6 de janeiro de 2022

10 formas fáceis e rápidas de reduzir os agrotóxicos na lavoura

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ESPECIAL CARBONO E REGENERAÇÃO – PDG BRASIL*

Aqui no Brasil ainda é comum o uso de agrotóxicos nas lavouras cafeeiras, e de muitos outros setores agrícolas que produzem nosso alimento. A promessa é de acabar com insetos e possíveis pragas, diminuir as ervas daninhas que podem prejudicar a plantação, e essa é uma prática que segue sendo passada de geração em geração há muito tempo.

Mas será que é a única escolha possível, ou a melhor delas, para contornar os problemas? Quais seriam as outras alternativas para revisar esse caminho e fazer escolhas mais saudáveis, tanto para a saúde da lavoura quanto para a saúde do agricultor e para a preservação do planeta, e reduzir os agrotóxicos?

Não é fácil mudar, mas o PDG Brasil acredita que a informação é uma ferramenta poderosa e pode transformar toda e qualquer prática ou opinião, por isso conversamos com quem viveu na pele essa transição e pode hoje dizer para nosso leitor um pouco sobre essa jornada.

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agricultura regenerativa

Agrotóxico ou defensivo?

Primeiramente, vamos entender exatamente qual a diferença entre os termos “agrotóxico” e “defensivo”, pois você já deve ter ouvido e utilizado ambos em seu dia a dia. Curiosamente, significam a mesma coisa. 

Luiza Oliveira Macedo é engenheira agrônoma MSc (Mestre em Ciências), fundadora do Conhecimento Agro. Ela explica que, pela legislação brasileira vigente, o termo ‘agrotóxico’ não é mais utilizado por se tratar de uma palavra pejorativa aos produtos. “Apesar de apresentarem toxidez já que são moléculas químicas, se bem aplicados (respeitando as doses, períodos de carência e reentradas nas áreas), não devem causar toxidez nos produtos agrícolas.”

O termo foi substituído por ‘defensivos agrícolas’ ou “produtos fitossanitários’, para sinalizar que eles têm a função de defender as plantações quando necessário para controlar pragas, doenças e plantas daninhas. Eles são principalmente inseticidas (controle de insetos), fungicidas (controle de fungos), acaricidas (controle de ácaros), nematicidas (controle de nematoides) e herbicidas (controle de plantas invasoras (daninhas).

“No caso de áreas rurais onde comumente são usados, a intenção é manter a sanidade das plantações agrícolas e evitar a competição com outras plantas da mesma área (principalmente nas lavouras de monocultura)”, explica.

Mas é de se pensar no resultado que isso provoca: pressão das pragas, doenças e plantas daninhas, trazendo a necessidade dos defensivos. Resumidamente: quando você “limpa tudo” deixando só um tipo de planta, que seria o seu cultivo, as pragas não têm mais nenhuma opção de ataque e acabam atingindo a lavoura com certeza. 

Voltando à questão da nomenclatura: popularmente, ainda é utilizado o termo agrotóxico. Não deixa de fazer sentido já que esses produtos contêm diferentes níveis de toxicidade seja para os produtos agrícolas, seja para quem os aplica, especialmente se houver erro na dosagem e não forem seguidas as instruções de aplicação.    

Não importa se você chama de defensivos ou de agrotóxicos. O importante é que a redução do uso desse produto é viável e deve ser feita passo a passo, como mostraremos a seguir. 

café orgânico

Panorama da produção de alimentos

Estudos da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) no Brasil mostram que em 2050 a população será de 9,8 bilhões (29% a mais do número atual). 70% da população será urbana, e os níveis de renda também serão maiores.

“Para alimentar essa população maior, urbana e rica, a produção de alimentos deverá aumentar em 70%. O Brasil se tornará o principal fornecedor para responder ao aumento da demanda global de importações de commodities”, segundo comunicado oficial no site da FAO no Brasil.

É possível atingir esse aumento de maneira sustentável, e proporcionalmente surgirão oportunidades para agricultores familiares em produtos-chave como café, frutas tropicais, suínos e aves.

A FAO também destacou que, em termos de consumo, nos últimos anos, vem crescendo no mundo o interesse por hábitos alimentares mais saudáveis: “Os brasileiros têm se mostrado cada vez mais conscientes dessa importância, com reflexo na saúde e melhoria da expectativa de vida”.

reduzir o uso de agrotóxicos

Mas como reduzir o uso de agrotóxicos?

Não se pode negar que temos passado por momentos difíceis no mundo: além da pandemia, o clima tem causado destruição que afeta diretamente as lavouras com secas prolongadas, geadas, chuvas de pedras e altas temperaturas, dificultando o dia a dia de quem ganha a vida no campo. Essas são apenas algumas das razões para reduzir os agrotóxicos na lavoura.

Mas práticas separadas não vão ajudar a evitar esses problemas. Comenta Luiza: “Não adianta apenas deixar de usar o defensivo na lavoura. Quando o agricultor se propõe a fazer essa redução, ele acaba se vendo frente à necessidade de outras práticas para manejar as pragas, doenças e plantas daninhas.”

“Por exemplo, usar culturas intercalares que sejam alvo das pragas do cafeeiro ou competidoras com as plantas daninhas prejudiciais, e consequentemente o agricultor fará ‘sem querer’ o manejo conservacionista do solo, que é o que realmente vai estocar carbono no solo diminuindo o carbono do ambiente, minimizando essas tragédias ambientais.”

“Uma coisa leva à outra, e o termo que tem se utilizado para isso atualmente é ‘agricultura regenerativa’, onde o uso de defensivos é permitido, mas, quando você adota práticas de conservação do solo e do ambiente, você reduz esse uso.”

cafeicultura familiar sustentável

A saúde financeira e física do produtor

Além de boas perspectivas futuras para quem produzir alimentos com origem mais limpa, considerando o consumidor que está cada dia mais consciente sobre alimentação saudável e seus impactos no mundo, existe a saúde do próprio produtor.

Ao reduzir os agrotóxicos, os colaboradores trabalham muito mais tranquilos com relação ao medo de intoxicação. Mas Luiza reforça sobre a economia na compra dos produtos, combustível e horas de trabalho, já que as pulverizações acabam reduzindo.

No que diz respeito à produtividade, as lavouras que possuem grande aporte de matéria orgânica no solo são muito mais resistentes à seca e intempéries climáticas, e se mantêm muito mais saudáveis durante os períodos de estresse.

Sem saúde física não tem trabalho, não tem jeito. Joelson Orlando Wruck é um jovem produtor na região de Rio Ponte, Domingos Martins (ES) onde hoje, junto com sua família, produz os Cafés Especiais Wruck, um café agroecológico e orgânico certificado, vendido em algumas feiras em Vitória e via site para todo o Brasil. Mas esse belo capítulo da história de sua família só começou por conta de uma intoxicação por defensivos que sua mãe teve em 2002.

“Os sintomas foram aparecendo aos poucos: dores de cabeça, corpo e juntas, fraqueza e perda de peso. Procuramos vários médicos, mas nunca constatavam algo, até que um especialista em Vitória constatou a intoxicação. A gente não conseguia acreditar, pois não imaginávamos que o uso dos defensivos nos traria algo tão grave assim.”

A partir desse momento, a remoção do agrotóxico da propriedade foi imediata. Os adubos químicos foram retirados aos poucos, o que caracteriza sua fase de transição. De três anos para cá é que conseguiram sua certificação como produtores orgânicos, e agora os processos e resultados já estão consolidados.

café sustentável

Papo de produtor para produtor

Joelson conta que em sua região muitas famílias estão passando por essa transição, pois não foi só em sua família que houve casos de intoxicação. Por isso, ele faz questão de falar sobre as vantagens e processos transitórios, a fim de inspirar a mudança para o máximo de famílias possíveis.

“A maior vantagem que vejo é a saúde, principalmente da minha mãe que hoje tem uma vida normal. E toda nossa família mudou junto, não precisamos mais ir ao médico com a frequência de antes.”

Ele menciona também sobre o fato da manutenção do jovem no campo. Um filho que vê um pai ou uma mãe adoecerem por conta de defensivos perde totalmente as esperanças de seguir no mesmo caminho. Já, com a possibilidade de recomeçar com novos processos mais limpos e naturais, há esperança e força para seguir.

produção de café sustentável

“O mercado está muito bom, ganhando a cada dia mais espaço. O cultivo orgânico é mais trabalhoso, não vou mentir, porém economicamente é bem vantajoso: conseguimos um valor agregado maior e os insumos são produzidos aqui mesmo, com custos bem menores comparados ao modelo convencional.”

“Não tivemos escolha, era abandonar a agricultura ou mudar o sistema de produção. E no início foi bem difícil, mas aos poucos participamos de capacitações que foram melhorando nossas técnicas. Os três primeiros anos são os mais complicados, depois disso o solo já começa a responder melhor.”

Joelson conta que, se pudesse dizer algo para nosso leitor, diria para ele fazer um teste: “Pegue uma pequena área e implante um cultivo orgânico, sempre com acompanhamento técnico profissional. Não existe ferramenta melhor que ver com os próprios olhos. E pense sempre na própria saúde, de sua família, e de quem mais estiver produzindo com ele.”

agricultura familiar

Papo de agrônoma para produtor

Luiza focou sua formação na nutrição e fisiologia das plantas, o que a faz acreditar que a redução ou paralisação total do uso de defensivos não é difícil de ser feita se pudermos utilizar os adubos e a nutrição de plantas como forma de proteção.

“Esse seria um caminho a ser percorrido que não assusta o produtor ou causa grandes perdas de produtividade. A agricultura regenerativa veio para ser intermediária, utilizar adubos químicos ou defensivos não impede que você adote práticas de conservação de solo com grandes aportes de matéria orgânica ou corredores ecológicos, ou que você intercale o uso com produtos biológicos.”

“O produtor que percorre esse caminho, mesmo que devagar, vai vendo os benefícios, o que o estimula a querer fazer cada vez mais, por isso o período de transição é importante.”

Lavouras bem manejadas vão conseguir estar mais saudáveis a médio prazo. O uso indiscriminado de produtos seleciona fungos e insetos mais resistentes, o que leva o produtor a usar cada vez uma dosagem maior e mais aplicações do defensivo, gastando mais tempo e dinheiro.

reduzir o uso de defensivos

O Manejo Integrado de Pragas e Doenças (MIPD) é muito importante para essa redução. São feitas avaliações nas áreas, que mostram a porcentagem da doença ou praga afetando a lavoura. Existe um dado chamado “nível de dano econômico”: se a infestação estiver abaixo do nível de dano econômico significa que o preço da pulverização do defensivo é mais caro do que o dano está causando na área, e então não vale a pena ser realizada a pulverização. Por isso, Luiza sugere fazer as avaliações antes de tomar qualquer decisão.

Ela reforça aos produtores que, em poucos anos, a redução do uso de defensivos não será mais uma escolha individual, será uma obrigatoriedade para a venda dos cafés, principalmente aos mercados externos. A pressão por certificações e essa redução só cresce, então quem começar desde já estará muito mais preparado para permanecer na atividade num futuro bem próximo.

reduzir o uso de agrotóxicos

10 dicas valiosas para reduzir os agrotóxicos na lavoura

Se você chegou até aqui lembre-se: sempre é possível começar. Por isso elencamos dicas valiosas que vão te ajudar nesse processo:

  • Quando pegar uma receita agronômica, busque saber para que servem todos os produtos listados: quais são adubos, quais são defensivos e quais são fisiológicos;
  • Não tenha vergonha em pedir para um agrônomo pontuar o uso e o porquê de cada produto indicado na receita agronômica;
  • Faça o MIPD sempre que possível, várias vezes em todos os talhões. Na maioria das vezes, é possível perceber que não precisa ser aplicado o defensivo;
  • Visite uma propriedade que já esteja em processo de transição, para só depois começar o seu processo em uma pequena área de sua propriedade. Um passo de cada vez, buscando acompanhamento técnico e profissional;
  • Se estiver em transição, se concentre em fazer o programa nutricional da sua lavoura o mais bem feito possível, pois será a base para deixar de utilizar defensivos;
  • Siga todas as boas práticas de produção: descarte correto de embalagens, lavá-las corretamente e não reutilizar, uso de EPIs (equipamentos de proteção individual) pelos produtores e colaboradores, guardar defensivos separadamente e manter a porta trancada evitando que animais e crianças entrem;
  • Faça roçadas ecológicas na área para produção de palhada. O manejo com braquiária é fácil e conhecido, e você não terá grandes dificuldades para colocar em prática;
  • Se informe sobre produtos biológicos disponíveis no mercado, eles estão cada vez mais acessíveis;
  • Se estiver com dificuldades procure uma certificação para te ajudar, mesmo que você não venha a se certificar rapidamente. Profissionais especializados vão te ajudar e ensinar todo o processo das boas práticas no uso de defensivos;
  • Por último, e mais importante, pense em como você gostaria de ter recebido aquele talhão ou fazenda, e trace um caminho para deixá-lo dessa forma para as próximas gerações.
café sustentável

Depois de todo esse aprendizado vale lembrar que nunca será fácil mudar, sair da zona de conforto é um desafio, e a gente sabe. Mas pense em todos os benefícios, desde econômicos até sua saúde e seu papel no futuro do planeta.

Lembre-se que não será da noite para o dia que você conseguirá deixar tudo 100% renovado. O importante é começar, dar o primeiro passo e, durante o processo, se respaldar de informação e acompanhamento profissional, para não desanimar ou desistir por algum processo feito de maneira equivocada.

A transição é importante e te trará conhecimento e experiência aos poucos, bem como a transformação do mundo para um futuro melhor, que acontecerá se cada um nós trabalharmos como formiguinhas, juntos e nos fortalecendo como um todo.

Créditos: Cafés Especiais Wruck (café orgânico e agroecológico seco; produtora Josélia Wruck; produtores Joelson Orlando Wruck e seu pai Adriano Orlando Wruck; secagem de café no terreiro suspenso; café orgânico e agroecológico natural recém-colhido; Josélia Wruck e Adriano Orlando Wruck); Conhecimento Agro (destaque: agricultura regenerativa aplicada em cafezal com culturas intercalares; Luiza Oliveira Macedo em campo; entrelinhas de cafeeiro sem manejo drástico, com braquiária presente; palhada, substrato natural de proteção do solo).

*Este artigo faz parte do ESPECIAL CARBONO E REGENERAÇÃO – PDG BRASIL. O especial, que reúne desde 2021 os artigos que tratam sobre estes temas, faz parte do compromisso do PDG Brasil em fortalecer um conteúdo que contribua com a preservação e a regeneração da natureza na produção de café. Acompanhe outros artigos publicados sobre o tema na editoria Sustentabilidade.

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