Como fortalecer a sustentabilidade do café do Brasil?
ESPECIAL CARBONO E REGENERAÇÃO PDG BRASIL*
No Brasil cerca de 330.000 produtores contam com o café como sua principal fonte de renda, buscando equilibrar as exigências de segurança alimentar, as dificuldades da crise climática e o aumento do custo de produção. Em meio a tamanha complexidade, soma-se a esse contexto ainda a crescente demanda mundial por produtos que atendam aspectos ambientais e sociais e a sustentabilidade do café do Brasil ganha nova importância.
No último ano, por exemplo, a cadeia produtiva de carne no Brasil enfrentou embargos de diversos países por questões ambientais e sanitárias. Para reinserção no mercado internacional, foi necessário demonstrar cumprimento das legislações pertinentes, comprovar que não estavam sendo utilizadas áreas oriundas de desmatamento ilegal, bem como adotar ações de promoção com o intuito de dar visibilidade ao consumidor acerca do cumprimento de tais exigências.
Embora desafiador, esse novo cenário pode ser visto como oportunidade, já que possibilita a incorporação de novos atributos de qualidade e consequente agregação de valor a tais commodities. No entanto, dada a realidade dos produtores brasileiros, questionamos se não seria apropriado aprovar iniciativas que propagam a complexidade da biodiversidade brasileira, bem como dividir a responsabilidade do custo financeiro na preservação do patrimônio ambiental.
Pensando nisso, o PDG Brasil conversou com produtores e instituições, como o CNC (Conselho Nacional do Café) e o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), para entender o que está sendo feito para fortalecer a sustentabilidade do café brasileiro.
Você também pode gostar de ler 10 formas fáceis e rápidas de reduzir o uso de agrotóxicos na lavoura.

Desenvolvimento sustentável aplicado ao café
O Relatório Brundtland, que foi elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, já apontava para a necessidade de uma nova relação “ser humano-meio ambiente”. O questionamento sobre a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo demonstrou que, para garantir a existência da sociedade no longo prazo, fazia-se necessária a adoção de medidas que englobassem a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais, bem como a simetria econômica e social.
Considerando o ecossistema cafeeiro, o Brasil encontra-se em vantagem com relação a outros países produtores quando se fala de sustentabilidade, devido às suas rígidas legislações ambientais e trabalhistas. Normas que abrangem a proibição do trabalho infantil, segurança e direitos dos trabalhadores, descarte apropriado dos produtos químicos, uso correto de água para irrigação, uso correto e seguro de produtos fitossanitários, limites para desmatamento são alguns dos tópicos já regulamentados e difundidos no país.
Para Flávia Monteiro, produtora de café responsável pela fazenda Nova Fortaleza, em São Gonçalo do Sapucaí, Mantiqueira de Minas (MG), a adoção de algumas práticas sustentáveis pode auxiliar no controle e resultados da propriedade.

Segundo ela, desde quando modificou o uso de máquinas e implementos, evitando trabalhar com o terreno úmido, conseguiu diminuir drasticamente o efeito de compactação do solo, alcançando assim a máxima absorção de água e nutrientes e minimizando ao máximo a perda de eficiência dos adubos. Gerando alta produtividade, menores custos e sustentabilidade.
“Nosso empenho em adotar a preservação de nascentes, APPs (áreas de preservação permanente) e reserva legal acima do exigido não é somente para atender à legislação, mas, principalmente pela consciência, paz e alegria na preservação da fauna, flora e água. Bem como mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Cuidando para manter nosso microclima saudável geramos sustentabilidade’’, explica.
Flávia é um exemplo de que o desenvolvimento sustentável aplicado aos produtores de café é reflexo da adoção de boas práticas produtivas e cumprimento de legislações vigentes em âmbito nacional.
No entanto, até que ponto o desenvolvimento sustentável e a segurança alimentar estão associados e em equilíbrio com os pilares econômicos?

Restrições no café
Em 2021 o Brasil exportou 40,4 milhões de sacas de café, com receita de US$ 6,2 bilhões, tendo a Alemanha, a Itália e a Bélgica, respectivamente como segunda, terceira e quarta posição considerando os principais destinos dos cafés brasileiros, segundo dados do Cecafé. Vale dizer: somente esses três países representaram 30,52% de todo o café brasileiro exportado no ano. Portanto, considerando a União Europeia como a mais representativa região importadora de café brasileiro, qualquer embargo seria muito prejudicial.
Há alguns anos o limite regulatório para os níveis do glifosato na produção de café vem sendo um tópico em destaque no cenário mundial. O glifosato, que é considerado o agrotóxico mais utilizado no país e no mundo, e apontado por alguns como responsável pelo desenvolvimento de câncer e deformidades, deveria ter sido banido na União Europeia (UE) em 2018, mas essa ação foi prorrogada até 31 de dezembro de 2023.
E embora, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos tenha reafirmado que o glifosato “é um produto seguro”, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e outros órgãos reguladores europeus como a Agência Europeia das Substâncias Químicas (ECHA) declarado a “improbabilidade de que o glifosato cause câncer em humanos”, o Ministério do Meio Ambiente alemão já vem adotando estratégias para redução sistemática do uso de glifosato.
Portanto, iniciativas de embargos já estão sendo consideradas mundialmente. Quais seriam então as iniciativas adotadas para proteção e fortalecimento da sustentabilidade dos cafés brasileiros para não ser incluído em embargos?

Iniciativas de promoção do café brasileiro como sustentável
Assim como Flávia, milhares de produtores brasileiros têm em suas propriedades diversas práticas que garantem bons níveis quando avaliados os aspectos de sustentabilidade. É um um sinal concreto da busca pela consciência da lavoura à xícara e do posicionamento do café brasileiro como sustentável.
Para além dos produtores, algumas instituições de âmbito nacional também têm feito a lição de casa e se posicionado em relação ao tema, seja com certificações e selos, seja com ações que promovem as boas práticas.
Como o Brasil além de ser o maior produtor e exportador de café mundial é também o segundo maior consumidor, já em maio de 2007 a ABIC (Associação Brasileira da Indústria de Café) lançava o PCS (Programa Cafés Sustentáveis do Brasil). O objetivo foi ampliar a oferta e a demanda por cafés que comprovadamente foram produzidos e transformados de acordo com práticas sustentáveis, atendendo assim os requisitos econômicos, sociais e ambientais.
Para fortalecer a imagem sustentável da cafeicultura brasileira mundialmente, o Cecafé tem se debruçado firmemente sobre o tema já há alguns anos. A entidade atua na capacitação de produtores voltada à gestão ambiental, ao cuidado com os recursos naturais, às boas práticas e ao uso correto e seguro dos insumos agropecuários.
Para Marcos Matos, diretor geral do Cecafé, os cafés do Brasil são cultivados em dezenas de regiões produtoras sob o respeito aos critérios ESG, da governança socioambiental. “O amplo consumo dos nossos cafés nos mais diversos cantos do mundo promove o desenvolvimento humano, medido pela renda, longevidade e nível de educação nas regiões produtoras do Brasil.”
“Estamos ajudando a evidenciar a diversidade, as qualidades e, principalmente, a sustentabilidade da cafeicultura brasileira pelo globo. A participação em fóruns de discussão, feiras, exposições, palestras, em permanentes diálogos com governos, clientes, redes varejistas, ONGs e consumidores demonstram nossa missão e o empenho em elucidar o comprometimento do Brasil com a produção de cafés sustentáveis”, destaca.
Em dezembro de 2021 aconteceu também o lançamento do Programa Café Produtor de Água, iniciativa gerida pelo Conselho Nacional do Café em parceria com governos estaduais, municipais, estatais, empresas privadas e cooperativas.
O programa tem um viés ambiental e econômico, já que prevê a adoção de práticas e manejos conservacionistas que contribuem para melhoria da cobertura vegetal e aumento da infiltração de água no solo, bem como remunerar os produtores pelos serviços prestados em prol do meio ambiente e sociedade.
Segundo Natalia Carr, assessora técnica responsável pela coordenação técnica do conselho do Comitê de Sustentabilidade do CNC, “o PSA (Pagamento por Serviço Ambiental), adotado no projeto, baseou-se na premissa de que, embora os benefícios advindos do uso das boas práticas ultrapassam as fronteiras das propriedades rurais e sejam sentidos por toda a cadeia de abastecimento e sociedade, a responsabilidade não era compartilhada, já que os esforços e custos sempre foram diretos e exclusivos aos produtores’’.

Para atender uma demanda cada dia mais exigente com relação aos critérios de sustentabilidade, faz-se necessário constante envolvimento e promoção das instituições brasileiras. É importante entender que os produtores e as empresas precisam de insights para manter e adotar novas estratégias que atendam aos critérios da governança socioambiental.
No campo, para se desenvolver de forma sustentável, é necessário que os três principais pilares, social, econômico e ambiental, coexistam e interajam entre si de forma harmoniosa e construtiva. Logo, para o cafeicultor, o respeito às legislações ambientais e sociais deve estar em equilíbrio com os benefícios econômicos de comercialização de seu produto.
As organizações estão se tornando mais conscientes com relação à governança socioambiental e que muitos produtores brasileiros já adotam boas práticas sustentáveis. Para que eles possam adotar outras ações de conservação e/ou recuperação do meio ambiente, em especial aos recursos naturais inseridos em suas propriedades, são necessárias cooperação e colaboração, compartilhando custos e esforços. Assim, o café do Brasil terá força para consolidar sua relevante atuação como protagonista na produção sustentável de café no mercado global.
*Este artigo faz parte do ESPECIAL CARBONO E REGENERAÇÃO – PDG BRASIL. O especial, que reúne os artigos sobre temas ligados às emissões de carbono e à agricultura regenerativa, faz parte do compromisso do PDG Brasil em fortalecer um conteúdo que contribua com a preservação e a regeneração da natureza na produção de café. Acompanhe outros artigos publicados sobre o tema na editoria Sustentabilidade.
Créditos: Divulgação Fazenda Nova Fortaleza (destaque, café no terreiro e Área de Preservação Permanente); Rodrigo Tagliaro (navio); Divulgação Cecafé (evento na Itália e porto).
PDG Brasil
Quer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!