5 competências essenciais para produzir cafés especiais
Estima-se que 80% do montante geral do café que é comercializado anualmente seja produzido em sistemas de agricultura familiar. No Brasil, cerca de 75% da cafeicultura brasileira é constituída de pequenos a médios produtores, para as quais o comércio do grão é uma fonte essencial de subsistência.
Os anos de 2020 e 2021 foram particularmente problemáticos para o mercado cafeeiro do Brasil.
O acúmulo de questões como a inflação nacional crescente, e a crise econômica e de logística de transportes em nível mundial, por decorrência da Covid-19, aliados a uma quebra significativa de safra acarretada por fatores climáticos, posicionaram o setor a um estado de alerta quanto ao futuro próximo.
Nunca foi tão urgente a demanda pela estabilidade econômica e estrutural das operações de produção de café no País. O PDG Brasil conversou com quatro profissionais especializados em setores variados da indústria cafeeira nacional, com o objetivo de estabelecer um guia informativo quanto às competências fundamentais que todo produtor de cafés especiais deve nutrir para prosperar no setor. Eles são: Sérgio Parreiras Pereira, pesquisador científico do IAC (Instituto Agronômico de Campinas); Willem Guilherme de Araújo, gerente regional de agronomia da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais); Carmem Lucia Ucha Chaves de Brito, cafeicultora e empresária das Fazendas Caxambu e Aracaçu; Bruna Martinelli Rauscher, gerente e trader da Rauscher Commodities.
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Contexto dos cafeicultores e das cafeicultoras
O mercado global de café foi avaliado em US$ 102,02 bilhões em 2021, com a projeção de atingir um CAGR (taxa de crescimento anual composta) de 4,28% até 2026. Esses números são especulativos, pois a saúde do mercado como um todo depende também de uma gama de fatores de natureza instável.
Atualmente, o mercado internacional de café enfrenta um déficit geral de oferta em relação à demanda do produto. Um amalgamado de razões contribuiu para esse resultado, aos quais a quebra de safra no Brasil entre 2020 e 2021 – a mais baixa em duas décadas – é um dos mais significativos.
A seca decorrente de uma crise hídrica, seguida de um período de geadas e baixas temperaturas, prejudicou a saúde das árvores de café. Para uma parcela de produtores, houve a necessidade de plantar novas mudas (que levam de três a quatro anos para produzir frutos viáveis), e a projeção do mercado é a de que o nível de produção de café no Brasil sofra uma redução de 20% a 30% em 2022.
Esses fatores, somados às consequências econômicas enfrentadas pelos operadores das cadeias de fornecimento globais devido à Covid-19, como a queda do poder de compra (consideravelmente problemática para os compradores de cafés especiais), e a crise logística de transportes, geraram um aumento dos preços do café em todos os segmentos de comércio, de commodities às vendas diretas (como é negociado o café de especialidade).
Ainda assim, em 2021 o Brasil alcançou um índice favorável de crescimento quanto à receita cambial anual do mercado de exportação de café, com um aumento de 10,3%, segundo o Cecafé. Tal resultado se relaciona profundamente com o esforço e a dedicação dos cafeicultores e das cafeicultoras, e com o nível de capacidade produtiva do Brasil em setores que vão além das lavouras.
Altos níveis de adoção de tecnologia, poder de negociação e práticas de sustentabilidade e educação contínua, são alguns dos fatores que ajudaram o país a contornar os desafios recentes. Por isso, o PDG Brasil buscou entender quais seriam as principais características empresariais para os produtores de café superarem tamanhos desafios e criou abaixo um guia de boas-práticas com as cinco habilidades e competências de gerenciamento essenciais para a produção de cafés especiais no Brasil.

Competência #1 Inovação tecnológica e agronômica
Produzir cafés premiados e valorizados, com apelo diferenciado em aromas e sabores, é o objetivo de todo produtor de cafés de especialidade. “Uma fazenda de café não atinge esse patamar sem investir em tecnologia, maquinários e novos sistemas de produção”, diz Ucha, uma das primeiras cafeicultoras de cafés especiais do Brasil, e também ex-presidente da BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais).
Segundo ela, o investimento em estrutura acarreta na eficiência de processos, e mais importante, na melhoria de vida das pessoas envolvidas na produção.
“Contar com monitoramento agrônomo adequado aos requisitos da produção de cafés especiais é também fundamental”, diz Willem. “Quando buscamos um produto diferenciado, deve-se atentar não somente às características intrínsecas do produto, no caso a planta do café, local de plantio, tipo de solo e etc., mas como de todo o processo produtivo.”
Willem diz que trabalhar com um agrônomo responsável em frequência ao menos mensal é ideal. “Devido à complexidade do processo agregado à produção de cafés especiais, demanda-se do profissional de agronomia uma ampla base de conhecimento e agilidade na solução dos problemas, uma vez que a qualidade de um café especial pode ser perdida em questões de horas, caso não sejam adotadas as práticas corretamente indicadas”, explica ele.
Conselhos a pequenos produtores
Bruna acredita que pequenos produtores sofrem desvantagens quanto ao acesso a mercados maiores, “devido à necessidade de maquinários caros para os processos de beneficiamento, assim como para as questões logísticas inerentes aos embarques internacionais”.
Uma solução para contornar esse cenário, diz ela, seria que pequenos produtores se associassem em suas regiões, para gerar volume de produção e diluir custos, a fim de ganhar competitividade a níveis de preços e condições logísticas.
Willem aconselha aos pequenos cafeicultores que busquem apoio governamental para a adoção de boas práticas agrícolas: “Esse auxílio deve ser focado nas áreas da assistência técnica e extensão rural, e na obtenção de crédito rural acessível e oportuno”.
“Avaliar as vantagens e desvantagens dos investimentos fará a diferença, e para isso o cafeicultor tem que estar permanentemente bem informado e capacitado dentro de sua atividade”, acredita Sérgio, do IAC, conhecido como Serjão no meio cafeeiro. Para uma grande parcela dos cafeicultores, diz ele, direcionar uma parcela maior da produção a café commodity, a custo baixo, além dos especiais, pode ser uma boa opção.

Competência #2 Qualidade e consistência
Bruna trabalha como sourcer e trader de cafés que atendem a demandas de diversos perfis de mercados internacionais. Ela diz que o principal ponto dos critérios de seleção de produtores por sua empresa está baseado não somente na qualidade, mas também na consistência dos padrões do produto final.
“Manter o padrão é uma das chaves de um ótimo desempenho no cenário internacional, assim como manter a responsabilidade de prazos de embarque e de processos administrativos organizados”, acredita.
“Já as certificações e técnicas agrônomas são diferenciais importantes, porém não determinantes nos critérios de avaliação dos produtores que selecionamos para desenvolvimento na exportação”, diz ela. Serjão concorda: “O cafeicultor tem que focar sempre na gestão coerente de sua propriedade. Segmentar o mercado ofertando cafés que apresentem atributos diferenciados de qualidade, e também ligados à pauta da sustentabilidade, pode ser o caminho para alguns produtores, mas não para todos”.
“A qualidade do café é resultante da combinação de importantes fatores, e as intervenções específicas dos cafeicultores em relação aos sistemas de produção e processamento, aliadas à aderência a pacotes tecnológicos adequados, é o que vai definir a qualidade final”, acredita Ucha.

Competência #3 Competitividade e gestão
Bruna avalia que a inovação tecnológica está intrinsecamente ligada à produtividade, e não à qualidade em si. Segundo sua análise, baseada nos relacionamentos de negócios com fazendas cafeeiras de todo o Brasil, é também essencial conduzir testes com novas variedades, processos de fermentação e secagem, como exemplos. “Essas iniciativas elevam o valor agregado ao produto produzido, e amplificam as chances dos produtores em estabelecerem uma rede de negócios estável, tanto com compradores nacionais quanto internacionais.”
Ucha elenca outras diretrizes que considera essenciais para que um cafeicultor do segmento de especialidade mantenha um nível significativo de competitividade: “produzir cafés com conceito, monitorar tendências de produção, manter-se atualizado quanto aos movimentos do mercado de consumo, e estar preparado para adaptar-se às mudanças constantes de demandas dos compradores”.

Competência #4 Marketing e estratégias de mercado
Antes de tomar a decisão de produzir café especial, o produtor deve se informar quanto à realidade de posicionamento desse produto no mercado, “e calcular o quanto está disposto a investir na modificação do processo produtivo e promocional deste café perante o mercado consumidor”, diz Willem.
O próximo passo, indica ele, é desenvolver uma estratégia de marketing para o produto: “Não basta uma embalagem com um belo design, é necessária a vinculação da marca às particularidades do processo de produção, o que inclui os fatores ambientais e humanos”.
Entender os hábitos de consumo é fundamental para traçar estratégias de produção. Para Ucha, o consumidor final do café especial se preocupa com o impacto social e de sustentabilidade, cuja produção deve gerar impactos positivos.
“A associação a processos de certificação reconhecidos pelo mercado internacional, como por exemplo, Rainforest Alliance, Certifica Minas Café e Fairtrade, em adição a selos como os da ABIC e BSCA, contribuem para a integração de valor ao produto, o que garante ao consumidor o rastreamento do processo produtivo e da qualidade da xícara”, explica Willem.
Ucha aconselha a adesão ao investimento de propagação da marca nos meios virtuais, o que ela acredita gerar um impacto contínuo de visibilidade.
Para ela, a construção de imagem está conectada com a capacidade de fidelizar relações comerciais, mediante uma postura profissional, ética, aberta e inovadora.
Bruna considera vital o posicionamento bem-sucedido da marca no mercado internacional, de natureza extremamente competitiva. “O Brasil, apesar de ser o maior exportador de café do mundo, ainda é visto no cenário internacional como fornecedor de commodities. Países como Etiópia, Colômbia e Costa Rica ainda possuem maior credibilidade no quesito de cafés de especialidade”, explica.
Para ela, quanto mais bem preparada e posicionada é a marca no âmbito internacional, maior é o retorno financeiro do produtor. Mas isso também implica em uma exigência maior dos compradores quanto a nível competitivo, o que torna os investimentos em inovação e diferenciação pontos essenciais.
“Meu conselho aos produtores é manter o aprimoramento contínuo, e de também eventualmente participarem de eventos internacionais, para absorverem a visão global do mercado, e dimensionar o potencial de suas fazendas a níveis internacionais.”

Competência # 5 Educação e treinamento
O investimento em capacitação e educação, para Ucha, são ferramentas essenciais para preparar as empresas cafeeiras para momentos de instabilidade do mercado. “E não é somente por meio dos meios tradicionais de educação e de treinamentos que o cafeicultor pode se manter devidamente informado”, diz Serjão.
“Um cafeicultor que se informa constantemente por meio de diferentes plataformas de comunicação, sejam sites, redes sociais, podcasts ou grupos de WhatsApp, encontra-se em melhores condições de avaliar o uso ou não de uma inovação ou nova prática, por exemplo”, explica ele, que é o criador e gestor da Rede Peabirus, a “Rede Social do Café”, que desde 2008 fornece diariamente, e de forma gratuita, um compilado de notícias e estudos sobre o mercado geral do café, em parceria com o ministério da agricultura.
Para Ucha, “a formação profissional dentro do contexto rural traz sentido às práticas rotineiras do colaborador”. “É certo que uma equipe bem capacitada torna-se mais motivada ao entender todas as etapas do sistema produtivo, e assim se sentir parte de todo o processo”, também avalia Willem.
A oferta de cursos de qualificação aos cafeicultores e colaboradores é ampla e majoritariamente gratuita, e é um investimento que influencia de forma positiva todas as etapas da produção, diz ele.
“A capacitação promove engajamento. O engajamento traz motivação. A motivação traz satisfação, felicidade e melhora a qualidade de vida das pessoas”, acredita Ucha.

Produzir café e especialmente café de qualidade é uma tarefa que não é para qualquer um. Habilidades e competências específicas e muita dedicação fazem toda a diferença no processo. Buscar conhecimento e apoio de instituições e associações é essencial para aprimorar ou desenvolver essas habilidades. O caminho é longo, mas vale cada momento quando uma pessoa aprecia o café e prestigia o trabalho de cafeicultores e cafeicultoras.
Créditos: Divulgação Fazenda Caxambu; Embrapa – Cerrado Vivo.
PDG Brasil
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