Perigo na máquina de espresso: casos de terror da falta de higiene
A manutenção de uma máquina de espresso profissional é uma etapa vital para o funcionamento apropriado do maquinário, e influencia o nível de qualidade da extração final do café. Devido ao volume intenso de preparação do café espresso em máquinas profissionais, a etapa da limpeza tende a ser menosprezada.
A desinformação quanto à limpeza apropriada influencia negativamente não só a vida útil do maquinário, como também gera riscos à saúde do consumidor e da equipe da cafeteria.
O PDG Brasil conversou com especialistas em manutenção e limpeza de máquinas de café espresso para explorar o perigo das más práticas. E não foi difícil achar exemplos “assustadores”. Os especialistas também indicam quais seriam as etapas essenciais a serem incorporadas na rotina dos baristas para evitar prejuízos futuros.
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Máquinas de espresso e manutenção
Uma xícara de espresso recém-tirado é produto de uma série de mecanismos e processos químicos complexos. Além da qualidade do pó e da aǵua, e da regulagem justa pelas mãos do barista, há um maquinário composto de diversas peças com funções específicas, que devem funcionar de forma harmônica.
A manutenção das peças, portanto, é essencial, e grande parte dessa etapa consiste nos processos de limpeza específicos para cada uma. Como uma sinfonia, negligenciar qualquer etapa “desafina” o produto final, que é o café espresso. “Entender o caminho que a água percorre no equipamento é fundamental para quem prepara cafés no dia a dia”, explica Alex Pereira, técnico de maquinário, barista e consultor da La Marzocco Brasil.
Isso sem contar que más práticas danificam o maquinário e geram custos de reparação. Para evitar isso, o processo de limpeza de cada máquina começa com as instruções fornecidas pelos fabricantes, que variam de modelo a modelo.
Mas não basta seguir apenas as funções automatizadas dos programas de limpeza e manutenção embutidos nas máquinas: esses processos são insuficientes para garantir que dejetos acumulados, como calcário e resíduos de leite, por exemplo, eliminem propriamente a proliferação de bactérias prejudiciais à saúde a médio-prazo.

A limpeza e a saúde
De acordo com um estudo publicado em 2011 da NSF International, uma ONG norte-americana que testa produtos de consumo para avaliar potenciais riscos à saúde, o reservatório de uma máquina de espresso suja pode hospedar mais bactérias do que, por exemplo, brinquedos de animais de estimação, e a alça de descarga de um banheiro público.
Segundo explica Bruno Lobo de Mesquita, consultor, barista e afinador de máquinas de espresso, quando não se executa na frequência justa o backflush, isso acarreta que o conjunto das peças – porta-filtro, peneira, biqueira, a tela do grupo e o grupo – desenvolva dejetos que se transformam em uma espécie de “cola de café” que se espalha no interior da máquina, e a transforma no habitat perfeito para a proliferação de bactérias. “Isso gera um gosto péssimo, que afeta o gosto da bebida 100%”, diz ele.
“Muita gente esquece que o café é um produto alimentício e, se o equipamento não for bem cuidado, acabará parando de funcionar e pode deixar você seriamente doente”, explica Edwin Harrison, proprietário da Artisan Coffee e da Artisan Coffee School em Londres, e especializado em limpeza de maquinários.
E essa regra também se aplica às máquinas caseiras de café. Por exemplo, deixar o pó usado no equipamento até a feitura do próximo é um péssimo hábito.
Edwin diz que existe uma certa “lenda urbana” quando se trata de uma suposta “proteção” contra bactérias nocivas que o café torrado proporciona. Ele diz que muita gente acredita que a acidez do café torrado seria suficiente para eliminar a interação de substâncias prejudiciais à saúde, o que definitivamente não acontece.

Espresso ‘biohazard’: os perigos escondidos à saúde
“Acredito que a falta de higiene dentro do ambiente de trabalho de uma cafeteria pode afetar e muito a saúde de funcionários, que no caso são os primeiros a provar esses cafés no dia a dia, e se não existir um processo de higienização correta pode afetar sim a saúde de todos”, diz Alex.
Além do mau-gosto e do dano lento infligido ao maquinário, as bactérias e germes nocivos que passam para a bebida causam alergias e infecções respiratórias, e também afetam a saúde digestiva. Esses fatores também explicam muito da má-fama que o café espresso carrega: de fazer mal para o estômago e causar “desarranjos” no trato intestinal.
Tanto Alex quanto Bruno já presenciaram casos assustadores de falta de higiene, da simples sujeira melecosa acumulada nos porta-filtros a situações de formação de fungos imensos dentro da gaveta de borra.
A “cola maligna” derivada dos óleos produzidos pelo café tem um aliado poderoso na vilania causada pela sujeira: o calcário.

A importância da água e o problema do calcário
A água compõe cerca de 98% da fórmula do café espresso. Alex explica que a água é o elemento principal para o funcionamento harmônico das peças que compõem o maquinário.
Para Alex, o principal perigo quanto à água, quando se trata do maquinário de café, ocorre dentro da caldeira, que com o passar do tempo acumula calcário, e como consequência contamina a água. “Especialmente quando se tratam de máquinas nas quais a água fica dentro da caldeira para o preparo do café, pois existem outros sistemas, como os trocadores de calor, cuja função é permitir que haja uma circulação mais frequente de água”, diz ele.

O calcário explicado
Quanto ao calcário, trata-se de um sedimento encontrado na “água dura”, termo que se usa para designar a água com níveis elevados de cálcio, ferro e magnésio, que não são completamente solúveis mesmo em altas temperaturas.
O calcário em si é resultado da sedimentação espontânea de sais de cálcio na água. O ideal seria que a água usada no preparo do café fosse “macia”, ou seja, cuja composição de cálcio, ferro e magnésio é equilibrada a ponto de evitar a formação do calcário.
Bruno explica que o acúmulo de calcário, e da sujeira em geral, “bloqueia” o fluxo da água, o que danifica o funcionamento do maquinário (de qualquer tipo, inclusive em boilers e chaleiras para preparo de pour-over) sem a limpeza constante.
É importante salientar que cálcio, ferro e magnésio não são o problema, e sim o desequilíbrio do nível desses na composição da água.
Assim como Bruno, Edwin prega a “prevenção” como a melhor estratégia, já que o acúmulo de calcário pode ser evitado com o uso de água mineral filtrada ou água destilada.
“As máquinas de café espresso vêm com instruções sobre como lidar com o calcário, mas, nesse caso, a prevenção é de longe a solução mais econômica, porque você pode eventualmente precisar pagar um técnico para descalcificar sua máquina”, explica Edwin.

Boas-práticas de limpeza na máquina de espresso
Conheça algumas dicas e sugestões para uma boa higiene do maquinário.
Investir na qualidade da água
Segundo Bruno, Edwin e Alex, é essencial haver um bom filtro de água, para evitar a calcificação da máquina.
“Não cuidar da qualidade da água com um sistema de filtragem adequado pode sim ser o principal erro que um dono de cafeteria pode cometer”, diz Alex.
Haste de vapor
“A cada vaporização, deve-se higienizar corretamente a haste, para assim remover todo o resíduo de leite”, explica Alex. Ele diz que é essencial se certificar que o leite ‘novo’ não entre em contato com o leite ‘velho’.
Filtros e porta-filtros: limpeza diária
Os filtros e os porta-filtros devem ser limpos diariamente, ou até mais de uma vez ao dia, dependendo do volume de uso da máquina.
“Trocar o filtro na data correta indicada pelo fabricante é vital, e não fazê-lo significa que não há a devida preocupação quanto à qualidade final do café”, diz Alex.
Bruno indica deixar os porta-filtros de molho com produtos específicos de limpeza ao término do dia.
Ducha e difusor: limpeza trabalhosa, mas essencial
Bruno sugere que a ducha do grupo e difusor sejam desmontados diariamente, se possível ao fim do dia. A retrolavagem (backflush) deve ser feira no mínimo uma vez por dia, e a frequência depende do volume de extrações.
Moinho e lâminas: limpeza a seco
A recomendação de Bruno é a de que todos os dias o moinho seja esvaziado e desmontado completamente. A limpeza deve ser concluída com o auxílio de um aspirador de pó que tenha bocais apropriados.
Todos os mês, as lâminas do moinho devem ser retiradas e limpas a seco.
Caldeira
A água da caldeira deve ser trocada uma vez por semana, se possível. Algumas máquinas possuem a função de automatizar esse processo.
“Não adianta nada ter uma ‘super-máquina’ e um moinho caro e não cuidar da qualidade da água”, explica Alex.

Por fim, Alex recomenda aos donos de cafeterias que se atentem ao funcionamento específico de cada peça que compõe a máquina de espresso antes mesmo de a comprarem. “Indico pesquisar na hora da compra do equipamento quais são as peças fundamentais, e qual o tempo de uso indicado de cada”, diz ele, que acredita ser esse o primeiro passo quanto à prática de manutenção preventiva.
Alex ressalta que é essencial levar em consideração desde o início que os equipamentos se desgastam com o passar dos anos, e o bom funcionamento e durabilidade das peças depende fundamentalmente da rotina de limpeza e manutenção corretas. Ele diz que a desinformação é a maior causa de problemas para os donos de cafeterias, pois há uma crença errada de que equipamentos mais caros demandam menos cuidados.
“Muitos clientes acham caro chamar um técnico especializado para reparar o equipamento, e se assustam quando chega o valor do orçamento do reparo de cada peça, pois a maioria é produzida fora do Brasil”, alerta Alex.
Evitar danos à saúde, danos ao maquinário, danos ao bolso, e danos quanto à credibilidade da cafeteria, dependem de três elementos vitais: limpeza, água tratada e manutenção correta.
Créditos: Kevin Butz/Unsplash (destaque); Bruno Lobo (antes e depois manutenção; bolor; antes e depois porta-filtro) e Alex Pereira (tela e difusor dos grupos sujos; filtro e torre de água; caldeira suja de calcário).
PDG Brasil
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