Guia básico de como preparar a lavoura para a colheita
Uma das fases mais importantes no gerenciamento das atividades de um cafezal é a que antecede o início da colheita. É no período pré-colheita que se define a previsão de volume de rendimento dos grãos e estrutura-se os detalhes logísticos demandados pela operação, da coleta ao beneficiamento. Então como preparar a lavoura para a colheita?
Assim que os grãos começam a mudar de coloração, o que aponta o início do processo de maturação, é hora de estruturar todas as etapas que devem se seguir para garantir o êxito do resultado final da colheita: alta qualidade e em grandes volumes. No Brasil, o período de colheitas de café acontece de abril a setembro, mas há regiões com colheitas um pouco tardias, como a região do Caparaó, onde o café é colhido de maio a dezembro.
Para auxiliar os produtores, as produtoras e trabalhadores de cafezais na preparação para esta etapa, o PDG Brasil criou um guia com 15 dicas de processos e cuidados para se atentar neste período, com o auxílio de três especialistas na cafeicultura de cafés especiais: Kleso Silva Franco Junior, coordenador técnico regional do Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais) da Unidade Regional de Alfenas; Dr. e Prof. Lucas Louzada Pereira, do Núcleo em Excelência de Pesquisa do café da IFES (Instituto Federal do Espírito Santo); Luiz Paulo Dias Pereira Filho, produtor de cafés especiais em Carmo de Minas (MG), e sócio-fundador da CarmoCoffees.
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Contexto das lavouras no Brasil hoje
As mudanças climáticas que causaram a quebra de safra em 2021 devido à estiagem, à seca e às geadas geraram consequências impactantes no planejamento da colheita 2022 para os produtores de café em geral. Segundo boletins da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), houve a necessidade de submeter muitos cafezais a podas de renovação, e muitos foram erradicados. Esses fatores, associados à inflação nacional crescente e à crise econômica e de logística de transportes em nível mundial, por decorrência da Covid-19, fazem com que as expectativas quanto ao sucesso da colheita de 2022 sejam altíssimas.
Para atingir tal resultado favorável, é imprescindível o correto manejo das lavouras e um planejamento logístico e produtivo, eficaz. “Com a colheita realizada de forma correta e a regulagem ideal dos equipamentos de beneficiamento, o produtor pode aumentar o rendimento de seus cafés e reduzir o número de catação, e consequentemente, melhorar sua renda na comercialização”, acredita Lucas.
Luiz Paulo alerta que, se o planejamento das etapas de colheita não for eficaz, o produtor corre o risco de ser obrigado a arcar com gastos extraordinários. “Sendo preciso pegar empréstimos ou negociar sacas do café abaixo do preço considerado ideal”, conta.
Para evitar esses tropeços, o PDG Brasil criou um Guia de Como Preparar a Lavoura para a Colheita, com 15 dicas de especialistas. Veja a seguir.

Guia do PDG Brasil de Como Preparar a Lavoura para a Colheita
Dica 1 – Calcular o ponto ideal de início da colheita
O momento ideal para dar início à colheita deve ser definido levando em consideração alguns fatores: percentual de grãos verdes, volume da safra, estrutura de secagem, disponibilidade de mão-de-obra e qualidade de bebida que se quer obter.
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Lucas recomenda que sejam realizados estudos prévios dos talhões para se estimar o volume de café em cada gleba, seguido do potencial de cada área, “para traçar de forma coerente quais são as melhores alternativas de aplicação de processos de fermentação na fase de pós-colheita”.
Dica 2 – Decidir entre colheita seletiva ou plena
A colheita seletiva, seja manual ou mecânica, implica em extrair uma maior porcentagem de frutos cereja no ponto de maturação desejado, o que resulta em qualidade e valor mais alto para a venda dos grãos de café. Apesar de esse processo gerar mais custos ao produtor, a colheita seletiva é associada no mercado de especialidade à qualidade superior dos grãos.
Os frutos do café maturam em diferentes estágios na mesma safra, com variações em teor de umidade, composição química e anatomia, o que influencia diretamente nas estratégias para o pós-colheita. Frutos verdes demandam maior tempo de secagem, e equivalem a maior custo e perda de qualidade.
O sistema de colheita plena deve ser iniciado quando houver o máximo de grãos cerejas no ponto de colheita. A porcentagem ideal de frutos verdes, na coleta plena, não deve ultrapassar 30% do total. Quando a coleta é seletiva, a amostragem de grãos verdes pode ser maior, pois a catação é apenas de frutos maduros, e dividida por etapas.

Dica 3 – Dividir a lavoura em talhões por pontos de maturação dos frutos
“Avaliar a maturação dos frutos por cultivares, talhões e etc. é um aspecto muito importante do planejamento, pois reflete diretamente na qualidade final”, diz Kleso. A avaliação do grau de maturação do café em cada gleba ou talhão é uma técnica que auxilia o produtor a definir com melhor precisão e clareza quando e por qual área deve-se iniciar a colheita.
“Os produtores devem realizar uma avaliação estrutural das unidades produtivas, ou seja, definir quais processos e métodos de pós-colheita deverão ser aplicados em função de seus talhões, visando otimizar o tempo e o espaço de processamento/secagem dos cafés”, orienta Lucas.
Dica 4 – Fazer a estimativa da safra para a programação da operação
“Ter uma estimativa de safra faz com que o produtor possa mensurar de forma mais assertiva sua capacidade de processamentos, e onde é preciso empregar mais trabalho e recursos”, diz Luiz Paulo. Se a previsão de volume da colheita for maior, pode ser preciso construir mais terreiros, adquirir mais maquinários e material, além de contratar mão-de-obra adicional, por exemplo. Kleso alerta que colheitas manuais e colheitas mecânicas implicam em métricas diferentes quanto ao planejamento das operações da safra.
Na colheita manual, deve-se definir primeiramente quantos trabalhadores estarão envolvidos na colheita, antes de calcular o prazo de duração do processo, por exemplo. “É fundamental dimensionar esse volume diário também em associação com a capacidade de processamento (terreiro, lavador, despolpador e secador) disponível”, diz Kleso.
Existem fórmulas disponíveis para auxiliar o produtor a conduzir os cálculos para definir o dimensionamento do volume de café a ser colhido (litros), a duração aproximada da colheita e quais recursos devem ser empregados em determinados cenários.
Dica 5 – Limpar a zona dos cafeeiros com rigor
Consiste em fazer, quando necessário, uma limpeza próxima ou sob a saia do cafeeiro com rastelo ou rodo de madeira, arruadores ou sopradores mecânicos. Deve-se evitar remover terra em excesso para não danificar as raízes do cafeeiro. Há casos em que são feitas aplicações de herbicidas na rebrota do mato após ter sido cortado com roçadeira tratorizada ou manual.
Kleso recomenda aos produtores que realizem a operação de arruação, seja ela química ou mecânica, quando o processo de colheita gere a necessidade de varrição. A arruação livra os cafezais de plantas daninhas, galhos, folhas e outros elementos indesejados, e assim facilita a colheita do café por “abrir espaço” aos frutos sadios que podem cair durante a catação, ou naturalmente. A zona limpa para os cafés novos evita contaminações e facilidade o controle de qualidade durante a colheita.

Dica 6 – Limpar as estruturas de pós-colheita
É essencial realizar a limpeza e a manutenção se necessário das moegas, lavador, separador de frutos verdes, elevadores, despolpador, secador e tulhas. As impurezas e resíduos contidos nesses maquinários podem ser de natureza contaminante, diz Kleson. “É importante que se faça uma varrição e lavagens que retirem as impurezas do outro ano.”
Os produtores devem realizar a limpeza e a manutenção dos equipamentos de pós-colheita sempre ao final da safra e sempre no início da safra, diz Lucas, pois essa iniciativa aumenta a vida útil do equipamento e evita contaminações nos novos lotes, “principalmente no fosso dos elevadores nas áreas de processamento e pós-colheita”. Cafés da safra anterior podem conter resíduos, como fungos e microrganismos, e interferem na qualidade do café da nova safra, explica Kleso.
Dica 7 – Inspeção e reparos nas estruturas do terreiro
O ideal é que o terreiro seja rigorosamente inspecionado no pré-colheita para identificar problemas estruturais que demandam reparos, como “rachaduras, ‘trincas’ e outras questões”, diz Kleso.
A negligência quanto a esses reparos pode causar a retenção de grãos em locais inapropriados, “escondidos” pelas trincas, o que pode contaminar os novos lotes.
Se forem utilizados terreiros suspensos, deve-se ficar atento à umidade excessiva na estrutura e nas telas, diz Luiz Paulo. Quanto a terreiros de cimento, também é importante se atentar quanto ao esfarelamento excessivo.
Dica 8 – Manutenção dos maquinários de campo
Lucas alerta que os produtores não devem deixar para o decorrer da safra a manutenção das colheitadeiras ou equipamentos auxiliares, como derriçadeiras, lavadores, separadores e descascadores de grãos.
Falta de planejamento quanto ao estado apropriado dos maquinários gera prejuízos a toda a operação, principalmente pois a equipe de trabalho fica ociosa até que os reparos sejam concluídos, diz Luiz Paulo.

Dica 9 – Limpeza e estruturação do material usado na colheita
É preciso se certificar de que o material necessário para a colheita esteja adequado e higienizado. Panos para a colheita, peneiras e sacarias para grãos devem estar funcionais e limpos.
Depois de ser feito o cálculo quanto ao número aproximado de itens que deverão ser usados (depois do planejamento de colheita), é importante separar itens a mais, caso haja imprevistos.
Dica 10 – Higienizar e inspecionar maquinário
Tulhas, lavador-separador, terreiro e secador devem ser rigorosamente inspecionados. Importante não armazenar com o café outros produtos agrícolas e insumos, diz Kleso, pois o café é um alimento perecível e que absorve facilmente odores ambientais.
O terreiro deve estar limpo, estruturado e designado exclusivamente para a secagem do café, para evitar contaminações.
Dica 11 – Manutenção das unidades de secagem, seja solar ou mecânica
Com o advento da colheita, os produtores precisam se organizar para realizar as manutenções adequadas em estufas ou secadores cobertos com lonas, diz Lucas. “Não se deve esquecer da limpeza da carambola e do rolo de secagem”, alerta ele.
As unidades onde ficam as lâminas de secagem devem ser desinfetadas, e o plástico de cobertura das unidades de fermentação devidamente lavados, para aumentar os níveis de radiação solar no sistema, explica Lucas.

Dica 12 – Contratação da mão-de-obra de acordo com as leis trabalhistas
Luiz Paulo alerta que as leis trabalhistas mudaram bastante com o passar dos anos, e oferecer as condições de trabalho adequadas e garantir a segurança constante dos trabalhadores é essencial. Ele aconselha que sempre se monitore com atenção o limite de turnos e horas, se as estruturas são adequadas para a quantidade de trabalhadores, e que se aplique com rigor a prática do uso de equipamentos de proteção individual.
Dica 13 – Pré-definir o processamento de acordo com tendências de mercado
Conhecer o mercado de cafés especiais e as tendências das demandas em voga pelos compradores é essencial para definir quais as variedades de processos serão conduzidos no pós-colheita. “Cada escolha impacta diretamente na forma como o café será comercializado”, diz Luiz Paulo.
Lucas recomenda que o produtor conduza o máximo de processos possíveis para garantir diversidade de ofertas sensoriais do café, mas sempre com a ajuda de especialistas, e sem onerar o andamento das manutenções rotineiras do cafezal. Definidos os processos, o produtor pode então investir na infraestrutura necessária, e contemplar os custos no planejamento geral para evitar surpresas desagradáveis. Lucas sugere que os produtores dêem preferência a lavouras de cafés tardios para se dedicarem a processamentos compatíveis com concursos de qualidade.
Dica 14 – Se preparar para imprevistos e antecipações por fatores climáticos
Quando há expectativa de pouca chuva, pode ocorrer o estímulo de antecipação da próxima safra. Para evitar a antecipação da maturação dos frutos, e os colher com a qualidade desejada, o ideal é que o produtor prepare o maquinário para atuar antecipadamente se preciso. O prognóstico climático é possível por meio do acompanhamento de boletins de agrometeorologia divulgados por órgãos oficiais, como EPAMIG e a Embrapa Café
Para se preparar para uma operação antecipada, deve-se certificar que o funcionamento dos motores, a lubrificação e o engraxamento de derriçadeiras, e de todos os equipamentos utilizados no processamento do café esteja apropriada. Disponibilizar antecipadamente materiais de colheita como panos, sacarias, peneiras, lonas, barbantes, rodos, garrafas térmicas, entre outros, é uma ação preventiva simples e importante.
Dica 15 – Caso seja necessário, utilizar maturadores
Caso a propriedade tenha que fazer ajustes no seu planejamento de colheita, como o escalonamento do volume da colheita, o uso de reguladores de maturação pode ser uma alternativa para viabilizar a operação em tempo hábil, diz Kleso.

A colheita é um dos períodos mais importantes de toda a safra do café. Por isso, é essencial se planejar e não deixar para fazer as tarefas de pré-colheita para a última hora.
Ao se planejar com o auxílio de técnicos e controle de dados, os cafeicultores e as cafeicultoras certamente poderão ter uma colheita tranquila e bastante frutífera nos próximos meses.
Créditos: Divulgação Carmo Coffees (frutos do café/destaque, cafezais e trabalhador Rodrigo com peneira); Divulgação Embrapa (terreiros).
PDG Brasil
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