16 de maio de 2022

Desvendando o aroma do café

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Um café de qualidade é descrito como uma bebida agradável, com sabor, aroma e corpo balanceados. Dentre os diversos atributos do café, sem dúvida o aroma é um dos mais apreciados e, portanto, objeto de pesquisa tanto do ponto de vista sensorial como dos compostos químicos que o compõem.

Pesquisa recente realizada pela Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) e São Paulo Coffee Hub mostrou que o aroma é o principal atributo associado a cafés de qualidade. E mais, ao perguntar quais as primeiras coisas que vem à cabeça ao experimentar um bom café, o aroma foi o mais destacado.

Para explicar melhor o que é esse atributo e como percebê-lo, conversamos com a pesquisadora Dra. Sara Florentine Marquart, do Coffee Excellence Center (ZHAW, Suíça).

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cheirinho de café

O início das descobertas dos aromas do café

Muitos estudos científicos envolvendo o aroma do café vêm sendo publicados todos os anos. Porém as pesquisas sobre esse tópico têm registros desde 1880, quando o alemão Oscar Bernheimer identificou alguns compostos voláteis (que evaporam com mais facilidade e impactam o aroma) que compunham o aroma do café. 

Alguns anos mais tarde, em 1926, o polonês Tadeus Reichstein e seu professor, o alemão Hermann Staudinger (ambos laureados com o prêmio Nobel), identificaram um número considerável de compostos relevantes do aroma do café.

A partir de então, com os avanços nas metodologias de análise, diversos outros aromas foram descobertos e, atualmente, são conhecidos cerca de 1.000 compostos no aroma do café de diversas classes químicas, incluindo hidrocarbonetos, aldeídos, cetonas, ésteres, ácidos carboxílicos, pirazinas, piridinas, dentre outras.

Porém apenas uma pequena parte desses aromas, cerca de 30, efetivamente contribuem diretamente com o aroma. Isso porque alguns deles estão presentes numa concentração muito pequena (de milionésimos (11.000.000) de grama de aroma por grama de café, a bilionésimos (11.000.000.000) de grama de aroma por grama de café). A concentração desses compostos é tão pequena que as células do nosso epitélio olfativo não conseguem detectar, ou o limiar de detecção (também conhecido como threshold) de um determinado composto é muito alto, isto é, o aroma precisa estar presente numa concentração muito alta para poder ser detectado.

aroma café

A complexidade do aroma do café

Apesar da quantidade de químicos voláteis que integram o aroma do café, apenas um deles, o 2-furfuriltiol, tem o “cheiro” característico de café torrado. Sara Marquart afirma que esse  aroma tem uma característica interessante, quando está concentrado ele tem um cheiro de alho amassado, bem desagradável. 

Mas, conforme a concentração vai diminuindo, aí confere o aroma de café torrado fresco. A pesquisadora destaca que uma variedade de aromas ativam diversos receptores na língua e olfato, que combinados, resultam no aroma global. E acrescenta que um aroma “negativo”, quando combinado com os demais aromas, o resultado pode ser uma característica sensorial totalmente distinta.

Por exemplo:

–          4-Vinilguaiacol: picante, amadeirado (herbáceo);

–          Metional: batata cozida;

–          Linalol: frutado, cítrico;

–          2,3-Butanodiona: amanteigado;

–          Guaiacol: químico;

–          Metanetiol: pútrido.

aroma do café verde

O papel do café verde no aroma do café torrado

O café verde tem pouco ou quase nenhum dos compostos que compõem o aroma típico do café torrado e moído. Basicamente contém alguns alcoóis, aldeídos e ácidos voláteis. Mas o grão verde tem grande relevância já que contém todos os compostos (conhecidos como precursores) que vão ser transformados em aroma por meio da torra. 

Por esse motivo, a composição bem como o balanço entre os aromas do café variam muito de acordo com a espécie do café, condições climáticas de cultivo, localização geográfica, procedimentos pós-colheita etc.

Os principais constituintes do café verde que funcionam como precursores de aroma incluem açúcares, proteínas, aminoácidos, trigonelina e os ácidos clorogênicos.

Sem dúvida a torra é a etapa mais importante para o desenvolvimento do aroma, quando ocorre uma série de transformações químicas e físicas que resultam nos atributos aromáticos de café torrado.

Mas não se engane, a qualidade final é determinada pela qualidade do grão verde (antes de ser torrado). A torra apenas evidencia o potencial completo do grão.

Cabe ressaltar que é com a torra que também ocorre a formação de compostos indesejáveis que fazem mal à saúde, como a acrilamida e os furanos.

café torrado

Torra: onde a mágica acontece 

Depois que o café é colhido e submetido aos processamentos de pós-colheita (limpeza, secagem etc.), os grãos são torrados. Nessa etapa, o café é submetido a temperaturas que variam de 180 a 240°C por períodos entre 8 a 20 minutos. 

Pela complexidade da composição e das condições da torra, ocorrem diversas reações muito complexas, como desidratação, hidrólise, enolização, ciclização, fragmentação, recombinação de fragmentos, pirólise, polimerização etc.

Muitas dessas reações são associadas a uma das reações mais estudadas na ciência de alimentos, a reação de Maillard. Trata-se de uma reação de escurecimento, também conhecida como reação de escurecimento não-enzimático, responsável, por exemplo, pelo escurecimento do pão ao ser assado e pela cor da carne assada.

No café, essa reação (incluindo uma de suas etapas, a degradação de Strecker) é responsável pelo escurecimento do café, pela formação das melanoidinas, e pela formação de componentes do aroma: piridinas, pirazinas, diacetil etc.

Durante os primeiros momentos da torra, não ocorre uma formação muito acentuada de aroma, a energia fornecida é utilizada principalmente para evaporar a água presente no grão. Somente após um certo tempo, quando a umidade do grão é cerca de 7% a 2%, é que se verifica uma formação considerável de aroma. 

Esse aumento na concentração de aroma ocorre até certo momento da torra, que, a partir de então, os aromas são perdidos ou degradados.

aroma café solúvel

O aroma do café solúvel

É bem sabido que o café solúvel tem uma intensidade aromática bem menor quando comparado com o café torrado e moído (ou café coado). Acontece que o café solúvel é um produto de café que é submetido a diversas etapas durante o processo de produção. Por exemplo, depois de obtido o extrato solúvel na etapa de extração (como se o café fosse coado), esse extrato é concentrado e depois seco (sob altas temperaturas, principalmente). 

Diante dessas etapas, ocorrem diversas transformações e perdas de aromas. Além disso, o café solúvel contém apenas a fração solúvel (em água) do café. Portanto o óleo do café, que contém muitos aromas, não está presente no café solúvel. Além da própria matriz do café, que aprisiona muitos voláteis, que também não compõe o café solúvel.

aroma do café

Para onde caminham os estudos de aroma de café

Dra. Marquart enxerga grande potencial para diferenciação quanto aos aromas em cafés fermentados, especialmente condições de fermentação, microrganismos e direção da fermentação. 

Ela diz que há muito interesse por parte dos consumidores em cafés co-fermentados, isso é, cafés fermentados juntamente com outros produtos como frutas, para incorporar outras notas aromáticas à bebida.

Diante de um produto de tanta complexidade como é o café, que é submetido a uma condição tão drástica de transformação, como é o caso da torra, Sara diz que várias pesquisas estão em andamento sobre a formação de aromas, porém é taxativa ao afirmar que essas pesquisas podem representar uma “Caixa de Pandora”, que nunca serão totalmente compreendidas. 

café cheiroso

O aroma do café envolve a todos, dos apreciadores aos degustadores profissionais. Embora o produto apresente mais de 1.000 compostos aromáticos, apenas 30 vão conferir os aromas que percebemos na bebida.

Os estudos sobre os aromas da bebida evoluem constantemente e nos ajudam a perceber toda a riqueza da experiência que uma xícara pode nos proporcionar.

Créditos: Battlecreek Coffee Roasters (destaque e grãos de café verde); William Moreland (café no decanter); infográfico Livro “The Craft and Science of Coffee”; Yanapi Senaud (café sendo torrado), Ibzstore (café solúvel); Pixabay (degustador de café).

PDG Brasil

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