30 de março de 2022

Explorando a conexão do café com a cannabis medicinal em projetos sociais

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Um barista viu a vida mudar por conta de uma doença degenerativa e incurável do pai. Com a situação se agravando ao longo dos anos, ele encontrou na terapia canábica uma alternativa para melhorar a qualidade de vida de todos os afetados pelo drama familiar.

Venha conhecer com o PDG Brasil a trajetória do profissional que se encontrou como ativista e ressignificou a jornada no café para difundir a causa e promover a associação Curando Ivo. Assista a seguir o vídeo que repercutiu na internet e descubra os desdobramentos dessa história.

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Um catarinense em Goiás

Filipe Barsan Suzin, de 31 anos, é natural da cidade de Concórdia, em Santa Catarina. Aos sete, mudou-se com os pais e o irmão mais velho para a capital de Goiás em busca de uma vida melhor. Em Goiânia, a família abriu uma transportadora, que se mostrou bem-sucedida. Com os negócios indo bem, o catarinense, que era apaixonado por computadores, teve uma infância confortável e tranquila.

Ao entrar na vida adulta, Suzin entrou para a faculdade de arquitetura e cursou até o oitavo período da graduação. “Não conseguia mais me enxergar nesse meio. Não compreendia muito o propósito do que eu estava fazendo”, contou o jovem em entrevista exclusiva para o PDG Brasil. Depois disso, ele acabou conhecendo o mundo do café em meados de 2013.

O ex-aspirante a arquiteto viu tudo mudar ao ganhar da mãe um curso de barista iniciante no Coffee Lab, em São Paulo. Encantado com os diversos elementos da área, principalmente o trabalho dos produtores de café, ele decidiu se qualificar ainda mais. Entre os diversos módulos e vivências, Filipe teve aulas com professores de peso, como Ivan Laranjeira Petrich. Motivado com a nova carreira, ele decidiu abrir a primeira cafeteria de café especial de Goiânia.

café e maconha

A descoberta da doença

O barista e mestre de torra recém-formado planejava a abertura do novo negócio quando sofreu mais uma reviravolta do destino. O patriarca da família Barsan Suzin foi diagnosticado com Alzheimer aos 52 anos de idade. Os primeiros sintomas da doença surgiram por volta de 2011, e o caso acabou confirmado dois anos mais tarde. Com novas prioridades, o projeto da cafeteria foi suspenso.

O rapaz direcionou os recursos financeiros que tinha para a mudança para uma casa mais adaptada. Mesmo sem nenhum histórico familiar prévio, o quadro de saúde do Seu Ivo atingiu o estágio mais grave em apenas cinco anos. “Meu pai fazia tratamento alopático e vivia dopado. A gente falava que ele estava em um estado vegetativo andando”, relembrou Filipe.

café e maconha

Retorno ao mundo do café

Apesar de toda a situação, Suzin, que já estava trabalhando com eventos gastronômicos, decidiu retomar a carreira no café em 2017, quando começou a participar de imersões em fazendas produtoras. Ao lado de Décio de Mendonça, criou o Gratidão Café. A ideia da dupla era visitar mais de 70 cidades do Brasil em um período de seis meses com uma torrefação móvel engatada em um carro.

Diante das dificuldades encontradas durante a expedição, o tour criado para promover a cultura do café especial acabou encurtado para apenas dois meses. Com o revés no projeto, os sócios voltaram para casa e abriram uma unidade física da cafeteira em uma galeria, que era considerada o primeiro shopping de Goiânia. 

Enquanto os negócios prosperavam, Filipe convivia com uma realidade cada vez mais complicada em casa. “Eu tentei levar o café junto, toda hora que precisava, saía correndo do café para ajudar minha mãe a dar banho no meu pai. Isso estava pesando muito”, lamentou o então empreendedor. Para ele, o Alzheimer provoca um sofrimento silencioso tanto para o paciente quanto para os familiares e responsáveis pelos cuidados.

curando ivo

Cannabis medicinal e vídeo viral

Sem muitas perspectivas de melhora do quadro de saúde, Suzin apostou na terapia canábica como a última alternativa para oferecer uma qualidade de vida melhor para o Seu Ivo, que apresentava comportamento violento e agressivo. O rapaz começou a sugerir o tratamento com maconha medicinal em 2013. Porém, a sugestão só foi aceita pela mãe cinco anos depois, quando a situação já estava ficando insustentável.

Com a intenção de produzir um documentário, o profissional do café começou a registrar os efeitos dos derivados da cannabis no comportamento do pai. “Queria provar para as pessoas que duvidaram da eficácia que elas estavam erradas”, relembrou. O uso foi prescrito por um médico, e o fitoterápico foi conseguido por meio de uma associação.

Em abril de 2019, feliz com a evolução, o jovem compartilhou, também como forma de desabafo, um vídeo que mostrava os resultados parciais da administração do extrato para o ex-empresário. O material viralizou nas redes sociais e causou uma grande comoção nacional. 

As proporções foram tão grandes, que ele passou a ser convidado pelos principais veículos de comunicação do país para entrevistas, além de ser procurado por pessoas que convivem com dramas semelhantes envolvendo parentes doentes. 

maconha como remédio

Estudos no Brasil e no mundo

A maconha possui um grande potencial terapêutico, que permite uma série de aplicações. As primeiras publicações com o termo “cannabis” em revistas médicas surgiram nos anos 1960, apresentando um boom até a década seguinte. Porém, o interesse pelo assunto acabou reduzido após a política de combate às drogas do presidente dos EUA Richard Nixon.

Os estudos sobre os efeitos terapêuticos da planta voltaram a atrair o interesse dos pesquisadores no fim da década de 1990, quando o sistema endocanabinóide foi descoberto. No Brasil, o primeiro ensaio clínico sobre o tratamento da epilepsia com canabidiol, uma das inúmeras moléculas presentes na maconha, foi realizado em 1980 pelo Prof. Dr. Elisaldo Carlini, considerado um pioneiro e uma referência mundial em estudos farmacológicos.

Já o movimento de mudança na legislação brasileira e da opinião pública sobre o uso medicinal se iniciou em 2013 com a divulgação do caso da menina Charlotte Figi. Portadora de síndrome de Dravet, a criança sofria de um quadro severo de epilepsia resistente aos medicamentos e apresentou uma melhora considerável com o extrato de cannabis enriquecido com canabidiol.

cannabis medicinal

Segundo o Dr. Renato Filev, neurocientista formado pela Unifesp, “os compostos da maconha atuam em diversos sistemas do corpo humano, mas é o endocanabinóide que permite essa amplitude de possibilidades de tratamento”. Os mensageiros e receptores estão espalhados pelos tecidos do organismo “desempenhando papéis funcionais, fisiológicos, metabólicos, psicológicos e patológicos”.

Os canabinóides têm a função de modular a comunicação celular. Por conta disso, os médicos precisam traçar uma estratégia terapêutica considerando os princípios ativos utilizados, como o THC e o CBD, e as concentrações adequadas para atingir os benefícios terapêuticos. Além das moléculas, o método de administração também é uma variável importante na prescrição do tratamento.

cannabis medicinal

Do café ao ativismo

Ao perceber a dimensão da repercussão do caso do Seu Ivo, Filipe Suzin encontrou um propósito na causa. Contando com o apoio e o suporte financeiro da família, que segue com a transportadora, ele encerrou as atividades do Gratidão Café para se dedicar ao ativismo canábico. Inspirado pela ajuda que teve no tratamento do pai, o rapaz decidiu fundar a associação Curando Ivo.

Essas entidades cumprem um importante papel no Brasil, pois as terapias com cannabis apresentam uma série de barreiras. A falta de informação e de capacitação afeta a procura e a disponibilidade de médicos prescritores. Já as vias de acesso aos canabinóides são limitadas.

Pacientes com recursos financeiros conseguem importar ou comprar os medicamentos em farmácias a um custo elevado. Também é possível obter autorização judicial para o cultivo e o beneficiamento caseiro da maconha, que exige um investimento inicial considerável. Já o fornecimento de extrato produzido pelas associações acaba sendo uma alternativa mais econômica.

café e cannabis

A associação Curando Ivo

“A gente almeja a produção do remédio. Para isso, precisamos cultivar a planta, ter laboratório. Por isso, estamos estruturando bem minuciosamente a associação Curando Ivo. Queremos ter todos os processos, desde atender o paciente, fazer o acompanhamento e fornecer os canabinóides”, revelou Suzin, que montou uma rede de apoio para seguir com os planos.

Entre os apoiadores há médicos, farmacêuticos e instituições de pesquisa, como a Universidade Federal de Goiás, a UFG. A entidade também recebeu uma doação de um lote com 10 mil m² para a produção de derivados de maconha sem fins lucrativos. 

Para angariar recursos, Filipe teve a ideia de produzir pacotes de café especial torrado com a marca da associação a partir de sacas de grão verde que haviam sobrado do Gratidão Café. Com insumos e mão-de-obra próprios, ele passou a reverter 100% do valor das vendas para o Curando Ivo.

A iniciativa rendeu ainda mais parceiros que decidiram doar café para o projeto, como o Bruno Souza, da Academia do Café, e produtores de Piatã, na Bahia. A associação ainda conta com o apoio do Subverso Café, que cede o próprio espaço para a realização das torras e das vendas dos produtos, cujo catálogo inclui canecas, camisetas e pôsteres.

Co-fundador da entidade, Antonio Rocha Lemes Neto, que foi barista da antiga cafeteria de Filipe, não titubeou em oferecer o próprio estabelecimento para realizar as ações comerciais e assumir os custos operacionais. A mulher de Antonio também é voluntária do Curando Ivo como médica prescritora da terapia canábica. “A maioria dos meus clientes apoia e procura as mercadorias da associação”, revelou Neto.

cannabis medicinal

Planos para o futuro

A associação Curando Ivo tem como lema a frase “não espere precisar para apoiar”. A ideia é levar informação para a sociedade sobre as terapias com cannabis e buscar apoio popular em favor da causa. Com isso, Suzin entende que o café e o ativismo podem andar juntos, já que a cadeia envolve indivíduos de diferentes realidades.

Em breve, o projeto deve ganhar um e-commerce que permitirá que pessoas do Brasil e do mundo apoiem e comprem os pacotes de café, além dos outros produtos em prol da entidade. Filipe também planeja parcerias com cafeterias de diferentes estados que acreditam na proposta e ajudem a divulgar o movimento e promover o debate sobre a cannabis medicinal.

curando ivo café

No fim da entrevista, o barista e ativista fez questão de relembrar o caso do Seu Ivo. “Até hoje a gente se emociona, porque foi uma mudança muito grande. Antes meu pai não aceitava se alimentar direito, sentar, dormir e tomar banho, Ele apresentava alterações bruscas de humor com muita agressividade. Hoje, ele está o tempo inteiro sorrindo, dançando e realizando as atividades do dia a dia com mais leveza”, comemorou Suzin.

Créditos: Acervo pessoal dos entrevistados, Antonio Rocha Lemes Neto, Divulgação da Associação Curando Ivo, Filipe Barsan Suzin e José Pinheiro Junior. 

PDG Brasil

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