de maneira enriquecedora para todos os participantes.
Quanto aos planos para 2022, Eystein adianta apenas que o aprendizado de 2021 será colocado em prática e que a comunidade pode esperar um evento grande e animado, para todos poderem se encontrar. Vamos torcer que assim seja.

A receita vencedora, de Matheus Filagrana
Autor: Matheus Filagrana, barista e mestre de torra da Blum’s Kaffee, Blumenau
Método: Invertido
- 1 unidade de filtro original;
- 18 g de café;
- 150 ml de água a 83°C;
- +40 ml de água a 73°C (bypass);
- 1 chaleirinha extra com tampa, ou bule (só para separar a água com temperatura diferente);
- 1 termômetro
Preparo:
- Escalde previamente o filtro de papel, a Aeropress, a caneca e a chaleira extra.
- Moer o café na moagem média grossa (9,6 no modelo EK43, ou 50 no Breville)
- Coloque 40 ml de água a 83ºC na chaleira extra
- Coloque o café moído e 150 ml de água a 83ºC;
- Imediatamente após colocar a água, mexer o café 10 vezes para frente e para trás, com turbulência, usando o mexedor original da Aeropress;
- Tampar a Aeropress imediatamente.
- Tente fazer todo o processo anterior em 35 segundos (de por o pó a tampar).
- Deixe em infusão até 1 minuto e 15 segundos.
- Inverta e pressione com força média até 1 minuto e 25 segundos, espere 5 segundos sem fazer força e termine de pressionar com força em até 1 minuto e 45 segundos (parar quando der o barulho característico de espuma “tss” (quando acabar o líquido de cima).
- Verifique a temperatura da água na chaleira extra (precisa estar em 73°C), caso tiver mais frio, adicione aos poucos a água a 83°C até chegar na temperatura desejada, se tiver mais quente deixe a chaleira sem a tampa e vá mexendo com uma colher limpa.
- Adicione 40 ml de água a 73°C na bebida final.
Está pronto! Prove a bebida devagar, até esfriar! A percepção sensorial muda enquanto o café esfria, vale a experiência!

Nas linhas acima, pudemos conhecer mais a fundo o que é o método de preparo Aeropress e seus diferenciais. Descobrimos também alguns dos bastidores do Campeonato Brasileiro de Aeropress em 2021 e a receita campeã. Se você for tentar em casa, conta pra gente como ficou nas redes sociais do PDG Brasil.
Créditos: Alex Chernenko (destaque Aeropress); Jonathan Sanchez (Aeropress vista de cima); Divulgação Campeonato Brasileiro de Aeropress 2021 (competidores no evento; Matheus com troféu); Skylar Gordon (Aeropress ao ar livre).
PDG Brasil
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