Comércio eletrônico e café na China
Em todo o setor cafeeiro, há uma percepção de que o mercado de café chinês está crescendo rapidamente e de que é uma oportunidade incrível para aqueles que têm acesso a ele. De acordo com o Statista, o consumo de café aumentou de 3,1 milhões de sacas em 2017/18 para 3,9 milhões em 2020/21. No espaço de apenas quatro anos, é um aumento de 26%.
Esses níveis crescentes de consumo também chegaram a Xangai, que agora possui mais cafeterias do que qualquer outra cidade do mundo. Estima-se que em toda a China, uma nova Starbucks (uma das duas cadeias dominantes do país, ao lado da Luckin Coffee) abre a cada 15 horas. Para quem consegue entrar nesse mercado, a procura certamente existe.
No entanto, essa chegada não é tão simples quanto pode parecer. Assim como tudo, desde pagamentos digitais a entregas de comida e serviços de táxi, o consumo de café na China é sustentado pelo ecossistema digital único do país.
Conversamos com dois especialistas locais para entender mais sobre esse sistema, o mercado de café do país e os principais participantes do setor cafeeiro chinês. Continue a ler para descobrir o que disseram.
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O “ecossistema digital” da China
A China possui o maior mercado de comércio eletrônico do mundo. É responsável por cerca de metade de todas as transações digitais concluídas globalmente. O setor de comércio eletrônico na China é maior do que os mercados correspondentes na Alemanha, Reino Unido, França e Japão juntos.
Os usuários mensais da internet na China eram em média 939,8 milhões em 2020, e acredita-se que esse número esteja aumentando a uma taxa de cerca de 10% ao ano. O uso de celular também é incrivelmente alto: de acordo com a McKinsey, o país tem três vezes o valor total de transações do que os EUA.
Toda essa atividade econômica ocorre em uma economia altamente digitalizada. A maior parte disso pertence a dois conglomerados rivais: Tencent e Alibaba. Entre os dois, eles desenvolveram os aplicativos e plataformas móveis mais usados na China.
A Alibaba é proprietária e opera o Tmall e o Taobao, ambos mercados online. Enquanto Taobao é de consumidor para consumidor (semelhante ao eBay), Tmall é business-to-consumer (mais próximo da Amazon). O Alibaba também administra o Alipay, um serviço de pagamentos digitais, bem como o Eleme, um serviço de entrega de comida.
A Tencent, por sua vez, é proprietária da JD.com e da Pinduoduo (ambos mercados online), WeChat Pay (pagamentos digitais) e Meituan (entrega de comida). Muitos desses serviços são concorrentes diretos no mesmo setor; como tal, as plataformas Alibaba não são compatíveis com as plataformas Tencent e vice-versa.
O setor de comércio eletrônico chinês é totalmente dependente dessas duas empresas privadas. Ao longo dos anos, a Tencent e a Alibaba construíram seus próprios ecossistemas independentes, absorvendo ou adquirindo outras empresas menores e integrando-as.
Por exemplo, a NetEase Kaola foi a principal plataforma de comércio eletrônico internacional em 2018. Em 2019, foi adquirida pela Alibaba por US$ 2 bilhões e integrada às operações da empresa Tmall.
O ecossistema Alibaba
O Alibaba Group é uma criação do magnata chinês Jack Ma. Suas subsidiárias Tmall e Tmall Global são as maiores plataformas de comércio eletrônico na China, com um total combinado de mais de 500 milhões de compradores.
A Alibaba também possui o Taobao, o maior mercado cliente-a-cliente (C2C) do país. O Taobao é o lar de cerca de 10 milhões de comerciantes, que vendem uma variedade infinita de produtos para mais de 300 milhões de usuários diários.

O ecossistema Tencent
A principal plataforma de comércio eletrônico da Tencent é a JD.com, que conta com fortes sistemas de armazenamento e logística, como a Amazon. Já o Pinduoduo funciona em um sistema de “compras coletivas”, onde os compradores se unem para adquirir o mesmo produto, garantindo assim preços mais baixos por comprador.
O suporte principal da Tencent, no entanto, é o WeChat. WeChat é o aplicativo mais popular do mundo, atraindo bem mais de um bilhão de usuários ativos por mês. Originalmente concebido como um serviço de mensagens online, desde então passou a integrar uma gama de serviços diferentes.
Agora funciona como sua própria grande rede de mídia social, reunindo tudo, desde mensagens e jogos online a compras e pagamentos digitais.
Steffi Nöel é líder de projeto na Daxue Consulting, em Xangai. Ela descreve o WeChat como um “superaplicativo canivete suíço que aparentemente faz tudo”.
Ela diz: “Além das mensagens, o WeChat agora oferece outros serviços, incluindo pagamentos e transferências móveis, jogos online, música, notícias e compras”.
No entanto, é a capacidade de algo chamado de “miniprogramas” que torna o WeChat o aplicativo mais popular do mundo, diz Steffi.
“Um mini programa é um subaplicativo dentro do ecossistema WeChat que fornece recursos avançados aos usuários”, explica ela. “Isso inclui comércio eletrônico, gerenciamento de tarefas, cupons, pagamentos, pedidos de comida e assim por diante.”
“O sistema de mini programa permite que os usuários acessem qualquer um desses WebApps sem sair do WeChat.”
Esses mini programas permitem que empresas terceirizadas – incluindo comerciantes de café e cafeterias – desenvolvam seus próprios aplicativos dentro do WeChat.
Ao permitir que os usuários comprem diretamente de um equivalente de mídia social, os varejistas podem agilizar o processo de vendas. Isso torna o WeChat uma plataforma de vendas chave: em 2020, essas transações em miniprogramas ultrapassaram o valor de US$ 246 bilhões no total.
“As marcas podem obter mais tráfego privado usando miniprogramas”, diz Steffi. “Eles podem até criar relacionamentos próximos com os consumidores por meio de bate-papos individuais, melhorando a retenção de clientes.”

Onde o café se encaixa em tudo isso?
A cadeia global de suprimentos de café já está aproveitando o alcance dessas plataformas de comércio eletrônico. Os comerciantes de café verde estão usando-os para abastecer torrefadores, por exemplo. Os torrefadores então o usam para vender para cafeterias, que por sua vez lidam com os clientes individualmente usando serviços como WeChat e Taobao.
Na China, marcas populares de café locais como Lisun, Hogood e Luckin Coffee podem ser compradas em qualquer loja no WeChat, JD.com e Tmall.
No entanto, essas marcas enfrentam a concorrência de algumas marcas de café ocidentais – incluindo Costa e Starbucks.
De acordo com a GMA E-Commerce Agency, a Starbucks tem até 600 lojas somente em Xangai – apesar do fato de estar presente na China apenas desde 1999.
Hoje, em todo o país, as cafeterias estão surgindo aos milhares. Quer sejam locais ou estrangeiras, todas elas usam as plataformas de comércio eletrônico da China. Isso é prova de uma coisa: o aumento acentuado no consumo local de café.
Isso está, compreensivelmente, atraindo tantos negócios estrangeiros quanto marcas nacionais para entrar no mercado de café chinês. Por exemplo, o fabricante de máquinas de café espresso La Marzocco abriu sua própria loja principal no ano passado na Tmall, enquanto a Hario agora tem seu próprio mini programa WeChat.
Para marcas estrangeiras que podem “quebrar” esses ecossistemas digitais, eles podem ser incrivelmente atraentes. Mini Programas no WeChat, por exemplo, integram e centralizam compras, remessas e pagamentos, oferecendo níveis de conveniência sem precedentes para os consumidores.

Como as empresas de café podem se inserir nesse mercado?
O mercado de café chinês certamente está cheio de oportunidades para marcas de café estrangeiras, mas entender seus meandros é totalmente necessário para as empresas que procuram lucrar com isso.
Antes de qualquer coisa, as empresas devem começar entendendo como funciona o ecossistema de comércio eletrônico da China. O comércio internacional sempre vem com sua parcela de barreiras e desafios, mas entender o que torna o comércio eletrônico chinês diferente é especialmente importante.
Existem algumas oportunidades de comércio eletrônico transfronteiriço (ou haitao) abertas a marcas estrangeiras, que oferecem uma alternativa mais flexível para abrir uma empresa na China. Plataformas populares incluem Tmall Global e JD Worldwide. Essa pode ser uma oportunidade particularmente boa para empresas que desejam vender seu café a granel.
Para aqueles mais familiarizados com esse sistema de comércio eletrônico, existem até alguns mini programas WeChat personalizados para o comércio de café. Um exemplo é a Coffee Exchange Platform, que conecta mais de 1.500 torrefadoras de especialidades locais a comerciantes de café verde.
Além disso, algumas marcas de café nos últimos anos também utilizaram a Electronic World Trade Platform (eWTP). Essa é uma iniciativa que apoia as PMEs de todo o mundo a negociar na China usando o Tmall.
Um exemplo é a Gorilla’s Coffee, uma empresa de café fundada por fazendeiros de Kigali, Ruanda, que agora vende café torrado para cafés e consumidores por meio da plataforma.

Esse ecossistema é bom para as empresas de café?
Ji Hengtao é gerente-chefe e mestre de torras da Black Sheep Espresso, em Xangai. Ele usa o Taobao para vender sua marca de café Terraform e diz que é seu principal canal de vendas online de café torrado.
“Comprar online no Taobao é um hábito para a maioria dos chineses”, diz ele. “Isso pode ajudar algumas novas marcas a impactar rapidamente um grande volume de usuários e a se tornarem populares nos estágios iniciais de seu desenvolvimento.”
Como esse sistema de comércio eletrônico é acessível para PMEs locais, ele apoiou o surgimento de uma série de pequenas marcas de café chinesas. Essa acessibilidade, integração em aplicativos do dia a dia como o WeChat e um rápido aumento no consumo de café tornam o setor uma proposta atraente para muitos proprietários de negócios.
No entanto, Hengtao também alerta que a popularidade de marcas como Starbucks e Luckin, juntamente com a conveniência das redes de comércio eletrônico da China, criou “guerras de preços” entre as marcas locais. Isso, diz ele, é uma barreira séria para qualquer tipo de consumo generalizado de café de alta qualidade.

Está claro que, apesar de todas as oportunidades que o mercado de café chinês oferece, entrar no mercado não é uma tarefa fácil. Aprender a entender a rede única de comércio eletrônico que alimenta grande parte do comércio do país não é apenas importante – é essencial.
No futuro, as marcas de café estrangeiras podem fazer uma série de coisas para entrar no mercado. Isso inclui trabalhar por meio de sistemas haitao ou de comércio eletrônico transfronteiriços, bem como facilitadores como o eWTP.
No entanto, o melhor lugar para começar é simplesmente compreender como funcionam os ecossistemas Alibaba e Tencent. Sem isso, as empresas de café que dependem do comércio eletrônico na China simplesmente não terão sucesso.
Tradução: Daniela Andrade.
Créditos: Blacksheep Espresso, Mau Perez.
PDG Brasil
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