Dá lucro produzir café sustentável?
ESPECIAL CARBONO E REGENERAÇÃO – PDG BRASIL*
No setor cafeeiro de hoje, a palavra “sustentável” está sendo usada com uma frequência cada vez maior. Mais do que nunca, marcas e empresas estão percebendo o impacto social, econômico e ambiental da produção de café. Mas por que produzir café sustentável?
Parte da razão pela qual a sustentabilidade está se tornando cada vez mais um foco é a crescente discussão em torno das mudanças climáticas. Na indústria do café, já vimos relatos de que a mudança climática está ameaçando a quantidade de terra usada para cultivar café e forçando os agricultores a “subir mais” em busca de temperaturas ideais para o cultivo do arábica.
Para os produtores de café, essa é, compreensivelmente, uma grande preocupação. Mas o foco na sustentabilidade geralmente começa na origem, o que significa que há mais pressão do que nunca sobre os agricultores para cultivar café sustentável. Isso também representa um custo em muitos casos – o que significa que pode afetar a lucratividade da fazenda.
Para saber mais sobre a produção de café ambientalmente sustentável e sua relação com a lucratividade, conversamos com duas pessoas da Yara e uma pesquisadora da UFLA (Universidade de Lavras). Continue a ler para descobrir o que eles disseram.
Você também pode gostar do nosso artigo sobre qualidade, lucratividade e nutrição de safras para cafeicultores.

Sustentabilidade ambiental e a produção de café
A dra. Katharina Plassmann é uma cientista sênior Yara. “A definição de sustentabilidade abrange seus aspectos ambientais, sociais e econômicos”, diz ela. “Portanto, para alcançar a verdadeira sustentabilidade, você precisa abordar tudo isso de forma holística.”
“Mas, fundamentalmente, nossa economia depende da natureza”, acrescenta. “Portanto, uma economia saudável não é possível sem um ambiente saudável – certamente não no longo prazo.”
Na produção de café, vimos isso tomar forma de várias maneiras. No entanto, muitas vezes, começa com produtores, fazendas e outras organizações calculando suas emissões de carbono usando algo chamado de rastro de carbono.
O rastro de carbono de uma empresa ou organização é a quantidade total de emissões de CO2 em comparação com o CO2 que elas absorvem por vários meios.
Thais Regina de Souza é pesquisadora sênior com foco em fertilidade do solo, nutrição de plantas e drenagem na Yara.
“As organizações precisam atuar e contribuir para a estabilidade socioeconômica e ambiental equilibrada”, afirma. “Isso significa manter a qualidade de vida dos agricultores, maximizar o bem-estar social e melhorar a sustentabilidade ambiental.”

Minimizando o rastro de carbono para produzir café sustentável
Então, agora que sabemos que é importante minimizar a pegada de carbono do café, como fazemos isso?
Em primeiro lugar, é importante reconhecer que, embora haja pressão sobre os cafeicultores em todo o mundo para produzir café sustentável, o restante do setor também tem a responsabilidade de fazê-lo. O setor cafeeiro não envolve apenas agricultura; a cadeia de suprimentos é complexa e longa, com atores que podem se concentrar em ser mais sustentáveis.
Pensando nisso, certamente existem ações que os produtores de café podem realizar. Os cafeicultores usam energia e emitem CO2 quando plantam, fertilizam, colhem e despacham seu café.
Felizmente, como os cafeeiros são perenes, eles fotossintetizam ao longo do ano, o que significa que absorvem CO2 da atmosfera e liberam oxigênio. Eles também não precisam ser replantados após cada colheita (como outras culturas, como soja, milho ou arroz). Isso ajuda a equilibrar a pegada da produção de café; no entanto, nem sempre é suficiente.
Alguns produtores cultivam seu café entre árvores que dão sombra, em um sistema conhecido como agrossilvicultura, que traz benefícios tanto para a qualidade do café quanto para o impacto ambiental da fazenda. Mas o que mais os cafeicultores podem fazer?
O professor Douglas Guelfi é pesquisador agronômico da UFLA. Ele fala sobre o conceito de economia circular, que é onde resíduos e subprodutos são levados e reaproveitados em um esforço para melhorar a sustentabilidade ambiental.
“Esses subprodutos vêm principalmente do processamento, como casca de café e água residual”, diz ele. “Muitos agricultores tentam incorporar isso em algum outro processo dentro da fazenda, ou usá-los externamente.”
Por exemplo, a casca do café pode ser convertida em biocombustível, enquanto a água residual pode ser tratada em uma instalação e reutilizada.
“Pensamos em ter um sistema de produção e estratégia de fertilização que não perca tantos nutrientes no processo”, diz Douglas. “Isso é eficiência e, em última análise, utilizar os recursos de forma mais eficiente melhora a sustentabilidade.”

Como eliminar os resíduos de forma sustentável
Uma das primeiras coisas que as fazendas podem fazer para minimizar sua pegada de carbono e produzir café sustentável é procurar maneiras circulares de reutilizar seus resíduos.
Por exemplo, vejamos as águas residuais do café – um subproduto do processo de produção. As águas residuais são geradas quando as cerejas de café são lavadas e classificadas, bem como durante o processamento da lavagem.
Depois de passar por esses processos, as águas residuais apresentam altos níveis de potássio e podem causar danos ao meio ambiente se não forem descartadas de maneira adequada.
Douglas diz: “Existem duas soluções para isso, pelo que eu já vi. A primeira é usar a água residual como fertilizante com alto teor de potássio para as plantações ao redor da via úmida”.
Para isso, basta o produtor fertilizar (ou fertigar) com essa água, tomando o cuidado de utilizar volumes que não prejudiquem sua lavoura.
Outra forma, segundo ele, é aproveitar o residual para dar suporte à produção de composto. Em ambos os casos, porém, a água é reintroduzida no meio ambiente, o que limita o desperdício e ajuda o produtor a ser mais sustentável.
Aplicação correta de fertilizantes
Embora isso possa não parecer um grande problema, o uso indevido de fertilizantes, na verdade, tem um enorme impacto econômico e ambiental, especialmente no caso de aplicação excessiva.
“O excesso de nutrientes representa desperdício, assim como todas as emissões de gases de efeito estufa relacionadas à produção”, diz Katharina. “É preciso considerar as emissões necessárias para transportar o fertilizante da fábrica para a fazenda, que não estão vinculadas a nenhum tipo de rendimento ou melhoria de qualidade se o fertilizante for mal aplicado.”
“Cortar esse excesso não reduz os rendimentos, mas melhora o desempenho ambiental de uma fazenda.”
Katharina também destaca a importância do manejo da saúde do solo. Um solo saudável com um programa de nutrição apropriado será mais sustentável a longo prazo, e melhorar o manejo de fertilizantes nesse aspecto pode ajudar a monitorar a fazenda e reduzir sua pegada de carbono.
“Melhorar a aplicação de fertilizantes para alcançar maior eficiência de nutrientes reduz o rastro de carbono do produto porque menos nutrientes são usados por unidade de produção colhida”, explica ela. “Se as taxas de aplicação de fertilizantes forem reduzidas em uma fazenda, isso reduzirá as emissões totais de gases de efeito estufa dessa propriedade.”
É por isso que é importante implementar ferramentas que ajudem os agricultores a aplicar na taxa certa e usando a fonte certa. Thais conta como a Yara implementou várias ferramentas para apoiar os produtores de café nessa área.
“Nossas equipes técnicas fornecem recomendações nutricionais com base em resultados científicos de testes de longo prazo”, diz ela. “Além disso, nosso foco crescente em bioestimulantes, fertirrigação, sistemas agrícolas integrados e ferramentas digitais expandem ainda mais nossa oferta de soluções regenerativas.”
Douglas também observa que usar o fertilizante certo é tão importante quanto aplicá-lo corretamente, especialmente quando se trata de fertilizantes de nitrogênio.
“O fertilizante convencional menos eficiente para o café seria a ureia”, diz ele. “Também sabemos que a eficiência está intimamente ligada à sustentabilidade, porque todos esses fertilizantes têm uma pegada de carbono.”
Se aplicado incorretamente, até 40% do nitrogênio aplicado ao solo por meio da ureia pode ser volatizado em gás e efetivamente “perdido”.
A escolha do fertilizante certo também é importante para os cafeicultores. Por exemplo, os nitratos são a forma mais eficiente de fertilizante de nitrogênio, o que significa que eles representam a menor perda e, portanto, têm o menor impacto ambiental.

Usando fertilizante “mais limpo”
Além de aplicar fertilizantes corretamente, Thais me diz que os produtores também podem usar fertilizantes que simplesmente têm uma pegada de carbono menor. Ela diz que a Yara oferece soluções de fertilizantes de nitrato, que são muito mais eficientes. Ao usá-los, os produtores minimizam a pegada de carbono do uso de fertilizantes e, portanto, de sua fazenda.
Ela também observa que suas fábricas estão tomando duas ações específicas para minimizar o rastro ambiental de seus insumos agrícolas.
A primeira é o uso de catalisadores nas chaminés de suas fábricas. Segundo ela, até 2023, eles deverão conseguir reduzir a emissão de óxido nitroso, um gás de efeito estufa, “em cerca de 90% se comparado ao processo de produção tradicional”.
Outro exemplo é a produção de amônia verde. Ela conta que, ao contrário do processo tradicional, que usa hidrogênio do gás natural para produzir amônia, a nova tecnologia é diferente.
“Em vez de usar o hidrogênio de gás natural, ele passa ser extraído da água”, explica Thais. “A energia usada para extraí-lo por meio da hidrólise vem de fontes naturais, como a solar e a eólica.”
“Essa nova tecnologia, além de utilizar energia limpa no processo produtivo, não usa mais o gás natural, que é um combustível fóssil.”
Embora o uso de insumos agrícolas sustentáveis, sua aplicação correta e o descarte de subprodutos sejam três exemplos de como a produção de café pode ser mais ambientalmente sustentável, existem muitas técnicas que os produtores podem usar.
O enfoque no sequestro de carbono por meio da agrossilvicultura, o trabalho com agrônomos para maximizar a saúde do solo e o manejo integrado da paisagem são exemplos de outras técnicas que os produtores podem usar para cultivar um café mais sustentável.

Produzir café sustentável é mais rentável para os produtores?
Embora os métodos de produção ecologicamente corretos muitas vezes representem um esforço adicional (e geralmente um custo adicional) para os produtores de café, os cafés sustentáveis estão cada vez mais exigindo um preço mais alto.
Se os produtores venderem grãos de café ecologicamente corretos e éticos a um preço mais alto, eles podem ser capazes de neutralizar e exceder o custo de produção mais alto, melhorando assim a lucratividade.
Isso é possível devido ao rápido crescimento das tendências de consumo sustentável entre os consumidores. Só em 2018, os consumidores gastaram mais de USD 128 bilhões em bens de consumo sustentáveis e rápidos (FMCG), enquanto mais de 77% dos consumidores disseram em 2020 que a sustentabilidade e a responsabilidade ambiental eram “moderadamente importantes” ou “muito importantes” para eles.
Katharina diz: “O café é uma commodity em que as iniciativas voluntárias de sustentabilidade têm uma participação significativa no mercado”.
“As principais empresas têm o compromisso de obter uma determinada porcentagem de seu café de fontes sustentáveis, e o café que cumpre os padrões voluntários de sustentabilidade está crescendo a uma taxa mais rápida do que o café comercial.”
Thais também contou sobre a iniciativa Agoro Carbon Alliance, da Yara. Isso, diz ela, foi projetado com o objetivo de reduzir o rastro de carbono da agricultura em escala global e agregar mais valor para os agricultores.
Ela diz: “Ao colocar os agricultores no centro de nossa estratégia, continuaremos incentivando e capacitando os produtores a mudar suas práticas e, ao mesmo tempo, conectá-los a um número crescente de empresas que buscam maneiras de cumprir seus compromissos climáticos”.
“Ao adotar práticas de gestão agrícola inteligentes para o clima, os produtores podem criar créditos de carbono agrícolas, ajudando assim a reduzir o rastro de carbono da cadeia alimentar.”
O projeto visa desenvolver duas soluções principais para empresas e consumidores. Em primeiro lugar, busca criar créditos de carbono agrícola para marcas que buscam reduzir seu rastro de carbono, produzindo assim café mais sustentável. Em segundo lugar, certificará safras de baixo carbono em toda a cadeia de abastecimento, facilitando uma melhor rastreabilidade e apoiando os produtores a obter um preço melhor por elas.
“Imagine ir ao supermercado e decidir comprar um produto com base no rastro de carbono dos alimentos”, diz Thais. “Nesse caso, o consumidor tem a possibilidade de contribuir diretamente para o desenvolvimento de um mundo mais sustentável.”

Ser sustentável não é simples e não é fácil. Para os consumidores, significa mudar hábitos de compra e minimizar o desperdício; para os cafeicultores, pode representar um custo de produção inflacionado, sem garantia de retornos mais elevados. A redução de emissões é um desafio para todos os atores em todas as cadeias de valor da produção de alimentos – incluindo os consumidores.
No entanto, ao adotar práticas mais verdes na fazenda, os produtores podem melhorar suas chances de atrair o segmento de rápido crescimento de consumidores que procuram comprar café sustentável. Por sua vez, isso pode se traduzir em um preço mais alto para sua safra, incentivando-os a investir em sua fazenda e melhorar sua qualidade de vida.
Tradução: Daniela Andrade.
Créditos das fotos: Yara, NKG Bloom.
Observação: a Yara é patrocinadora do Perfect Daily Grind.
*Este artigo faz parte do ESPECIAL CARBONO E REGENERAÇÃO – PDG BRASIL. O especial, que reúne desde 2021 os artigos que tratam sobre estes temas, faz parte do compromisso do PDG Brasil em fortalecer um conteúdo que contribua com a preservação e a regeneração da natureza na produção de café. Acompanhe outros artigos publicados sobre o tema na editoria Sustentabilidade.
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