O chá de roupa nova, refrescante e descontraída
No Brasil, o hábito do chá ainda tem vínculo forte para fins funcionais, mas aos poucos é visível a mudança de seu consumo com o aumento de casas de chás e cafeterias que oferecem chás em seu cardápio, conta Daniela Reis, sommelière e consultora, também atua como pesquisadora da Istorial e professora convidada do Senac SP.
Seu uso também vem tendo mais destaque na gastronomia e coquetelaria, ampliando as aplicações e uso do chá para além da bebida quente tradicional. Por isso, vamos conhecer um pouco mais sobre o chá no Brasil e aprender como aproveitar melhor essa matéria-prima que ainda tem tanto espaço para conquistar.
O PDG Brasil conversou com sommeliers e especialistas que desbravam esse mercado há algum tempo, aplicando de maneira criativa o uso dos chás nessa brincadeira de misturar e se deliciar. Não deixe de ler até o final, pois tem receita especial para o nosso leitor.
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Camellia sinensis
Daniela nos conta que primeiro é importante entender que, quando falamos de chá, todos entendem como a infusão de folhas, flores, raízes etc., que geram uma bebida para diversos fins.
No entanto, tecnicamente falando, o chá se refere à infusão de uma única planta chamada Camellia sinensis. Do seu processamento, temos uma variação de tipos de chá, sendo os mais conhecidos: o chá verde e o chá preto.
Dito isso, o chá (da Camellia) é a segunda bebida mais consumida no mundo depois da água, comenta Carla Saueressig, pioneira do chá no Brasil, teablender, especialista em chás, sommelier de chás, consultora e professora.
De acordo com a Tea Shop, uma pesquisa realizada pela Euromonitor International revela que o consumo de chá no Brasil cresceu 25% entre 2013 e 2020, quase o dobro da média mundial de 13%.
A diminuição no consumo de refrigerantes, junto com a procura por alternativas mais saudáveis e que ajudem na qualidade de vida, são alguns dos fatores que contribuem para a ampliação do consumo do chá no Brasil e no mundo.

A origem
Segundo Daniela e Carla, há rumores de que a história do chá tenha começado na China (mais especificamente na região Sul, na divisa com Laos e Vietnã, chegando um pouco ao nordeste da Índia), há mais de cinco mil anos, se espalhando dali para os quatro cantos do mundo, onde continua a ser muito apreciado até hoje.
Elas contam que existem várias lendas para remontar a história do chá, sendo a mais conhecida datada do ano 2737 a.C., onde o Imperador chinês Shen Nung e a sua corte numa pausa durante uma viagem, sentou-se embaixo de uma árvore e, enquanto espera água quente para beber, algumas folhas da árvore caem dentro da sua vasilha.
Colocando a água fervida, produziu um líquido acastanhado e muito refrescante. Rapidamente, o chá conquistou os habitantes desse país, tornando-se a bebida oficial durante a dinastia Tang (618-906 d.C.).
As histórias são muitas, mas o hábito de consumo do chá foi muito presente, e ainda é, na vida dos chineses. Sem dúvidas, eles trouxeram esse hábito para ocidente por meio da Companhia das Índias Ocidentais, permitindo que ele caísse nas graças de todos, sobretudo dos ingleses, que o trouxeram para as cortes brasileiras.
“Dom João VI, um apreciador de chá e da cultura inglesa, traz chineses de Macau para plantar chá no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mas a plantação não deu muito certo. Tivemos plantações embaixo do Viaduto do Chá (SP) no final de 1800, e também na Fazenda do Morumbi (SP), que também não continuaram porque o mercado era muito pequeno e já tinha muito chá chinês e indiano sendo consumido pelo mundo todo”, contam as especialistas.
“O Brasil era o maior produtor de café do mundo, e esse sempre foi nosso principal produto de exportação e de cuidados, porque já existia desde lá uma tradição muito forte com o café”, completa Carla.
Mas só no início do século 20, com a chegada dos imigrantes japoneses na região do Vale do Ribeira, mais especificamente na região de Registro (que é a capital nacional do chá), inicia-se efetivamente uma robusta plantação e a produção de chá, chegando a ter mais de 40 fábricas na década de 80.
Hoje, sobrevivem três dessas famílias, que continuam com essa cultura e produção do chá na região, reconquistando este espaço no mercado brasileiro.
Mas Daniela nos lembra que, se falarmos do consumo de infusões, esse hábito no Brasil sempre esteve presente na cultura alimentar dos povos indígenas, com o uso de ervas, folhas, flores e raízes na alimentação e uso medicinal.

Abrindo caminho para o chá nas cafeterias
Hesli Carvalho, sócio do HM Food sediado em Pinheiros (SP), se interessou por chás logo que começou a trabalhar com cafés especiais: “conheci a Loja do Chá (hoje com as atividades encerradas), da Carla Saueressig, e fiquei encantado. Eram tantos chás, infusões, aromas e sabores diferentes, que aquilo ficou gravado profundamente na minha memória”.
Na época, fez curso de sommelier onde estudou os principais produtores, harmonizações (chocolate, cerveja, vinhos etc.), preparos e uma miríade de degustações, ele conta. A ideia era levar para seu estabelecimento um pouco dos chás, lado a lado com o café.
“Não vendemos refrigerantes carbonatados. Então, o chá está presente no menu em versões quentes e geladas. A infusão gelada de hibiscos e laranja está presente desde a criação do café e é uma das bebidas mais vendidas até hoje”, conta.
“Damos ao chá o mesmo peso que ao café (em sua maioria, a colheita é feita de forma manual e somente de determinadas folhas da planta do chá, por exemplo), além da preparação por meio de pesagem, processo de extração, degustação. Em um estudo interno para a ABChá, nós dialogamos sobre café e chá, porque eles são tão parecidos, e também que o barista é a melhor pessoa para preparar um chá.”
Hesli conta que a aceitação no início foi mais difícil: “por isso introduzimos a infusão de hibisco com suco de laranja, que é um suco bem familiar do brasileiro. As preparações geladas chamam mais atenção sempre, o país tem um clima quente e sempre demanda algo gelado para refrescar”.
“Mas cada vez mais o chá se torna mais familiar aos clientes, com o crescimento de consumo das kombuchas (bebida de chá fermentado) e das preparações com matchá (chá verde japonês).”

Mas como usar o chá no preparo de drinques?
“Quando realizamos muitas experiências sensoriais com a infinita variedade de chás e infusões, vamos formando uma biblioteca sensorial que nos permite fazer cada vez melhores combinações entre aromas e sabores”, conta Daniela.
“Podemos começar brincando com o que temos em casa, fazendo combinações até chegar naquela que melhor combina com nosso paladar. É uma experiência quase pessoal e intransferível, mas que pode agradar muitas pessoas.”
Hoje em dia já existem alguns blends de chás reconhecidos mundialmente, como a combinação de chá preto com especiarias, chá verde com flores ou até mesmo combinações com frutas, como o conhecido Earl Grey.
“Particularmente, gosto das combinações de chás com destilados e fermentados. Há chás pretos defumados que caem muito bem em forma de drinques, onde você usa uma parte concentrada para a mistura”, comenta Daniela.
“Mas também há chás pretos e verdes que podem ser infusionados diretamente em cachaça, saquê ou gin. Em média 15 a 20 minutos são suficientes para extrair aromas e sabores dos chás, infusões e blends nesse tipo de bebida. Depois de feita a infusão, é só abusar da criatividade.”

Dicas para ajudar nas combinações e drinques alcoólicos com chá
Quando quiser sair do óbvio no quesito chás, seus preparos e usos para drinques alcoólicos, lembre-se:
- Cada chá traz características únicas, por isso é importante conhecer as variedades que existem, a fim de ampliar sua biblioteca sensorial e fazer as combinações mais assertivas;
- Pegue a sua receita de caipirinha, escolha um chá ou blend, e faça uma infusão diretamente na cachaça: 2 colheres de chá de algum chá / blend infusionado em 100 ml de cachaça para fazer de um a dois copos (dependendo do grau de cachaça que você escolher em sua caipirinha);
- Prefira as cachaças brancas, pois absorvem melhor os sabores e aromas dos chás;
- Cachaças envelhecidas ou aromatizadas também permitem misturas, mas a percepção dos sabores do chá extraído será menor;
- Use os chás, infusões e blends em redução de açúcar, fazendo um xarope que pode agregar sabor e valor a uma bebida, combinando inclusive com frutas;
- Os chás de saquinho utilizados direto na bebida gelada não fazem grande efeito, afinal, você está fazendo uma infusão a frio e que demora bastante tempo. O ideal é fazer uma versão concentrada, esperar esfriar, e daí então montar o seu drinque.

Drinque Tererinha
Carla passa, com muito bom humor, a receita de sua Tererinha, mistura do clássico gaúcho tereré com caipirinha brasileiríssima.
- Primeiro, pegue uma cuia ou guampa, e coloque erva mate estacionada ali dentro (que é uma com mais folhas, ela explica), a gosto como se fosse fazer um tereré normalmente. Cubra com água gelada para que as folhas absorvam um pouco dela.
- Enquanto as folhas absorvem um pouco da água, faça uma mistura de: uma dose de cachaça, uma dose de limão e açúcar a gosto. Misture bem até dissolver ao máximo o seu açúcar.
- Em seguida, pegue esse concentrado de cachaça, limão e açúcar, coloque um pouquinho dentro da cuia, e complete com água bem gelada. Agora é só tomar com a bomba e aproveitar cada gole.
- Você pode ir misturando como quiser, conforme achar que precisa, a misturinha desse concentrado de cachaça, como a Carla chamou, e disse que fica muito bom e interessante essa mistura.

Drinque Gingrey
Se você não é do time do tererê e da cachaça, Carla traz mais uma receita brasileiríssima e refrescante à base de chá e cachaça, apelidado por ela como Gingrey.
- Comece separando uma dose de um bom gin (Carla usou um brasileiro), e nele infusione 4 g de Earl Grey, deixando o drinque mais escurinho após a infusão por alguns minutos.
- Tudo a gosto, vá adicionando cubos de gelo, pedacinhos de laranja bahia e pepino, e água tônica gelada.
- Ela conta que o Earl Grey é um chá preto com óleo de bergamota, mas não é a fruta bergamota tangerina, é um cítrico que se usa a casca para fazer perfumes e aromatizar chás. É um chá muito tradicional entre esses chás com aromas.

Agora que você já teve essa pequena aula sobre os chás, suas origens e usos fora o comumente conhecido, saia da zona de conforto e aproveite nossas dicas para explorar esse ingrediente.
Trate o chá como um ingrediente a mais em sua carta de sabores; seja em casa ou em cafeterias, sempre que tiver oportunidade, se permita novas experiências sensoriais que o chá pode te proporcionar; e assim como o café, faça em casa testes e misturas em busca de novos drinques para se surpreender.
Créditos: Banco de Imagens (destaque: drinques gelados com frutas e ervas; Camellia sinensis; plantação de Camellia sinensis; chá gelado redução de hibisco; preparo de drinque em casa; drinque com chá feito em casa); Hesli Carvalho (infusão gelada de hibisco com suco de laranja); Carla Saueressig (drinques Tererinha e Gingrey).
PDG Brasil
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