Guia básico de como fazer cupping em casa
O cupping, a degustação profissional de café, é uma ferramenta de extrema importância no mercado do café e levada a rigor pelos profissionais da área. Mas isso não quer dizer que não seja uma técnica acessível e muito menos que não podemos nos divertir com ela no trabalho ou em casa.
Essa técnica de degustação de café ganhou fama em 1999 quando foi usada no primeiro concurso CoE (Cup Of Excellence) para avaliar e eleger o melhor café do país, dando visibilidade e retorno monetário ao produtor. Desde então foi padronizado pela SCA (Specialty Coffee Association) para criar uma linguagem universal da indústria do café. Assim todos podem se entender ao avaliar e escolher café, seja na compra, na venda, na avaliação técnica ou na competição.
Apesar de rigorosa e cheia de detalhes, podemos usar essa técnica de maneira descontraída também, compartilhar o momento com amigos e parentes. É um método de prova que permite avaliar vários cafés de uma vez. Então chame os amigos e cada um traz um pacote de café para colocar na mesa, pois o PDG Brasil separou algumas dicas de como fazer um cupping em casa.
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Conhecendo o cupping
Aos que nunca viram como funciona o cupping, vale dizer: é diferente do que estamos acostumados a ver nos preparos de cafés em cafeterias. Pode-se encontrar uma semelhança em métodos como Clever ou prensa francesa, pois trabalham com infusão direta em água.
Renato Gutierres, diretor de qualidade, na FAF Coffees, nos fala um pouco sobre a importância da realização do cupping: “É interessante entender o por quê de adotarmos essa forma de prova profissionalmente. O principal motivo é isolar as variáveis para que consigamos sentir as características do lote de maneira mais clara. O objetivo da prova pode ser entender os atributos de um lote para definir sua qualidade, o preço desse lote ou em uma torrefação definir o ponto de torra em que o café exalte todo o seu potencial”.
“Se for fazer um cupping, sim vale a pena estudar o protocolo e o formulário e seguir à risca tudo o que é pedido. Mas, para analisar um café em casa, devemos isolar os parâmetros que são possíveis. Isso pode ser feito com preparos diferentes, como, por exemplo, a prensa francesa, o método que mais se aproxima com o cupping.”

O cupping em 7 passos
Respeitando as condições mínimas para realizar um com qualidade, separamos uma lista de itens que serão necessários para você fazer o cupping em casa.
Veja uma lista do que você vai precisar
- Um ou mais cafés de sua escolha em grãos ou moído médio;
- Recipientes com o mesmo volume (copos, xícaras ou canecas, geralmente se usa um pote de vidro de sobremesa básico da Nadir Figueiredo). Detalhe: se não tiver o número de recipientes com o mesmo volume, mantenha a receita igual para todos;
- Colher (pode ser a colher própria para cupping, tipo colher de molheira ou de açucareiro ou pode ser uma colher normal mesmo);
- Balança;
- Água quente;
- Copo para cuspir (pode parecer nojento, mas o consumo excessivo de café não faz bem pra ninguém. Então, pode cuspir sim. Você vai se acostumar);
- Cronômetro (vale o do celular, só cuidado pra não molhar o aparelho).
Siga esta sequência
Passo 1
Depois de separar todos os itens, separe as quantidades de café para os recipientes. A proporção utilizada é de 5,5 g de café a cada 100 ml de água. Se sua xícara tiver capacidade para 180 ml, você precisará de 10 g de café em cada xícara.
Passo 2
É importante que o café seja moído na hora, mas, se não for possível, não é o fim do mundo. A moagem que você deve usar é média (moagem para coador ou cafeteira italiana).
Passo 3
Coloque o café moído dentro dos recipientes na dosagem correta (tem de ser a mesma dosagem em todos os copos ou xícaras) e posicione os pacotes atrás da xícara para fácil identificação.

Passo 4
Ferva água suficiente para poder encher todos os recipientes de uma vez. Entre eles, coloque um copo com água limpa para poder limpar a colher usada. Ligue o cronômetro e comece a despejar a água sobre o café em movimentos circulares, com muito cuidado, para misturar bem. Encha o recipiente até a boca. Não mexa após esse passo.
Passo 5
Espere 4 minutos de infusão (esse tempo tem de ser cronometrado) e use as costas da colher para delicadamente quebrar a crosta formada na superfície, evitando encostar no café decantado. Ou seja, com muito cuidado, vá passando a colher levemente pela superfície do café, para tirar apenas a crosta, sem afundá-la muito. Cheire o café: esse é o momento em que você vai conseguir sentir os aromas com a maior intensidade.
Passo 6
Feitos esses passos, uma informação importante: espere até 10 minutos cronometrados para tomar o café, se não, há perigo de queimaduras. Leve essa informação a sério, a bebida estará realmente quente. Limpe com cuidado a espuminha que se formou e parta para a prova.
Passo 7
Para provar, coloque um pouco de café na colher e chupe como se fosse soprar para dentro: esse método ajuda a espalhar as gotículas e os sabores do café pela boca. Faça isso com concentração, percebendo o que o café causa na sua boca e as lembranças que traz. Se preferir, faça anotações. O café mostra coisas novas e esconde outras de acordo com a temperatura. Então, uma dica é você pode prová-lo em três tempos diferentes, entre 15, 25 e 35 minutos para sentir tudo.

Dicas bônus
Nós também pedimos para os entrevistados darem algumas dicas para você poder aproveitar melhor o cupping. E o que eles nos disseram foi:
- Prefira cafés com torra fresca;
- Um moedor de qualidade vai ajudar muito;
- Tenha atenção à pesagem correta dos grãos;
- Observe a moagem com atenção e busque deixá-la o mais uniforme possível (todas as xícaras precisam estar com a mesma moagem);
- Aqueça a água a aproximadamente 93 a 96°C (uma dica é ferver e deixar abaixar as bolhas e esfriar um pouco por um minuto);
- Após despejar cuidadosamente a água sobre o café, aguarde por 4 minutos para fazer a quebra da crosta e retirar a espuma sem gerar turbulência;
- Busque fazer a experiência em um local calmo (e sem a presença de crianças);
- Faça anotações para criar suas referências.

Indo mais a fundo
Para as pessoas mais sensíveis ou as que já treinaram muito a língua e o nariz, sentiram muitos aromas e sabores, perceberão com mais facilidade o sensorial do café e conseguirão identificar uma característica ou outra da bebida.
Para chegar ao nível de um provador, é necessário muito treino e paciência. Porém, conseguir identificar se o café tem acidez, corpo, doçura e amargor já é um ótimo início. Há pessoas que ficam satisfeitas com isso e há quem vá querer mergulhar um pouco mais a fundo para conhecer melhor os mais diversos sabores do café.
Allan Souza é Q-grader na Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas (COCAPEC), responsável pelo controle de qualidade da exportação, desenvolvimento do mercado de cafés especiais da cooperativa e instrutor de cursos de classificação e degustação de cafés convencionais pelo SENAR Minas. Para ele é possível treinar o sensorial para perceber as notas dos cafés. Ele sugere que comecemos com as dicas abaixo.
O que perceber em cada momento?
Allan explica que “inicialmente, as principais percepções a serem trabalhadas são fragrância [cheiro do pó seco] e aroma [cheiro do pó úmido]. Elas nos ajudarão a ter uma prévia do que estará por vir na degustação. Após esse primeiro contato com os cheiros exalados pelo café, aí sim notamos a doçura natural que o café tem, que será mais facilmente perceptível para quem ainda não está tão ambientado com esse formato de degustação.”
O segundo passo será buscar as demais percepções sensoriais existentes no café. “A começar pela sensação tátil, que é o peso que o café deixa na língua, sendo conhecido também como corpo. Outros aspectos a perceber são a intensidade da acidez e seu tipo e a finalização, que é a sensação que o café deixa na boca ao ser expelido”, comenta.
Allan recomenda que o degustador iniciante faça dessa maneira e, quando estiver ambientado com esses gostos e se sentir confiante, aí sim poderá adotar o protocolo SCA (o oficial usado pelos profissionais) para maior ter degustações mais precisas.
É possível treinar a percepção?
Pedimos também para o Renato nos falar como treinar e procurar uma sensibilidade maior nas provas. Para isso ele conta que primeiro se deve criar referências, pois somos expostos à análise sensorial a todo momento. Seja provando um drinque ou um prato de comida. Por exemplo, quanto de acidez existe em uma maçã? Como é essa acidez e como o seu organismo percebe essa característica?
Refletir sobre o que comemos e bebemos nos treina, e o acúmulo dessas informações na nossa “biblioteca” olfativa ajuda a entender o que estamos sentindo. Em segundo lugar, a sugestão é anotar tudo, isso ajuda a tornar a prova mais consciente.

Clientes e qualidade
Se aumentarmos o nível de percepção de qualidade da ponta final da cadeia do café, ou seja, entre os apreciadores de café, teremos que aumentar a qualidade dentro de todo o ciclo. Especialmente nas cafeterias e torrefações.
Perguntamos qual poderia ser o impacto dos clientes começarem a realizar cupping em casa para Allan. Ele comenta que acredita ser mais uma forma de difundir conhecimento e ampliar o consumo de cafés de qualidade para toda a cadeia produtiva. “Em conjunto com outras ações de conscientização, e preservando os pilares metodológicos de prova, certamente será algo a agregar para a cultura do café”, diz.
Renato ao ser perguntado sobre quais benefícios isso poderia trazer a um coffee lover, responde: “A prova consciente de um lote ajuda o coffee lover a entender melhor os próprios sentidos, a parametrizar o sensorial. Ele passa a provar o café e entender melhor o próprio paladar. Quando faço uma torra de batelada (um grande volume) para um café que será servido como espresso, a análise que adoto para avaliar se a prova está dentro do que espero é o próprio espresso. Assim também quando o café é torrado especificamente para ser preparado como coado, eu posso analisar no cupping, mas bato o martelo preparando esse lote no coado.”

Como pudemos ver, fazer cuppings em casa pode impactar o mercado em termos de exigência de qualidade ou até mesmo fortalecer e consolidar uma próxima onda do café na opinião de Allan.
“O cupping, me arrisco a dizer, é uma das etapas mais sólidas dentro dos processos do café. E essa modalidade tende a sair dos muros dos laboratórios, chegando ao consumidor final, pois cada vez mais o consumidor quer saber qual é a qualidade do café que está consumindo”, explica.
“O conhecimento em provas é necessário, para que, quando essa quarta onda se intensificar, cada vez mais tenhamos conhecedores dos processos do café. Isso dará solidez ao consumo de cafés de boa qualidade.”
Sabemos que o cupping ainda se encontra muito restrito e desconhecido, mas, conforme as exigências e a curiosidade dos consumidores forem evoluindo, podemos esperar que a indústria do café terá que lidar com um mercado mais antenado e mais exigente.
Mas, por hora, que seja algo divertido, de utilidade a fim de compartilhar experiências, risadas e bons cafés.
Créditos arte: Júlia Szabó.
Créditos fotos: Allan Souza (destaque, Allan no cupping e detalhes cupping); Divulgação FAF Coffees (Renato despejando água e no cupping).
PDG Brasil
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