O que é o corpo do café?
Sabor, aroma, acidez, adstringência e corpo são alguns dos termos frequentemente utilizados para descrever os atributos do café numa degustação. Porém um desses atributos sempre causa uma certa confusão não apenas entre os não iniciados mas também nos experts. É o corpo do café.
É um termo tão incerto que não consta sua descrição exata nos protocolos. Para explicar melhor o que é esse atributo e como percebê-lo, o PDG Brasil conversou com a Dra. Maria Brígida Scholz, com vasta experiência com café e ex-pesquisadora do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR).
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A definição do conceito de “corpo do café”
De acordo com a Specialty Coffee Association (SCA), o corpo do café se refere à sensação do toque ou textura do café na boca, quase como sendo o peso que o café tem sobre a língua, devido à presença de alguns coloides e açúcares na bebida.
Mas não é tão simples assim.
Mesmo entre experts e degustadores profissionais de café é possível encontrar uma diversidade muito grande de termos utilizados para descrever o corpo, por exemplo, viscoso, denso, xarope etc. Em um artigo da SCA são descritos 34 termos relativos ao conceito de “corpo”.
A Dra. Maria Brígida acrescenta ainda que uma bebida com corpo pode ser “lisa”, com maior permanência dos outros atributos. Por outro lado, a falta de corpo remete a uma bebida aguada e “rala”, com desaparecimento rápido das demais sensações.

Como perceber?
O protocolo da SCA estabelece quatro passos para a avaliação sensorial de cafés. Em cada passo são avaliados um ou vários atributos, e o sistema foi baseado nas mudanças na percepção de sabor do café à medida que esfria.
Por exemplo, o aroma é o primeiro passo da avaliação, quando o café, após 15 minutos da moagem, ainda em pó é avaliado; e após infusão. O corpo é avaliado no segundo passo, assim como sabor, acidez e gosto residual, quando a amostra atinge cerca de 70°C (entre 8 a 10 minutos após a infusão).
Esses atributos são avaliados aspirando o café para o interior da boca de modo que cubra a maior área possível, especialmente da língua e do palato superior. No passo seguinte, conforme a bebida se aproxima da temperatura ambiente, a doçura e a uniformidade da bebida são avaliadas e, por fim, no passo quatro, é determinada uma nota geral baseada em todos os atributos avaliados anteriormente.

A torra e o corpo
Muitos profissionais relatam que o grau de torra (clara, média ou escura), assim como o desenvolvimento da torra (tempo para atingir a cor de torra) são fatores que influenciam diretamente o corpo da bebida.
“Compostos do grão verde sofrem reações durante a torra e os compostos resultantes formam o corpo da bebida”, diz Maria Brígida. A pesquisadora acrescenta que estudos têm mostrado que galactomananas e arabinogalactananas poderiam estar associadas ao corpo da bebida. Estes compostos são afetados pela torra devido à ocorrência de diversas reações (despolimerização, desramificação, desidratação, isomerização e polimerização).
Mas a relação entre torra e corpo não é linear.
Há um senso comum de que a intensidade do corpo do café descreve uma rampa (uma parábola com concavidade voltada para baixo, “U invertido”) conforme a torra: é mínima com a torra clara e vai aumentando até atingir seu máximo na torra média, e depois começa a diminuir novamente.
Outra alternativa para se obter bebidas mais encorpadas seria aumentar o desenvolvimento da torra, isto é, uma torra mais lenta, com maior tempo para atingir a cor de torra desejada.
Porém, o efeito do tempo (desenvolvimento) da torra no corpo do café ainda não foi corroborado em estudos científicos.
E, ao contrário do esperado, em estudo onde se comparou a viscosidade (medida com viscosímetro) e corpo (avaliado sensorialmente), a viscosidade da bebida também revelou um padrão em forma de U-invertido, da mesma forma que o grau de torra.

Pós-colheita e o corpo
Pesquisas indicam que cafés processados de forma natural resultam em bebidas mais encorpadas. Por outro lado, os grãos processados por via úmida conferem uma bebida com menor intensidade de corpo.
Dra. Maria Brígida diz que tudo isso ocorre pois os processamentos de pós-colheita influenciam a composição química do grão verde. Ou seja, tanto a quantidade como o tipo de certos compostos presentes no grão verde afetam significativamente a percepção do corpo da bebida.

Os compostos que conferem corpo
Até o ano passado (2021), não havia uma correspondência exata entre os componentes do café, por exemplo, sólidos solúveis, fibras, melanoidinas, lipídeos etc. e o corpo da bebida. Mas há alguns indicativos nesse sentido.
Sólidos solúveis, por exemplo, já foram apontados como correspondentes direto do corpo. Os lipídeos são associados ao corpo da bebida, pois aumentam a viscosidade e reduzem a densidade da bebida. Por exemplo, o café tem uma densidade um pouco maior que a da água, porém uma viscosidade consideravelmente superior devido ao total de sólidos e à presença de lipídeos, especialmente em cafés espressos.
A temperatura da água para preparar o café tem um papel importante em atributos como o corpo e a sensação bucal. Quanto maior a temperatura, maior é a energia das moléculas da água, portanto, maior é a capacidade de extrair os compostos do pó de café.
Além disso, a viscosidade da água depende da temperatura, e é reduzida em temperaturas mais altas. Isso significa que uma menor viscosidade da água facilita a sua penetração entre as partículas do pó e nos espaços intracelulares para solubilizar seus componentes.
Isso explica por que a quantidade de lipídeos em bebidas extraídas numa temperatura maior é superior do que em bebidas extraídas com água numa temperatura menor, mesmo os lipídeos sendo insolúveis em água.

Pesquisadores apontam os compostos responsáveis pelo corpo do café
O corpo na bebida de café é pouco entendido tanto do ponto de vista sensorial como dos compostos envolvidos, e continuava sendo um grande desafio entender esse importante atributo.
Até que, em um evento da American Chemical Society (ACS Fall) em 2021, pesquisadores da Universidade de Ohio (EUA) demonstraram que as melanoidinas, os ácidos clorogênicos 3-ACQ e 4-ACQ, e algumas moléculas contendo aminoácidos são responsáveis pelo corpo do café.
Interessante destacar que a percepção do corpo é mais intensa quando esses compostos estão presentes em pequenas concentrações. Os pesquisadores disseram que é bastante incomum que um atributo seja percebido em pequenas concentrações, mas não em altas quantidades.

Agora, os pesquisadores estão interessados em descobrir se temos receptores específicos na boca que detectam essas moléculas.
E nós, apreciadores e profissionais do mercado, aguardamos as próximas pesquisas para entender melhor esse atributo tão instigante e apreciar com mais conhecimento o nosso café.
Créditos: Amelia Hallsworth (destaque/espresso); Jordan Merrick (espresso 1), Specialty Coffee Association (SCA – cupping), Tim Mossholder (torra), Dang Cong (frutos de café secando), Alex Giroux (espresso 2); Michael Burrows (cafés filtrados).
PDG Brasil
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