A nova geração do café
A chegada de uma nova geração a posições de liderança e gestão em negócios familiares geralmente representa um período de tensões, mas pode significar também uma oportunidade de reinvenção, com a adoção de novas práticas e técnicas que venham a oxigenar a atividade, potencializar resultados e abrir novas portas.
Segundo estudo realizado pela consultoria PWC, em escala global, cerca de 30% das empresas familiares não chegam à segunda geração e 15% à terceira. Esses números são ainda mais preocupantes no Brasil, onde as empresas familiares representam 65% do PIB, empregam 75% da força de trabalho disponível no país e têm um índice ainda menor de sobrevivência para além da 3ª geração – apenas 5%, segundo o IBGE em estudo realizado em parceria com o SEBRAE.
É essencial trazermos luz à questão da sucessão familiar na cafeicultura, fortalecendo a nova geração do café. Continue lendo para conhecer algumas experiências que o PDG Brasil foi buscar para compartilhar aqui.
Você também pode gostar de ler nosso artigo sobre O que faz um coffee hunter?

Os desafios da sucessão e o êxito pela cooperação
Toda empresa familiar, em algum ponto de sua trajetória, se depara com a necessidade de estabelecer um plano de sucessão. Infelizmente, muitas lidam com esse fato de forma improvisada, sem o devido preparo. E isso acontece, geralmente, pela confusão das relações pessoais e familiares com o aspecto profissional.
No entanto, apesar do grande desafio, é possível encontrar exemplos de processos de sucessão bem conduzidos. Em muitos desses casos, além de um bom planejamento, há ainda o apoio de entidades como o SEBRAE, de empresas que prestam consultoria para negócios familiares ou ainda de parceiros de negócios que visam estimular a permanência das novas gerações nas atividades rurais.
Nesse sentido, um exemplo que merece destaque é a iniciativa New Generations, lançada pela cooperativa Minasul, de Varginha (MG). Trata-se de um selo para a promoção de fazendas onde a gestão já é realizada pelas novas gerações das famílias de cafeicultores ou ao menos compartilhada com elas.
“O intuito desse blend, que lançamos em outubro de 2021, é justamente mostrar as novas caras da cafeicultura, tanto para o mercado interno quanto para as exportações. Estimulamos esse segmento com o incentivo à participação em concursos de qualidade e por meio da busca de parceiros comerciais sintonizados com as inovações que estão sendo propostas”, diz a trader Carol Nery, da Minasul.
Ainda segundo ela, a importância de manter essas novas gerações motivadas a permanecer no campo é muito grande e passa necessariamente por mostrar que é possível ter boas negociações, com valor agregado crescente, e que há muito espaço para inovações no agronegócio.
“É um grande orgulho para a Minasul dar espaço para a renovação. Faz muito sentido termos essa aproximação com quem busca inovar e já chega sabendo o que quer, com um entendimento maior do mercado e do público que pretendem atingir. Essa eficiência aliada à paixão que vem junto com toda atividade familiar é muito benéfica e resulta em grande prosperidade”, diz ela.

A nova geração atuando na prática
Buscando um melhor entendimento dos fatores que conduzem empreendimentos familiares na cafeicultura a terem êxito em seus processos sucessórios, PDG Brasil conversou com três produtores, que são unânimes ao dizer que um dos maiores desafios ao assumir ou compartilhar a gestão das fazendas de café é dar continuidade ao processo de educação do público consumidor.
É fato que os compradores estão cada vez mais exigentes e têm cada vez mais acesso a informação de qualidade a respeito dos cafés especiais, mas é ainda uma fatia muito pequena do mercado que consome habitualmente os cafés mais nobres. Isso chega a ser um contrassenso, dado que o Brasil é o maior produtor dos grãos e um dos grandes consumidores da bebida em todo o mundo. Falta, portanto, que o público local tenha maior consciência da qualidade daquilo que coloca em suas xícaras.
Apesar de desafiadora, essa situação pode ser encarada como uma grande oportunidade, como bem aponta Rafael Taramelli, que hoje divide com o pai o comando da Fazenda São Caetano, localizada em área de solo vulcânico na cidade de São Sebastião da Grama (SP).
“Vejo que uma de minhas missões é manter o processo de educação do consumidor de café no Brasil, que começou há algumas décadas. Ainda tem muito a ser feito, considerando que só 6% desse público conhece o café especial. Essa é uma janela de oportunidade muito grande, porque, com a conscientização e o esforço de toda a cadeia produtiva, esse percentual deve aumentar cada vez mais rápido e muito disso depende em grande parte do trabalho que realizamos”, acredita.

Ele conta que, a princípio, não imaginava que a cafeicultura um dia passaria a ser sua atividade primordial, principalmente porque vinha de uma carreira consolidada na administração de uma empresa de cosméticos. No entanto, Rafael não recusou o convite feito pelo pai para se envolver com a cafeicultura.
Com o tempo, foi tomando gosto e hoje se orgulha das ações que vem realizando no departamento de qualidade da São Caetano. “Essa transição marca o encontro das gerações e não uma crise. Temos nossas divergências sim, mas mesmo elas acabam sendo benéficas. Conversando é que se chega nas melhores conclusões e é assim que o negócio prospera”, pondera
“Tenho consciência de que para propor novas ideias ao cara que realizava os mesmos processos há 15, 20 anos é preciso muito diálogo e boa vontade. É uma grande mudança cultural que tem desdobramentos em muitos aspectos dentro da fazenda, desde o manejo da lavoura, o cuidado com os resíduos gerados ou o relacionamento entre gestores e os colaboradores”, diz ele.
Na São Caetano, hoje já não há o uso de agroquímicos. A fazenda caminha para a autossuficiência ao ser responsável pelo cultivo, no próprio espaço, de outras plantas que podem ser usadas como fontes de nutrientes para o cafeeiro, e práticas como essa se refletem na qualidade dos grãos. Outra área inovadora sob a responsabilidade de Guilherme e que traz resultados expressivos é o processamento de parte da produção por meio de fermentação, cujos atributos sensoriais vêm sendo bastante admirados por parte dos apreciadores de café ao redor do mundo.

Negócios e resultados em família
Ao contrário do herdeiro do clã Taramelli, Mariana Lima Veloso já se entendia parte dos planos para o futuro da Veloso Coffee, assim como do complexo Santa Cecília da cidade de Carmo do Paranaíba (MG). “Meu pai está no comando da fazenda desde 1977, três anos antes de eu nascer. Então eu meio que sempre me senti parte disso tudo, assim como meus irmãos. Somos quatro, e cada um de nós tem sua função dentro do grupo”, explica Mariana.
“Quando fui estudar, já quis fazer algo que eu achava que se encaixaria com as minhas intenções para a fazenda. Fiz comércio exterior e comecei a me aprofundar sobre o universo do café. Morei, então, em Santos onde passei por um processo de aprendizado e em seguida fui para a Itália, onde me aperfeiçoei mais, até que decidi retornar ao Brasil para focar na minha participação nos negócios da família”, conta.
Hoje a diretoria da Veloso Coffee é composta pelo pai e pelos quatro filhos. Mariana explica que as decisões são tomadas sempre em conjunto e que cada um contribui com suas habilidades e conhecimento. “Esse pensamento coletivo ajuda muito na tomada de decisão e também permeia os negócios em projetos de médio e longo prazo”, diz.
Assim como Rafael, Mariana tem uma percepção positiva da potencialidade encontrada no mercado interno, apesar do consumo ainda baixo de cafés de qualidade. “Hoje é possível ver marcas tradicionais colocando nas gôndolas dos supermercados cafés de qualidade superior, até mesmo gourmet ou especiais. Em alguns casos, há espaço até para a produção regional de cafés de excelência. É possível ainda encontrar ótimos cafés oferecidos em sites ou lojas especializadas”, avalia.
Ela percebe também que as cafeterias – também afetadas pela pandemia – agora estão retornando para atender aos consumidores mais exigentes. “Há uma tendência crescente, e no meu ponto de vista, isso está diretamente relacionado à chegada das novas gerações, mais engajadas em buscar ou oferecer experiências. Aliás, o mercado atual valoriza a inovação e se fundamenta em questões relativas à produção humanizada e responsável, algo que já faz parte do contexto que envolve a produção dos cafés especiais.”

Inovação em métodos e princípios
Mais jovem dentre todos os entrevistados, Guilherme Nogueira Foresti tem apenas 27 anos e já apresenta uma visão clara de futuro a partir de inovações que colocou em andamento na Fazenda do Lobo, localizada em meio às montanhas do Sul de Minas, em Três Corações (MG). Uma delas é justamente a implementação de melhores práticas no relacionamento entre os gestores e os colaboradores da fazenda.
Segundo ele, “isso traz resultados muito positivos em termos de produtividade de cada colaborador e na construção de um ambiente saudável para todos os envolvidos”.
“Com o pessoal mais satisfeito, o trabalho rende mais, há menos acidentes e desperdício e isso nos dá maior equilíbrio e segurança, tornando o negócio cada vez mais sustentável.”
Guilherme conduz também a implantação do sistema agroflorestal num talhão da propriedade, onde os pés de café estão consorciados com bananeiras e árvores de madeira nobre como mogno e cedro. Este ano deverá ser escolhida outra espécie frutífera para ser plantada, fechando assim o esquema da plantação que já completa seu primeiro aniversário e vem crescendo de forma satisfatória, enchendo-o de expectativas para a próxima safra, quando os cafeeiros estarão em plena produção.
“Aqui o que não falta é espaço para as minhas ideias e para propor inovações. Converso muito com meu pai, no sentido de trocar ideia mesmo. Às vezes não concordamos de início, mas ele acaba aceitando dar uma chance aos meus planos. Aí, se dá certo é só alegria. Os resultados que aparecem nos padrões sensoriais dos cafés são cada vez melhores, e eu me sinto orgulhoso por ter trazido pra cá conhecimentos tão importantes para colocar nossa atividade num patamar mais responsável quanto à preservação do meio ambiente e da vida como um todo”, diz ele.

Uma palavra-chave que une os três personagens deste artigo é resiliência. Todos reconhecem essa característica em seus pais e a apontam como fonte de inspiração para prosseguirem em meio às dificuldades que podem surgir pelo caminho.
É um desejo deles, inclusive, deixá-la como legado para as futuras gerações, assim como o carinho pelas tradições familiares e o desejo de inovar para permanecerem à frente das adversidades, deixando para trás as estatísticas que apontam para o encerramento precoce das atividades nos negócios familiares.
Créditos: Fazenda Santa Cecília/Veloso Coffee (destaque, florada, Mariana Veloso e siriema no terreiro); Fazenda São Caetano (Rafael Taramelli e lavoura) e Fazenda do Lobo (Guilherme Nogueira no laboratório).
PDG Brasil
Quer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!