O novo momento do espresso
A máquina de espresso é o elemento vital da existência da cultura de café como conhecemos hoje.
A tecnologia que concebe o que é um café espresso se transforma e evolui desde 1884, quando o primeiro protótipo da máquina foi criado.
Para compor o cenário do que consiste o atual panorama de inovações das máquinas de café espresso, e em qual direção evolui o mercado na prática, o PDG Brasil conversou com Tatiana Vasconcelos, trader na ECOM Agroindustrial Europa, Emerson Nascimento, barista campeão, consultor e sócio-proprietário da Coffee Five, e um engenheiro especializado em maquinário e novos produtos, Daniel Tock, da empresa italiana LELIT.
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Um pouco dessa história
O processo de extração de espresso no início do desenvolvimento do maquinário que produz a bebida consistia em forçar a água por meio da pressão emitida por uma caldeira, em contato com um disco de café, para executar a extração. A partir do século 20 se seguiu uma onda de inovações nessa tecnologia de base, como a introdução da primeira válvula de alívio de pressão e vaporizador. A bebida resultante foi então batizada de “caffè espresso”, sendo o “espresso” um adjetivo derivado do verbo “esprimere” em italiano, que pode significar “espremer” ou “expressar” algo (manifestar), assim como pode designar ações velozes.
Para conhecer o histórico da evolução do maquinário de café espresso, leia nosso artigo: Evolução técnica: como as máquinas de café espresso evoluíram no século 21?
A estreia oficial do espresso se deu em 1903, durante a Feira de Milão, evento que segue sendo realizado anualmente. Mais de um século depois, é ainda na feira italiana que o mercado especializado global apresenta as novidades quanto às inovações das máquinas de espresso.
Em 2021, depois de dois anos de interrupções causadas pelos efeitos da pandemia Covid-19, a Feira de Milão (Host Milano) foi retomada, e assim como em 1903, foi palco da concentração das maiores inovações, e dos mais importantes players do mercado, quanto ao maquinário especializado em café.

O cenário atual do maquinário de café espresso
Regulagem, pressão, temperatura, tempo… atualmente, a tecnologia e o caminho histórico das inovações em maquinário de café espresso apresentam ofertas de modelos com diversas escalas de funções automatizadas.
Como a evolução de maquinário automatizado se relaciona com a função do barista e do processo de produtividade de um estabelecimento que prioritariamente serve café espresso, na prática, é um dos grandes debates atuais nesse mercado de restauração específico.
A realidade que o mercado de restauração (e do segmento de café) enfrenta é que máquinas com funções completamente automatizadas serão o padrão nos próximos cinco anos. Da pré-compressão a parâmetros de extração, de dosagem e moagem a proporções pré-programadas de extração, a qualidade do resultado final é altamente garantida. Mas se questiona se isso significaria que os baristas se encontrariam em risco de se tornarem obsoletos quanto a seus papéis.
Para explorar essa questão de forma panorâmica, é preciso mergulhar em um outro debate recente entre os profissionais do segmento: no que, atualmente, consiste em um café espresso, quanto às variáveis, receitas e produto final.

A nova visão do espresso
Há um conjunto de características padrão do que é um café espresso, de acordo com o consenso entre baristas do mundo todo, e do mercado global de alimentos e restauração.
Um espresso é:
- uma bebida extraída através da pressão entre o café, água e vapor,
- que leva a média de 7 gramas de café,
- com moagem fina,
- que resulta em 30 ml de bebida,
- extraída de 20 a 30 em segundos
- em maquinários equipados com 9 atmosferas de pressão,
- e água à temperatura de cerca de 90,5 a 96,1°C (não fervente).
Recentemente, baristas especializados como Emerson, além de pesquisadores e engenheiros dedicados ao mercado de café passaram a questionar o “status-quo” da fórmula do espresso. Baristas têm experimentado com as variáveis da fórmula-base de extração, com testes em relação a timing de pré-infusão, variáveis termodinâmicas, pressão e fluxo.
Um dos maquinários apresentados na Host Milano que pode exemplificar a onda atual de inovações é a Black Eagle Maverick, criada pela fábrica italiana Victoria Arduino. Além das funcionalidades automatizadas para a produção de espresso, a máquina possui também uma boca que extrai café filtrado.
Tatiana, que tem mais de 15 anos de experiência prática em diversas vertentes do mercado de café, assim como Daniel, esteve presente na Host Milano 2021.
Também como Emerson, Tatiana acredita que as discussões quanto à reformulação do que consiste o espresso e a abertura quanto à inclusão na prática da constante de tecnologia de maquinário, o que inclui automação, são fatores extremamente importantes e positivos ao mercado como um todo.

Tecnologia em evolução
Para Emerson, a nova oferta de perfil de pressão, e software mais avançados e automatizados é positiva e bem-vinda, pois permite a experimentação de uma variedade maior de receitas, o que acarreta em consistência de qualidade quanto aos perfis da bebida extraída. “Antigamente a máquina vinha regulada de fábrica, portanto só tínhamos o moinho como elemento variável para alcançar um bom equilíbrio sensorial”, explica ele.
As grandes fábricas de maquinário para espresso, que em todo mundo mantêm uma relação de negócios no modelo leasing com os clientes, são as responsáveis pela manutenção, treinamento de pessoal, e atualização constante das peças e modelos (os moedores também, na maior parte dos casos, são fornecidos pela fábrica, e no mesmo molde de negócios).
Conheça algumas atualizações apresentadas na feira:
- A Black Eagle Maverick, por exemplo, usa 37% menos energia do que o modelo anterior, mas o bastão produz 2,1 bar de vapor seco de alta qualidade. A máquina literalmente recupera sua própria energia.
- A Faema E71E – Barista Drive System (BDS) conta com um sistema integrado que ajuda a manter um diálogo constante entre a máquina e o dosador do moinho, conectados digitalmente; possui também um software que permite diminuir a pressão da caldeira quando não está em uso; e um sistema de aquecimento por caldeira independente
- Nova 100 Attiva Cimbali, conta com três máquinas, três sistemas térmicos distintos e uma única caldeira para cada, tecnologia multiboiler, com temperatura ajustável em cada; o sistema CTA permite a alteração da temperatura da água e do tempo de infusão de acordo com as bebidas a serem extraídas.

A evolução do espresso e o papel dos baristas
Emerson acredita que durante muito tempo os baristas seguiram receitas “engessadas” de espresso, super focadas em tempo de extração, e que produzissem uma estética particular (crema, tempo de duração da crema na xícara, cor). Esses fatores acarretaram no “congelamento” da evolução quanto à busca por excelência da experiência sensorial como produto final, na xícara.
“Os baristas que trabalham no dia-a-dia com extração de espresso, e fazem testes constantes, têm muito a acrescentar à indústria que fabrica maquinário”, diz Tatiana, que ressalta a presença cada vez maior de baristas especializados nas equipes de engenharia e inovação das grandes marcas de maquinário, como presenciou na feira em Milão.
Além de porta-vozes, os baristas agregam o know-how prático e especializado pois são os consumidores finais de maquinário. O ideal de barista contemporâneo é um profissional aberto a experimentar, a se informar constantemente e, principalmente, usar as máquinas e acessórios disponíveis do mercado de maquinário para criar sua própria visão e singularidade profissional.

Quebrar paradigmas é preciso
“Na minha opinião café espresso é como um cavalo. Assim como o cavalo, o espresso é uma bebida de ‘muita força’”, diz Emerson. A analogia para ele se aplica porque, assim como o cavalo precisa ser domado, o espresso deve ser regulado para manter a força, (intensidade de sabor), equilíbrio entre doçura, acidez e amargor (sinônimo de boa qualidade), ter um bom corpo e boa finalização.
Isso significa para ele que, independentemente da oferta de maquinário, o resultado final, a qualidade e a experiência do consumidor da bebida devem ser os pilares imutáveis quanto a qualquer inovação que diz respeito ao café espresso.
Emerson tem um conselho aos colegas baristas: “Parem de regular as receitas e passem a regular o café, pois estamos falando de um alimento vivo, que está sempre está em constante evolução biológica”.
Tatiana também acredita que, especificamente no mercado de cafés especiais, as “fórmulas perfeitas” também seguem um padrão global. “Creio que essa abordagem deveria ser bem mais flexível, visto que cada origem de café, cada torra e cada país que está a servir esse espresso tem características totalmente diferentes (inclusive de gostos particulares quanto à quantidade de água), e que afetam 100% o resultado final da xícara”, explica.
Daniel acredita que, na visão das fábricas produtoras de maquinário, manter uma abordagem padrão ou ser flexível são escolhas estratégicas, “e determinantes da identidade tecnológica assumida pelas empresas fabricantes”.
“É interessante ver como a identidade individual de cada empresa é revelada a partir de como elas optam por abordar essa questão. Pessoalmente, acredito que a flexibilidade é a melhor escolha”, explica.

Controle e funcionalidades práticas
Quanto às novidades na prática, Emerson elenca alguns fatores que acredita serem os implementos de maquinário mais necessários. Além da qualidade de material, o que implica longevidade das máquinas, há também o advento de uma série de recursos para buscar o melhor perfil sensorial para o espresso, por exemplo.
“Melhor controle de temperatura, controle de temperatura no grupo, controle de temperatura na caldeira do grupo, pré-infusão, bomba”, lista ele.
Outro destaque para Emerson são os porta-filtros de inox. “Isso era de fato necessário para que o material não interferisse no sensorial do espresso, devido ao acúmulo de sujeira entre uma extração e outra”, explica ele.
Outra tecnologia que faltava no mercado, segundo Emerson, era relacionada aos moinhos de café. “Quando comecei, há cerca de 13 anos, só existia o moinho manual”, diz ele. “Com a chegada dos moinhos automáticos, os baristas passaram a ter de regular os segundos junto com a quantidade ideal de pó para obter um padrão de extração.”
A tecnologia de moinho mais recente dosa o pó por gramatura, o que proporciona a escolha da regulagem na quantidade pó a ser moído e, assim, a receita pode ser programada e padronizada. “Isso é super bom para o barista e faz com que eles fiquem mais rápidos nas extrações”, acredita Emerson.
Daniel chama a atenção para outro fator que deve ser levado em consideração quanto às funcionalidades como prioridade: a atenção ao tratamento e à qualidade da água, “pelo importante papel que a água desempenha na qualidade final da bebida”.

Vimos que as máquinas de espresso seguem evoluindo em sua história secular, com mudanças bastante significativas, novos recursos, aperfeiçoamento técnico e novas ferramentas. Do aumento do número de caldeiras à automação de processos como ajuste de moinho, até o preparo de café filtrado no maquinário são algumas das inovações que surpreenderam na Host Milano.
As novidades prometem trazer grande praticidade ao dia a dia do barista, abrindo espaço para que evoluam em outros aspectos, com outras abordagens do espresso, explorando novas características visuais e sensoriais, e descobrindo com mais profundidade as inúmeras possibilidades dos maquinários.
Entretanto, acredita Daniel, novas tecnologias e funcionalidades disponíveis, não devem ser encaradas como o “termômetro” absoluto quanto ao que, de fato e principalmente na prática, eleva a produtividade. Devemos sempre lembrar que é preciso que os profissionais que manuseiam os equipamentos estejam aptos e abertos a este novo momento do espresso, marcado por quebras de paradigmas seculares e deliciosas aventuras a cada xícara.
Créditos: Divulgação Cimbali; Divulgação Faema; Irene Kredenets (espresso); Divulgação Victoria Arduino; Emerson Barista (Instagram) Nathan Dumlao (espresso naked).
PDG Brasil
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