11 de maio de 2022

Café e afeto: sentimentos, simbologias e percepções sobre a bebida

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O fruto do cafeeiro, assim como a própria existência humana, necessita passar pelas variações inerentes à sua época para alcançar a fase da maturação. Todas elas são igualmente importantes e interdependentes e aguçam a nossa curiosidade: Como aquele precioso líquido que ingerimos diariamente chegou à nossa xícara? O que ele representa? Há relação entre café e afeto? Por que preferimos este ou aquele? Como ele impacta a nossa vida?  

Muitos estudos têm sido realizados buscando compreender mais a fundo o perfil de consumo do café e seus impactos na nossa vida. O que percebemos é que o consumidor está a cada dia mais exigente com a qualidade e ciente da sua importância como agente de fomento à sustentabilidade. Mais ainda: que há uma percepção presente do café afetivo, um café que sempre nos remete a afetos e lembranças, que nos enche a alma.   

Respostas prontas não existem, mas buscamos com esse artigo provocar uma reflexão de como o café impacta nossas vidas, seja do ponto de vista afetivo, fisiológico e até mesmo como propósito de vida para quem faz parte desse universo magnífico que é o café como alimento da alma. Continue lendo para saber o que nossos entrevistados do PDG Brasil disseram sobre o tema. 

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consumo de café

O que o café representa para cada tipo de consumidor

A maior pesquisa sobre o consumo de café realizada no Brasil foi uma parceria da ABIC com o São Paulo Coffee Hub no período pandêmico de julho a setembro de 2021. Com um universo amostral de 5.460 entrevistados em 14 grandes e médias cidades brasileiras (capital e interior), de todas as regiões do país, a pesquisa está disponível neste link

A partir do estudo realizado, podemos destacar algumas percepções. Vale frisar a distinção do público consumidor em três grupos:

  • Público Geral: tomam café comum, não entendem sobre cafés diferenciados, o assunto não é prioridade;
  • Entusiastas: entendem um pouco mais de café, compram cafés diferenciados, são curiosos com o assunto;
  • Especialistas: entendem muito de café, já fizeram cursos, podendo ou não trabalhar na área, verbalizam sobre o assunto de maneira técnica.
café com quitutes

Conheça algumas percepções interessantes da pesquisa sobre café

De manhã e de tarde

Ambos os grupos bebem majoritariamente uma xícara ou caneca de café pela manhã  e uma pela tarde. Mas há um percentual interessante de pessoas que consomem mais de três xícaras durante o dia. Entre os apreciadores do Público Geral, por exemplo, maior contingente entre os entrevistados, 23% declararam esse consumo de três ou mais doses por dia. 

Aroma

Os apreciadores consideram que um café com mais qualidade precisa ter um excelente aroma como indicativo principal. Para o subgrupo Público Geral, um excelente café precisa ter aroma, ser forte, saboroso e encorpado. Já para os Entusiastas são o aroma, o sabor e o corpo que o validam como excelente. No entanto é entre os Especialistas que percebemos maior variação como o próprio aroma, além do sabor, do tipo de torra e finalmente da qualidade como atributos que perfazem um excelente café;

Simbologias e sentimentos

Para o Público Geral, sentimentos como prazer, felicidade, satisfação, alegria, paz e aconchego foram os mais votados. Os Entusiastas optaram pelo prazer, conforto, tranquilidade, aconchego, satisfação e paz; tendo muita similaridade com o grupo anterior. Por sua vez, foram o prazer, a satisfação e a felicidade que nortearam os sentimentos destacados pelos Especialistas.

Sensações que o café provoca

Um último quesito que queremos destacar foi o de sensações que a bebida provoca. E basicamente tivemos as mesmas despertadas nos três grupos: aroma e sabor. Sendo que  “lembranças” foi a palavra elencada pelo Público Geral e Entusiastas, e, para os Especialistas o local onde o café é apreciado foi percebido como um gatilho para diversas sensações.

“Café é um abraço em forma líquida” foi a frase dita por um especialista. E é isso que percebemos quando deduzimos que os principais sentimentos despertados em qualquer um dos grupos da amostra foram o prazer e a felicidade. 

consumo de café

A visão de empreendedores sobre café e afeto

Ao falarmos do café e sua simbologia, torna-se imprescindível falarmos do principal elo entre o fruto e a xícara: as pessoas.

Conversamos com um produtor de café especial e um mestre de torra que são referências nas suas respectivas áreas de atuação na Chapada Diamantina, na Bahia. Fizemos duas perguntas para ambos.

Iniciamos a “prosa” com uma família que respira, ama e vive o café na sua plenitude, da torra até a produção de uma marca própria na bucólica e histórica cidade de Rio de Contas.

O barista e mestre de torra Lucas Castro e Maísa Cardozo, gestora da Blenditta Torra de Bons Cafés, são os responsáveis pelo Café Blenditto

Para eles, o café é fonte inspiradora de bons sentimentos. “O café é uma forma de encontro. Uma possibilidade de criar vínculo com as pessoas, trocar”, acredita Lucas. 

“É uma relação muito íntima já que para o convite à bebida necessitamos seriamente de um nível de intimidade, de um assunto, de um convívio. Como técnico/apreciador, gosto de beber pensando na bebida, mas adoro quando me pedem para fazer o café, pois sei que o papo ou a festa vão se alongar.”

café e afeto

Essa perspectiva que envolve a simbologia e as afetividades ligadas à bebida pode colaborar inclusive na forma como os empreendedores de negócios de café buscam atingir seus consumidores e suas consumidoras. 

“Acho que pensar no todo é fundamental. A pessoa precisa pegar a embalagem e quase que ‘vendada’ chegar até o nosso trabalho. Uso essa metáfora, pois aquilo que produzimos (como o café) em estado de arte, o artesanato, toca as pessoas em lugares muito sutis”, explica Lucas. 

Por conta disso, o torrefador conta que tenta sair um pouco da mesmice das pontuações e notas sensoriais e busca trabalhar com a ideia de momentos que são impulsionados por esse néctar. 

“Minha questão afetiva é: o que este café oferece para além do beber? Achar isso é um misto entre o que vivemos e o que queremos. Creio que dançando essa música, eu encaixo um produto que vem há anos unindo pessoas na percepção de que sabor é saber.”

A paixão de Lucas já está transpondo gerações. Sua filha, Cristal, de apenas 1 ano e meio, pede à mãe, Maísa, o doce néctar: “Café, mamãe, quero café!”.

café e sentimentos

A visão de quem produz

Seguimos na busca por entender a percepção de alguns profissionais do mercado sobre os significados do café e entrevistamos Rodolfo Moreno, produtor e mestre de torras da Moreno Torradores de Café, sediada em Piatã, também na Chapada Diamantina. Rodolfo é também idealizador da Coophub, uma rede de produtos oriundos da Agricultura Familiar da região e um dos fundadores da Coopiatã (Cooperativa de Cafés Especiais e Agropecuária de Piatã).  

No entendimento de Rodolfo como empreendedor do agronegócio, o café tem a seguinte percepção: “A meu ver é um produto que traz e cria muitas conexões. Como uma via de mão dupla, ele vai e volta. Creio que todo o amor que coloco em meu produto seja para que o consumidor tenha prazer em consumir um café, do jeito que ele achar melhor, seja ele simples como um café de trabalhador feito na fogueira e decantado com carvão em brasa ou até um método mais rebuscado, como aeropress ou globinho. O que realmente importa é a sensação de que o café que está sendo consumido lhe toque o coração como um abraço apertado de alguém querido”. 

Percebemos ainda uma preocupação de Rodolfo com a questão sustentável do negócio. “E, sabendo que além de tudo isso o produto que respeita o meio ambiente e participa ativamente da comunidade local potencializando o socioeconômico e gerando sustentabilidade em todo o processo, o consumidor sente, além do prazer e do abraço apertado, a segurança de estar praticando um consumo consciente.”

Já do ponto de vista do apreciador da bebida, Rodolfo acredita que: “O café permeia e entrelaça diversos sentimentos”. 

“A maioria das pessoas com as quais conversamos em eventos e feiras fala do café como uma saudosa lembrança dos avós que no raiar do dia preparavam o café, fazendo com que seu aroma invadisse toda a casa e essa lembrança, boa como um abraço, é transmitida toda vez que se sente o mesmo aroma”, conta 

Além dessa simbologia de um abraço querido e apertado, Rodolfo explica que fica para ele o desafio de refletir e organizar a memória olfativa para compreender o café que está bebendo. “Tal qual um músico que, ao ouvir uma canção, além de ouvi-la como um todo, percebe os detalhes de cada instrumento, preciso entender o café. Nesses detalhes que aprecio e respeito essa bebida fantástica”, diz. 

O DNA cafeinado da família Moreno se estende a Elba Soares, companheira de Rodolfo, e a seus filhos, Marcelo Moreno e Daniel Anakin, que enxergam o cafezal como um grande parque de diversões.

café e lembranças

Fica nítido como as percepções de Lucas e Rodolfo se completam e estão interconectadas entre si. O café é um vetor que transmite o prazer, a felicidade e o compromisso em destinar aos bebedores de café o melhor produto possível com responsabilidade social, econômica e ambiental. Existe grande relação entre café e afeto.

Certa vez, numa conversa cafeinada, perguntamos a Jean François Lacrevaz, de 87 anos, grande produtor de marmelo, nascido em Rummily, oeste da França: “Qual a lembrança mais tenra da sua infância?”

E essa pessoa com tanta vida já transcorrida, de imediato respondeu: “O aroma do café que minha mãe preparava às 7h da manhã, antes de irmos para a escola”.

Créditos: acervo Augusto Carvalho (destaque/galho do cafeeiro; mesa de prova), Jason Villanueva (cappuccino); Blenditta Torra de Bons Cafés (Lucas Castro e Maísa Cardozo à frente da torrefação; Lucas Castro durante a torra), Moreno Torradores de Café e Coophub (família Moreno no cafezal) e Nathan Dumlao (latte art).

PDG Brasil

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