Oportunidades e desafios do uso da tecnologia na produção de café
É incômodo e desafiador o pensamento de alimentar um planeta que em breve terá 10 bilhões de pessoas. A pressão para produzir mais, com qualidade e sustentabilidade em um ambiente cada dia mais complexo, seja devido às mudanças climáticas, novas exigências ou mesmo fatores de proteção ambiental, faz com que a velocidade, eficiência e escalabilidade sejam fatores relevantes e constantes na pauta atual.
No Brasil, devido à sua vasta extensão territorial e limitada infraestrutura tecnológica, estima-se que 70% das cinco milhões de propriedades rurais ainda não possuam conexão apropriada com a internet. Podemos afirmar que isso além de limitar a melhoria e agilidade dos processos, também impacta na produtividade e rentabilidade no campo?
É contraditório pensar que o país em que mais de 60% dos produtores não tomam decisões baseadas em imagens de satélites e tampouco fazem gestão de custo com o suporte de softwares ou ERP, é o mesmo país que gera quase R$ 800 bilhões na produção agrícola, preserva mais de 480 milhões de hectares e produz mais de 1/3 do café mundial.
Sem dúvida, a pandemia acelerou a adoção de tecnologias no campo, mas será que podemos afirmar que estamos vivenciando a quarta revolução tecnológica mundial e, como reflexo na agricultura, a famosa revolução 4.0 já estaria em andamento em todos as culturas e sendo liderada pelo Brasil?
Para nos ajudar com esse questionamento, o PDG Brasil foi conversar com um cafeicultor, com a Spventures, com a Rabobank, e com a Nespresso, para entender quão avançados estamos em relação à inserção da tecnologia no campo, bem como entender quais são as barreiras e benefícios esperados para a cafeicultura e todo o agronegócio brasileiro.
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O Brasil, as tecnologias e as Agtechs
As soluções inovativas surgem com a identificação de um potencial problema ou verificação de oportunidade de melhoria, mas é por meio da ciência, realizada por institutos de pesquisa, universidades ou empresas privadas, que se descobre uma aplicação que possa ser convertida em tecnologia. E, posteriormente, quando essa tecnologia chega ao mercado seja em um produto, serviço ou negócio é que se torna então uma inovação.
Atualmente nos deparamos com muitas tecnologias inovativas disponíveis para o campo, sendo que algumas já apresentam maior receptividade que outras. São soluções descentralizadas que abrangem dentro da porteira e toda a cadeia de suprimento, e embora esse seja um trabalho cultural e gradativo, o panorama e as perspectivas são positivos.
Para Francisco Jardim, CEO da Spventures, que é hoje o maior fundo de capital ventures da América Latina focado no agro, o Brasil é referência no agro e também em ciência e cultura empreendedora, sendo, portanto, um país propício ao surgimento de Agtechs, que são empresas focadas na inovação disruptiva, empresas com apetite ao risco e velocidade na tomada de decisões.
‘’Nos últimos 18 meses investimos em nove Agtechs no Brasil. Foram quase US$ 11 milhões (cerca de R$ 53 milhões) disponibilizados diretamente, e muitos outros potencializados indiretamente (…) e a tendência é que nos próximos meses, mesmo em meio a um cenário desafiador como a guerra, esses investimentos sigam crescendo e visando aumentar a produtividade e reduzir os impactos ambientais para o agro.’.
No entanto, embora o Brasil tenha a cafeicultura mais mecanizada e produtiva mundialmente, o setor de café é o quinto principal mercado para as Agtechs. Isso ocorre principalmente devido à fragmentação do mercado, ou seja, muitos players e divisões em toda a cadeia, e também devido ao perfil dos produtores, estima-se que 80% sejam pequenos produtores e apenas 5% dos cafeicultores tenham mais de 100 hectares, tornando o custo de aquisição do cliente elevado.

A aplicabilidade das tecnologias na cafeicultura
Os softwares de gestão, embora ainda não adotados por todos, têm sua importância já difundida. Entender o custo de produção, identificar parcelas de lucro e prejuízo, repetir processos, ter dados que otimizados impactem no rendimento e apoio à tomada de decisão já são resultados tangíveis. É notório que as tecnologias tenham espaço para crescimento no campo e que a adesão na cafeicultura pelo maior produtor e exportador de café mundial esteja atrelada aos benefícios.
Para Hugo Brito, que é cafeicultor proprietário da fazenda Santa Edwirges, em Boa Esperança, no Sul de Minas (MG), nota-se um grande aumento do número de soluções de tecnologia ofertadas. No entanto, muitas delas são desenvolvidas para países com condições diferentes das nossas ou foram pensadas para culturas com realidades diferentes do café. Por isso, o produtor precisa ter filtro para escolher por tecnologias que atendam suas necessidades e efetivamente entregue ganhos de produtividade e rentabilidade satisfatórios.
‘’Por exemplo, muitas tecnologias nos ajudam a programar e acompanhar a colheita, com isso conseguimos definir o número de pessoas e maquinários necessários, o que realmente é atrativo. No entanto, qualquer imprevisto como chuva ou a quebra de algum maquinário, bagunça toda a programação e exige novos lançamentos. Portanto, além de lidar com os imprevistos climáticos, precisamos disponibilizar mão de obra qualificada para os lançamentos, e isso, quando incluído no custo das tecnologias, as torna menos atraente.’’
Outro fator recorrente relacionado à aplicabilidade das tecnologias na cafeicultura é quando as soluções pressupõem cenários identificados em outros países e culturas. Ou seja, quando admitem, por exemplo, que os produtores trabalhem com maquinários e tratores de alto rendimento, ou seja, que tenham equipamentos novos e modernos que suportam trabalhar 24 horas por dia. Assim, quando trazemos para a realidade cotidiana, deparamos com tratores de menor rendimento e que exigem muitas adaptações, tornando o investimento nas tecnologias superior.
Como parte considerável do setor agrícola ainda continua não apenas com tecnologias defasadas mas também processos que podem ser melhorados, seria prudente dizer que a Quarta Revolução Tecnológica é importante e compreende a automatização da análise do processo de produção atrelado ao desenvolvimento sustentável, favorecendo tecnologias como agricultura de precisão, sensoriamento remoto, manejo de irrigação, drones, telemetria e biotecnologia.

Gargalos e incentivos para o uso da tecnologia na produção de café
O avanço tecnológico na agricultura é contínuo, e o Brasil possui um dos ecossistemas mais completos e promissores, por isso é de fundamental importância identificar os desafios e barreiras para a adoção e escalonamento das novas tecnologias para suportar ainda mais os avanços produtivos e a redução dos impactos ambientais.
Algumas instituições têm criado iniciativas para expandir o acesso à internet em diferentes regiões agrícolas do Brasil. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por exemplo, visa a ampliação da conectividade dos agricultores paulistas por meio da ConectarAgro, tecnologia que leva cobertura 4G para pequenos, médios e grandes produtores. Já o programa Rotas Rurais tem o intuito de construir instrumentos capazes de solucionar a falta de integração por rede e acesso à cidadania através de tecnologias da informação e de geolocalização reunidas em uma única plataforma de acesso remoto. Outra iniciativa em destaque é o da Embrapa Agricultura Digital, que possui parcerias técnicas com governos, instituições de pesquisa e ensino, startups, cooperativas, entre outros, a fim de desenvolver soluções de tecnologia da informação e comunicação para atender a demanda do setor agropecuário.
Para Guilherme Morya, analista sênior da Rabobank, a conectividade é um dos principais gargalos, já que 80,2% da área de produção de café ocorre em áreas localizadas com até 40% de cobertura 4G, e embora o plano para o estabelecimento do 5G seja significativo e animador, será gradativo e iniciando-se nas capitais do país. Para contornar a situação, iniciativas privadas visam aumentar o acesso à internet e conectividade nas propriedades rurais através de satélites, antenas e tecnologias bluetooth.
‘’Outra característica importante é o perfil de produtores menores e com menos recursos disponíveis que em outras culturas, o que exige maior estratégia de entrada e capilaridade das tecnologias, bem como estratégia de precificação diferenciada”, diz. Ele também menciona sobre a lacuna de capacitação que acaba restringindo as habilidades e encarecendo os investimentos, e a falta de percepção dos benefícios das tecnologias aplicáveis à realidade’.
Guilherme Amado, que é o líder do Programa Nespresso AAA de Qualidade Sustentável no Brasil e no Havaí, inclui também a mentalidade dos produtores como outro gargalo. Para ele, para se romper essa barreira, faz-se necessário um business case que apresente indicadores econômicos, sociais e ambientais consolidados, bem como utilizar fazendas modelo como lideranças influenciadoras.
‘’Uma nova tecnologia muitas vezes diz respeito a uma nova abordagem que nunca foi pensada antes, unindo passado e futuro dentro de uma solução. Isso é importante, e isso é assumir a liderança na criação de novas respostas. O desafio para o crescimento é o de oferecer soluções que sejam aplicáveis à realidade e que possam ser escaladas para diferentes realidades, lembrando que o que caracteriza o Brasil é a diversidade, seja de regiões, clima, pessoas ou fazendas.’’

Conexão entre inovação e sustentabilidade
As novas tecnologias têm o potencial de trazer eficiência à medida em que favorecem análise para tomada de decisão e reduzem os riscos de operações. Bem como o potencial de inovação para redução da pressão sobre os recursos, especialmente os não-renováveis.
Para Guilherme Morya, ‘’o aumento de procura e oferta por financiamentos e soluções sustentáveis sinaliza o foco na produção em escala, redução dos defensivos, uso mais eficiente dos recursos e busca por energia renovável e, portanto, o trabalho integrado entre institutos de pesquisa, universidades, cooperativas, associações e Agtechs é tão importante quanto o filtro dos produtores e stakeholders para decisão pautada em rentabilidade’’.
A sustentabilidade está relacionada à garantia de recursos para gerações futuras, e não seria exagero considerar que dificilmente exista escala na sustentabilidade sem tecnologia. Portanto, é relevante assumir a liderança na criação de novas respostas para garantir um futuro sustentável.
Para Guilherme Amado, “o mundo caminha para uma nova Revolução Verde impulsionada pela tecnologia e apoiada pelos consumidores, que exigem saber mais sobre a origem de seus alimentos. Assim, a cafeicultura 4.0 é uma união entre o passado e o futuro, práticas agroecológicas e novas tecnologias como drones, inteligência artificial e blockchain (…) e esta nova onda no campo se baseia na agricultura de precisão e em soluções baseadas na natureza. Cultivos de cobertura, insumos biológicos e ferramentas inovadoras que melhoram a saúde do solo, a biodiversidade e a qualidade da água, ao mesmo tempo que propiciam práticas que reduzem, sequestram ou armazenam carbono’’.

Após as entrevistas e os argumentos apresentados, observa-se que já estamos vivenciando a quarta revolução tecnológica na agricultura, e isso ocorre em todos as culturas, embora o ritmo de consolidação varie devido às suas diferentes características. E o mais interessante, é que o Brasil tem potencial para liderar essa revolução mundialmente.
Embora existam barreiras tecnológicas que estão sendo trabalhadas e projetos de incentivos em andamento no país, é nítido que tanto no mercado nacional e internacional as metas de sustentabilidade são cada dia mais relevantes, e, portanto, a tecnologia aplicada ao campo é o fator chave para que possamos escalar na velocidade e eficiência requerida, garantindo produtividade e lucratividade ao produtor e toda cadeia de suprimento, bem como um caminho mais sustentável ao planeta.
Portanto, com o engajamento do setor público e privado, dedicação no desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação internamente, estratégicas condizentes de capilaridade e difusão, o Brasil tem condições de seguir desenvolvendo e aplicando tecnologias tropicais que permitam ganhos de produtividade e redução de impactos ambientais, nos posicionando não apenas como maiores produtores, mas potência sustentável.
Créditos: Divulgação Santa Edwirges (Hugo Brito/destaque; fazenda com drone; vista aérea da fazenda feita com drone); Nathana Paiva (beneficiamento do café); Divulgação Rabobank (Guilherme Morya).
PDG Brasil
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