Já ouviu falar sobre blockchain e rastreabilidade para o café? É praticamente impossível pensar na história do Brasil e não lembrar do café, pois a tradição cafeicultora se instalou com muita força por aqui logo nos primeiros anos da nossa história. Não é à toa que hoje somos responsáveis ​​por mais de ⅓ de toda a produção mundial, posicionando-nos como o maior produtor e exportador dos grãos.  

Somos também o segundo maior consumidor de café mundial. Já consumimos em média 890 xícaras de café por ano por pessoa e, nos próximos 10 anos, devemos superar as 1.000 xícaras. Para um país que tem mais de 210 milhões de habitantes, estar presente em 98% dos lares mostra o quão incrível pode ser o poder do café. É como se a diversidade brasileira se refletisse nas inúmeras qualidades e atributos dos nossos cafés. 

Portanto, é relevante demonstrar toda a complexidade da produção cafeeira brasileira. Compreender os cuidados necessários, a dinâmica dos processos e as incertezas de cada uma das etapas torna cada um dos inúmeros atributos sensoriais do café ainda mais surpreendentes. É importante provar que, para que o café seja sustentável e de qualidade, são necessários bons cuidados e boas condições produtivas. 

É aí que entra a importância de ferramentas como o blockchain, que contribui para deixar transparente todo o caminho da produção de café e quais foram os processos pelos quais ele passou. Para entender sobre o tema e a relação do blockchain com a rastreabilidade, conversamos com alguns especialistas do mercado nacional e internacional. Continue lendo para saber o que disseram. 

Você também pode gostar de ler O que é cafeicultura agroecológica? 

O que é rastreabilidade? 

A rastreabilidade pode ser definida como um mecanismo que permite identificar a origem do produto, padronizar a produção e acompanhar todos os processos e transformações envolvidos. Considerando o café, temos na rastreabilidade a busca da garantia de toda a jornada e as etapas até o consumidor, desde a matéria-prima, passando pelos manejos, processos, beneficiamento, transformações até a entrega no destino final. O intuito é, portanto, possibilitar controle e transparência aos processos produtivos, bem como adicionar conformidade e qualidade ao produto. 

Evandro Rezende, analista administrativo comercial na cooperativa Cooxupé, entende que “a rastreabilidade é uma realidade de mercado e que devemos estar preparados tecnologicamente para atender de maneira segura essa demanda”. 

Para o produtor, a rastreabilidade ajuda na identificação dos processos, melhoria da qualidade, padronização da produção, otimização dos custos e consequente controle. Enquanto que, para os demais elos da cadeia, a rastreabilidade possibilita conformidade, segurança alimentar, conexão e valor. Informações que antes pareciam não ter relevância, passam a ser monitoradas e otimizadas e, com isso, evoluem para histórias de pessoas e lugares que possibilitam agregação de valor aos produtos e negócios. 

Para fazer com que o café chegue até a xícara são necessárias muita dedicação e muitas mãos envolvidas. Isso requer decisões e cuidados importantes, que, quando identificados e registrados de maneira eficiente, auxiliam na tomada de decisões que impactam na produtividade e na qualidade. Sendo assim, na rastreabilidade do café toda a cadeia produtiva deve ser considerada e participar dessa identificação registrada.  

Existem muitos mecanismos para que ocorra o registro da rastreabilidade, desde o caderno de campo, que são anotações manuais geralmente utilizadas pelos pequenos produtores com processos não tão complexos, até os softwares mais inovadores e seguros disponíveis no varejo. Independentemente de como ocorra, a intenção é sempre a mesma: registrar informações valiosas. Mas até que ponto essas informações estão seguras? 

O que é blockchain?

O blockchain é uma tecnologia emergente inovadora que faz com que a rastreabilidade do café se torne mais segura e eficiente, já que cada lote rastreado passa a ter uma identidade única e imutável. Além disso, a responsabilidade da informação é dividida entre os elos da cadeia, que devem atualizar as informações relativas a cada fase da jornada do café, garantindo a integração das informações de forma segura e transparente, e facilitando assim o acesso aos mercados mais exigentes. 

Para Rodrigo Aurélio Cruvinel, coordenador da área de rastreabilidade da Cooxupé, “o blockchain surgiu para revolucionar os processos de rastreabilidade do café cru, dar maior segurança e transparência desde a propriedade até ao cliente final, além, é claro, de agregar valor ao café produzido pelos associados da cooperativa”. 

A internet e a energia são conceitos complexos, mas todos nós desfrutamos de seus benefícios. Trabalhar com eles é simples, mesmo que não sejamos programadores de computador, não é mesmo? A tecnologia blockchain segue a mesma ideia. Pode parecer um conceito complexo, mas, assim como a internet, é fácil de usar, sem ser necessário o domínio de suas especificidades.

Ambos, blockchain e internet, são fundamentalmente sobre dados. No entanto, com a internet você tem controle limitado sobre seus dados, enquanto que com o blockchain você consegue controlar a visibilidade que deseja dar aos seus dados, portanto, controla quem e quando pode ter acesso à sua informação, criando um ambiente mais seguro.  

Como a tecnologia blockchain permite a validação por meio dos cruzamentos independentes de diferentes fontes, o link das informações só acontece se houver 100% de conformidade entre todos os dados padronizados, garantindo assim, que não haja interpretação pessoal ou cultural nos dados.  É, portanto, uma fonte única de verdade, mesmo que isso envolva a participação de diferentes organizações ou pessoas, o que possibilita a transparência e validação na cadeia. 

Para Marcelo Vieira, responsável pela cooperativa Capebe Global, a rastreabilidade é fundamental para o cenário mundial, uma vez que os consumidores finais cada vez mais exigem alimentos com segurança alimentar, com boas práticas ambientais e sociais. 

“Por meio da rastreabilidade, garantimos o controle de todos os processos produtivos e industriais de nossos produtos e o blockchain vem no intuito de otimizar essas informações, incluir os produtos na cadeia, ligando assim os seus elos.” 

Outro fator diferencial do blockchain, é a impossibilidade de deletar os dados incluídos. É possível ajustar alguns detalhes, mas a informação fica armazenada, não sendo perdida. Isso, além de dificultar a manipulação dos dados, exige que todos os atores envolvidos na cadeia sejam mais eficientes e precisos, já que precisam repensar sobre seus processos internos para incluírem os dados com confiança.  

Repensar o processo interno não é mudar o que você faz, mas ajustar e dominar o que já tem disponível, para ser capaz de identificar quais informações são relevantes para o seu negócio. O papel do blockchain é dar visibilidade para aquilo que você já está fazendo. A intenção é, portanto, valorizar a rastreabilidade e os procedimentos internos, bem como dar visibilidade às pessoas envolvidas no processo e às métricas de sustentabilidade. É uma maneira de validar para o mundo aquilo que já está sendo feito, trazer clareza nas operações e agregar valor aos envolvidos. 

Para Ana Carolina Abreu Bernardes, gerente de sustentabilidade da Sucafina Brasil, é impossível falar sobre sustentabilidade econômica sem falar em rastreabilidade. “O blockchain nos traz segurança nas informações e contribui para comercializações transparentes, indo ao encontro da demanda do mercado.” 

“Nós, exportadores, estamos sendo cada vez mais cobrados por informações sobre a origem do produto, por isso, a proposta de rastreabilidade alinhada com a tecnologia blockchain pode ser benéfica para todos os elos da cadeia, seja do café ou de qualquer outra commodity”, diz.  

Benefícios: blockchain e rastreabilidade

Não seria exagero dizer que o blockchain desbloqueia valor e reduz custos, já que as informações podem ser compartilhadas, agregadas e filtradas por diferentes organizações e pessoas, permitindo insights, impulsionando a inovação e aumentando a eficiência operacional. 

Considerando, por exemplo, o rastro de um produto por toda a cadeia, cada pessoa ou organização seria responsável por inserir somente as suas informações de domínio, o que além de criar mais veracidade nos dados, evita o retrabalho e possibilita relatórios customizáveis e eficientes para a tomada de decisão. 

A tecnologia blockchain possibilita um cenário ganha-ganha para todos os envolvidos no mercado. Porque com a integração da cadeia, você pode trabalhar com seu concorrente, e os dois ganham. É uma somatória, pois cada um está agregando valor ao seu negócio. Não se trata de seguir o que os outros estão fazendo apenas porque os outros estão fazendo. É sobre uma mudança genuína de curso, uma nova direção na forma como gerenciamos os dados. 

Jaqueline Tomasini é analista de negócios sênior da farmer connect^Ⓡ, empresa suíça especializada em soluções para rastreabilidade. Para Jaqueline, o blockchain é uma ferramenta que permite o compartilhamento de dados de modo seguro e com auditabilidade. “Suas funcionalidades têm aplicações diretas na rastreabilidade do café, principalmente quando consideramos a abordagem de que cada organização colabora com sua porção no rastro.” 

Como toda nova solução, os benefícios podem se esbarrar nos desafios. Barreira cultural, desconhecimento e resistência à mudança não é algo recente. O acesso à internet embora siga em crescimento, ainda pode parecer um obstáculo. Além disso, um rastro completo e identificável pode envolver dados pessoais e, portanto, precisam estar aptos a legislações como a LGDP (Lei Geral de Proteção de Dados) e, com isso, requer engajamento e colaboração inicial entre as partes. 

Rastreabilidade gera confiabilidade e informação gera empoderamento. Portanto, ter controle e validação de suas informações com ferramentas como o blockchain garante uma vantagem competitiva para o seu negócio. 

Além disso, ao mapear o fluxo interno para traduzir as informações da sua produção ou do seu negócio em dados, além da possibilidade de melhorar seu processo interno, também ocorre maior controle sobre seus produtos. 

Sendo assim, podemos concluir que, ao inserir os dados na tecnologia blockchain, o produtor ou a empresa estão digitalizando suas informações e possibilitando o link com os demais processos da cadeia. Ou seja, além de integrar, tornam-se diretamente responsáveis por suas informações e indiretamente controlam as informações que são expostas sobre a empresa e seus produtos. Em termos gerais, o blockchain está contribuindo para o fortalecimento do mercado de café, proporcionando um novo direcionamento para a produção e a cadeia de suprimentos.  

Créditos: Bioma Café Coffee Farms (destaque); Divulgação farmer connect (app no celular); CoperRita (terreiro); Café Rabelo (cerejas de café); Érico Hiller (Café das Palmeiras, Fazenda Ambiental Fortaleza – FAF), Nobletree Farms (lavoura drone).

PDG Brasil

Quer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!