O que faz um coffee hunter?
Os cafés são especiais não somente nas classificações, mas também nas histórias que trazem junto. Em suas viagens, o coffee hunter não está lá apenas para provar café e escolher alguns lotes, mas também para conhecer as histórias, famílias, parcerias e amizades que acompanham o café.
O objetivo final é que o cliente tenha uma excelente experiência em sua casa e que possa compartilhar desses momentos de prazer com o café que escolheu. Mas entender como ele chegou até o empório da cafeteria é um prazer que acompanha muitos bebedores de café especial e faz parte desse ritual diário.
Essas viagens são prazerosas de inúmeras formas, mas também há desafios presentes. O PDG Brasil conversou com especialistas para poder entender um pouco sobre o que acontece por trás das cortinas e revelar com base em experiências reais como é feito esse processo de seleção e curadoria de cafés.
Você também pode gostar de O que faz um Q- Grader?

O que faz um coffee hunter?
Como o próprio nome já diz, a função é caçar cafés, mas como funciona, quais são os planejamentos, riscos e prazeres? Detalhes desconhecidos para muitas pessoas e até mesmo para baristas.
Como um café incrível de produção limitada foi encontrado e comprado para chegar até a cafeteria que você frequenta? As opções são diversas, há produtores que vão até as cafeterias oferecendo seus cafés ou entram em contato por telefone, há torrefações que fazem esse serviço para cafeterias e já cuidam da torra dos cafés e há cafeterias que saem em busca desses cafés com o coffee hunter.
Edgard Bressani é CEO na Latitudes Grand Cru Coffees, com formação em Direito, Jornalismo e MBA em Administração com ênfase em Marketing. Possui marcos memoráveis dentro da indústria do café, tendo passado pelo comitê do World Barista Events (WBE), representante da Specialty Coffee Association (SCA), participações importantes em outras diversas empresas e associações brasileiras e internacionais e autor do livro “Guia do Barista”.
Ele nos conta que: “Um ‘coffee hunter’, como diz a tradução do termo, é um caçador de cafés, ou seja, um profissional que viaja pelo país e que acessa lotes para seu negócio ou ainda atua como um intermediário buscando cafés para outras empresas. Nessa busca, estão cafés de todos os métodos de preparo de pós-colheita e com diferentes pontuações. É uma experiência incrível. Costumo sempre usar a frase em meu material de marketing: ‘Cada café conta uma história’. E essas histórias também são passadas aos compradores que querem saber mais sobre os lotes, os processos e produtores.”
Além de ter essa vontade de viajar e conhecer o trabalho no campo, a pessoa precisa estar habilitada para poder desenvolver esse trabalho e tirar proveito de forma correta do que está sendo apresentado para ela.

Fábio Pereira é sócio proprietário da cafeteria e microtorrefação Urbe Café, localizada no centro de São Paulo (SP), além de ser produtor de cafés especiais na região da Alta Mogiana, com formação em Veterinária e com pós-graduação em Agronegócio – FGV/RJ.
Ele diz: “Acredito que a qualificação inicial é saber provar muito bem cafés e perceber detalhes que fazem um café ser diferente de muitos outros da mesma região. Às vezes percebo uma característica em comum entre cafés dessa região, que faz um local, uma vertente ser tão especial. Mas não para por aí: o profissional precisa ter a habilidade de perceber as pessoas que estão por trás daquele produto, saber cativar e cultivar esse relacionamento. Café especial não se faz sem relacionamento, confiança e continuidade”.
Edgard também reforça a confiança como ponto primordial desse relacionamento construído entre o coffee hunter e os produtores e as produtoras. “Há entre as várias partes várias obrigações e deveres. Há compromisso de entregar o que foi provado como amostra, no tipo acordado no momento da venda, na peneira certa. É preciso pagar por aquele lote. Pagar um valor justo! É importante também promover a fazenda.”
E a parceria é construída durante toda a safra. “Não basta apenas provar o café após a colheita. É importante acompanhar os produtores ao longo do ano, saber como está indo a safra e desenvolver projetos juntos, focando na qualidade”, explica Edgard.
Saber exatamente o que está procurando é um atributo essencial para esse profissional, ou seja, ter foco e ser assertivo na compra do café. “É preciso pensar no consumidor. Quem vai tomar esse café? O coffee hunter precisa saber ofertar o produto certo para cada bebedor de café”, diz Fábio.

Desafios e pandemia
Apesar de ser uma atividade que faz brilhar os olhos de muita gente, há também muitas dificuldades a serem consideradas.
Custos de viagem, aumento do preço da gasolina, estrada, passagens, tempo e a pandemia causada pela Covid-19 e suas variantes criaram cenários desfavoráveis para quem se dedica a esse ofício.
Silvia Magalhães é proprietária do SM Cafés, torrefação e e-commerce de cafés especiais e blends exclusivos criados pela especialista, foi mestra de inúmeros nomes no mercado e é a brasileira com uma das melhores classificações no World Barista Championship (WBC).
Ela nos conta como foi o impacto da pandemia em suas caçadas. “Não tivemos viagens nem visitas durante esse período. Então as provas de cafés e os garimpos eram feitos por meio dos contatos que já tínhamos.”
Ainda completa dizendo que: “Os gastos não são baixos. Às vezes, pode acontecer de viajarmos e não encontrarmos nenhum café dentro do que estamos procurando”.

Para Fábio Pereira, no início da pandemia o susto foi exatamente esse. “Como visitar e provar tantos cafés e evitar a doença? Mas, com o tempo, entendemos a doença e conseguimos minimizar o problema.”
Edgard Bressani ressalta ainda algumas dificuldades que já enfrentava antes da pandemia por comandar uma empresa que exporta cafés brasileiros para diversas regiões do mundo. “O Brasil é um país de dimensão continental e possui 33 regiões produtoras. Então visitar mais de 30 regiões no período de colheita apenas seria impossível. Então nem sempre é possível ir até a fazenda todos os anos. Mas nem é preciso. Com as conexões feitas, o envio de amostras vai acontecendo, e as compras são consequência. No meu caso, os cafés vão para mais de 30 países, fruto de um extenso network feito ao longo dos mais de 20 anos de carreira.”

Valorização, imagem e relacionamentos
Podemos perceber que o ciclo somente se completa quando há respeito e cuidado com um relacionamento saudável entre todas as partes para que seja possível a continuidade dos negócios e dos relacionamentos. Para um coffee hunter levar adiante esse trabalho e conseguir fechar o ciclo de consumo, é preciso estar atento a esse aspecto.
“O trabalho de um coffee hunter acaba trazendo para a mídia o trabalho do produtor, e mostra o potencial dos seus cafés na ponta, isso acaba valorizando seu trabalho. Quando um coffee hunter vai atrás de um produtor e compra seus cafés, normalmente o valor pago por uma saca é superior ao praticado pelo mercado, então o produtor acaba ganhando com isso de diversas maneiras”, explica Silvia.
Com uma cafeteria antiga no mercado e que já sustenta esse trabalho há anos, Fábio considera que é um processo evolutivo e ainda temos muitos passos a dar nesse sentido. “O consumidor vem amadurecendo na sua percepção de qualidade nos alimentos no Brasil: isso está ligado com uma melhora da economia e portanto cresce e cai. Sempre que a economia varia, a sociedade sente isso rapidamente. Agora, o ‘valor’ dado ao produto vai além da qualidade, passa pela origem, pelas pessoas que produziram aquele café. Aos poucos, isso tem aparecido e tem sido valorizado. Cabe ao cliente perceber o que é marketing e quem faz isso como princípio de verdade.”
Edgard Bressani concorda que a cafeteria ou torrefação que trabalha olhando para esse aspecto tem um diferencial. “É super positivo para o negócio de café, seja cafeteria ou torrefação, buscar seus grãos aliando a uma busca de conhecimento e garimpando os melhores cafés para oferecer aos clientes.”

5 dicas essenciais para quem quer se tornar coffee hunter
Para as pessoas que almejam viajar e cultivar essa profissão, Silvia Magalhães destaca algumas dicas:
- Aprenda a provar;
- Aprenda a torrar;
- Participe de feiras;
- Participe e visite concursos;
- Não deixe de visitar os produtores.
Silvia ressalta que a pessoa que tiver interesse em seguir essa carreira deve começar como provador de cafés e buscar os escritórios de compra e venda de cafés ou se quiser, podem ter sua própria torrefação e daí fazer a procura (em inglês, “hunting” ou “sourcing”) dos seus cafés.
Edgard Bressani também nos dá sua opinião falando que se deve aprofundar no conhecimento em café. Não só aprender a provar, mas também a torrar e preparar cafés. Assim estará mais preparado para saber o potencial dos lotes que encontra e qual destino pode ser dado a cada um, conectando um comprador que gosta daquele tipo de café com aquele lote específico encontrado.

Cada um como indivíduo ou empresa irá escolher como realizar da melhor forma possível esse trabalho, com suas peculiaridades e valores próprios.
O importante é não esquecermos o real propósito e os valores que acolhemos no meio do café especial: respeito, dignidade e honestidade que promovem um ciclo saudável dentro dessa indústria de ponta a ponta e fortalecendo todos os elos.
Crédito: Café Rabelo (destaque); Divulgação Latitudes Grand Cru Coffees (Edgard Bressani com cafés no terreiro suspenso); Divulgação Urbe Café (Fábio Pereira em fazenda na Alta Mogiana, em visita à Aprod, em Divinolândia e fazendo cupping); Divulgação Silvia Magalhães (Silvia faz cupping na origem com seu sócio Bruno Lobo).
PDG Brasil
Quer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!