20 de abril de 2022

Como incluir a brasilidade na cafeteria

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Estamos no Brasil, certo? Então por que não há presença de brasilidade nas cafeterias? E como definir “brasilidade” quando nós ainda não conseguimos nos definir por completo? Esse retrato dos diversos brasis dentro do Brasil, a cultura do “tudo junto e misturado”, é o que nos torna quem somos no mundo e o que nos dá a nossa principal força: a diversidade.

Há pouco tempo, começamos a reconhecer que o que produzimos e como produzimos deve ser valorizado tanto quanto o que vem de fora, pois é feito com as mãos do nosso povo e é rico em aspectos socioculturais da nossa sociedade. E isso tem tudo a ver com a cultura do café, esse produto tão brasileiro e que faz parte da nossa vida de maneira tão arraigada.

Na cafeteria, essa escolha de filosofia e conceito não deve parar no café, mas também deve se aprofundar, passando pela comida e indo adiante para a arte, a música e a ambientação.

Para provocar uma reflexão sobre o tema e trazer dicas, o PDG Brasil chamou três pessoas de diferentes regiões do país. Eles vieram contar sobre como trabalham esses aspectos em suas diferentes camadas, quais as dificuldades de trazer o Brasil para seus espaços e como isso impactou em seus negócios.

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ingredientes brasileiros na cafeteria

O que é brasilidade?

Uma pergunta bem ampla: podemos viajar para o país inteiro e teremos milhares de respostas diferentes. Pão de queijo, cuscuz, broa de milho, tapioca, a lista começa por esses clássicos que as pessoas gostam de acompanhar com café, mas podemos considerar também as frutas regionais e as distintas maneiras de como fazer café, entre outros aspectos. O que une tudo isso em uma mesa é o nosso onipresente cafezinho.

Há cafeterias que exploram bem as possibilidades do tema e se utilizam dele no marketing e como filosofia em seu cardápio e serviço. São estabelecimentos que deixam a região em que estão permear seus conceitos, muitas vezes de forma natural.

Entrevistamos Caroline Alves, proprietária do Torradela Café, localizado em Belém do Pará, uma das cafeterias mais especializadas na sua região. Caroline conta que se apoia no tema de brasilidade, além de trabalhar a força da mulher dentro do mercado de cafés.

Para ela, para apresentar a brasilidade na cafeteria devemos procurar trabalhar o “Ser Brasileiro” dentro do nosso serviço, representar a cultura, tradições e valores brasileiros no negócio para conseguir passar a mensagem correta. Pois não é apenas o café ou apenas um aspecto específico que irão conseguir passar adiante esses valores.

Em Manaus, no estado do Amazonas, um exemplo é a cafeteria de cafés especiais Aquele Café. O barista e porta-voz da casa, Bruno Dantas, nos deixa uma frase chave para o tema: “Acredito que a brasilidade existe dentro de um contexto regional em um país gigante como o Brasil. O que é brasilidade aqui no Amazonas talvez não seja em São Paulo”.

Como abordar a brasilidade na cafeteria?

Caroline nos fala que trabalhar com utensílios para preparo de café desenvolvidos no Brasil, como o método Koar, filtros de papel ou pano com elementos que traduzem a cultura local já são um ótimo começo. 

Outro ponto muito importante é a linguagem falada com o público: nomes de estabelecimentos fáceis de pronunciar e dentro do nosso idioma também são uma forma de valorização. 

Bruno que é formado em publicidade, com experiência na área, acredita que precisamos de mais comunicação. “Nosso país é continental, e há coisas que ainda não estão na visão do público, tais como os cafés sendo cultivados na Amazônia e em montanhas do Nordeste.”

pao de queijo brasilidade

Além do café

O Brasil não se resume a comidas e bebidas. Temos arte, música, costumes, vocabulários que vão refletir nesse tema e que se traduzem em representações culturais. A inspiração para mostrar a brasilidade na cafeteria pode ser encontrada em todos os cantos. 

Para Gabriel Diniz Althoff, proprietário do Café do Brejo em Recife, não podemos nos restringir aos cafés e comidas. “Temos que ser amplos, pois a cultura brasileira se define além da gastronomia e abraça a arte e a música. Isso se reflete na decoração do estabelecimento e no som ambiente.”

O Brasil também é conhecido pela sua enorme variedade de receitas, frutos e ingredientes, além de pratos que variam de acordo com o Estado ou até mesmo cidade.

Bruno é do Amazonas e comenta que trazer os aspectos locais é essencial. “O amazonense não existe sem seus hábitos culturais. E posso te dizer com experiência que o paraense é ainda mais orgulhoso e adepto do que é seu, se é que é possível.”

“Talvez São Paulo, mais cosmopolita, consiga sobreviver com cardápios e abordagens mais ‘amplas’, mas não ouse tirar do cardápio o X-Caboquinho do amazonense. X-Caboquinho é um sanduíche de tucumã, queijo coalho e banana pacovã madura frita. Existe na versão tapioca. E, no nosso caso, fizemos uma releitura: tostada de patê de tucumã, geleia de cupuaçu e queijo coalho maçaricado. E é um campeão de vendas.”

Em Belém, no Pará, o turismo gastronômico é incrível e exuberante. Por lá, assim como em todo Brasil, existem muitos elementos a serem trabalhados junto com o café. Perguntamos para Caroline, para além de comidas e bebidas, como ela trabalha o aspecto da sua região.  

“Na minha cafeteria, eu constantemente utilizo obras de artistas paraenses como parte da decoração. São fotografias ou pinturas que refletem nossa cultura. O muro lateral é pintado por uma grafiteira local, ressaltando elementos paraenses.”

A ideia não é causar muito ou pouco impacto, mas deixar a marca na sociedade que podemos mesclar vários elementos sem perder as raízes e ainda assim manter a qualidade do que é servido. 

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toque brasileiro na cafeteria

Brasil e Brazil

Nossa infame “síndrome de vira lata” nos impede de desenvolver uma identidade própria? O quanto ela nos atrapalha? Quais são os desafios ao servir clientes que estão acostumados com tendências “americanizadas” ou velhos costumes europeus?

Há cafeterias que optam por ter um cardápio mais nacional e valorizar o produto local, mas sabemos que alguns itens parecem ser mandatórios.

“Aqui na cafeteria optamos por um cardápio mais artesanal, autoral. Porém é de se perder as contas quantos clientes chegam diariamente buscando o croissant e achando a coisa mais estranha do mundo quando não encontram o produto. ‘Como assim? uma cafeteria que não serve croissant?’”, conta Caroline. 

Então respondendo à pergunta, atrapalha sim. Esse complexo está enraizado quase de forma estrutural. Mas acredito que aos poucos estamos evoluindo e percebendo o quão rico nós somos”, diz. 

No café Torradela, em Belém, ela explica que há dois aspectos: além do tal complexo em relação à cultura internacional, existe ainda o complexo interno entre regiões. Uma região dominante impõe usos e costumes como se fosse uma verdade absoluta, e as demais seguem a tendência, imaginando que caso não sigam estão fora do mercado. 

“São Paulo é um estado referência quando tratamos de cafeterias, os modelos do estado acabaram virando o padrão para o país. A expectativa de encaixe em modelos paulistanos atrapalha a livre expressão de estabelecimentos de outros lugares que querem explorar os costumes regionais.”

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cafeteria autêntica brasileira

Cultural, social e econômico. Brasilidade na cafeteria envolve tudo

Há coisas que andam juntas: não podemos deixar de considerar os impactos que podemos obter a partir de uma valorização maior do que é nosso, que se for aplicada de forma correta gera união e pertencimento.

A cultura se forma juntando inúmeros hábitos individuais e constâncias que se cristalizam no cotidiano de uma população. Seja ler um livro, tomar café, ouvir música, dançar e muitas mais. 

Para Caroline, a cultura é algo a ser valorizado e perpetuado entre gerações. “Quanto mais as empresas mantêm elementos culturais brasileiros em seus valores, mais aquela cultura se mantém viva e é passada para frente.”

Bruno realça o aspecto de pertencimento que isso pode gerar. “Colocar em evidência o café brasileiro e as pessoas que fazem esse café ser o que é tem um impacto muito grande no senso de pertencimento e de valorização da cultura brasileira.”

“Valorizar o produtor local, seja de café ou de itens regionais têm um impacto econômico e social absurdo. Conseguir colocar no hábito dos clientes a compra de um café produzido com carinho por uma família brasileira e não de uma multinacional ou entregar na mesa um prato que usa 100% itens locais faz a economia e o desenvolvimento regional girarem.”

arte brasileira cafeteria

Incluir a brasilidade no conceito de uma cafeteria requer um percurso. Para que os produtos e a cultura brasileira estejam presentes e sejam valorizados, primeiro precisamos entender a potência e a beleza do nosso país. 

Esse orgulho brasileiro pode ser encontrado por meio da busca de uma expressão pessoal, regional e nacional sem preconceitos. Nossa diversidade, resultado de uma miscigenação cultural incrível, nos une e nos torna únicos. Por que não usar esse terreno fértil como inspiração para a cafeteria? Isso pode acontecer no cardápio, na ambientação e na experiência dos clientes. 

Nas palavras de Gabriel, podemos ver que é mais fácil do que imaginamos. “Acreditar no nosso potencial é a nossa melhor arma.”

Créditos: Divulgação Café com Dengo (destaque); Divulgação Torradela Café (Caroline Alves); Aquele Café (Bruno Dantas; Divulgação Café do Brejo (Gabriel Diniz).

PDG Brasil

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