O novo momento do café solúvel no Brasil
O café solúvel corresponde aproximadamente a 25% de todo o café vendido e consumido em todo o mundo. O nicho de produção e exportação de café solúvel é um dos mais lucrativos da indústria de café em geral. O valor de mercado do segmento de café solúvel foi avaliado em 12.1 bilhões de dólares em 2020, o que corresponde a quase 10% de todo o mercado de café no mesmo período.
O Brasil é líder na produção e exportação de café solúvel, e o índice de crescimento do consumo interno no país ultrapassa atualmente o de café torrado e moído. Este artigo explora tanto o histórico da produção e consumo quanto o atual cenário do nicho no Brasil, com a presença dos solúveis especiais.
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Um mercado que cresce
A expectativa é que a taxa global de crescimento anual composta (CAGR, em inglês) do nicho de café solúvel cresça em média 5% entre 2021 e 2026, segundo análises de especialistas.
Há uma série de razões que justificam essa realidade. O uso majoritário de café robusta, cujo valor é mais baixo do que o de café arábica, como matéria-prima, gera um índice maior de lucro. A preparação do café solúvel não demanda utensílios para consumo, o que faz com que a bebida tenha um apelo mais atrativo comercialmente em mercados de países com menor índice de desenvolvimento econômico, segundo relatórios do Euromonitor.
O oposto acontece em mercados de maior IDE, aos quais o índice de consumo de solúveis e instantâneos é inferior, enquanto o acesso a café de alta qualidade é maior. A Europa é o maior consumidor mundial de café solúvel, com uma participação de mercado de 37%, seguida pela China (12%) e pelos EUA (11%).
No Brasil, o consumo de solúvel em relação ao consumo anual total de café no país gira em torno de 5%, próximo ao equivalente a 1 milhão de sacas de café, segundo dados da ABICS (Associação Brasileira de Café Solúvel).

O efeito pandemia e o café solúvel
O perfil do consumo internacional de café foi alterado substancialmente com o advento da pandemia do Covid-19. A súbita mudança de hábitos alavancou as vendas e o consumo do café solúvel em todo mundo durante os lockdowns – especula-se que cerca de 95% dos comércios de consumo externo de café foram fechados em dado momento.
A OIC (Organização Internacional do Café) relata que em julho de 2020, o café solúvel representou 9,1% de todo o café exportado em todo o mundo – um aumento de 1% em relação ao mesmo período do ano anterior.
No primeiro trimestre de 2020, as taxas de exportação do café solúvel do Brasil cresceram cerca de 20%; no mesmo período, as bolsas do mercado de ações tiveram um aumento considerável quanto à demanda de canephoras (Robusta, e no Brasil, Conilon). O fato de os canephoras serem a matéria-prima principal na produção de café solúvel foi recebido pelo mercado como uma consequência desse aumento de demanda.
De março a agosto de 2021, os meses mais afetados pela pandemia no Brasil (neste último ano), o número de buscas online do termo “café solúvel” aumentou 50% (segundo o Google Trends) em comparação ao primeiro bimestre do ano (período de 2021 no qual as restrições foram diminuídas).

Uma breve história do café instantâneo
Embora tenha sido inventado no século 18, o café instantâneo se tornou popular durante a Primeira Guerra Mundial quando passou a fazer parte dos alimentos dos soldados. Após o fim do conflito, as interrupções na economia global geraram um superávit de café em todos os parques cafeeiros do Brasil. Por volta de 1930, a Nestlé e o Instituto Brasileiro do Café desenvolveram em conjunto o primeiro café solúvel industrializado em grande escala.
São duas as técnicas usadas na produção de café solúvel. A liofilização ou freeze-drying (que desidrata alimentos) foi introduzida na década de 1960, e alavancou a qualidade e o sabor do café instantâneo, e por consequência, o índice de demanda e popularização do produto.
O outro método principal de produção é a secagem por spray-drying, ou secagem por pulverização.
De acordo com o diretor de Relações Institucionais da ABICS, Aguinaldo Lima, e a consultora de mercado da associação, Eliana Relvas, a capacidade do parque industrial brasileiro de fabricação é de até 20% de freeze-drying e até 80% de spray-drying.
Hoje, o café instantâneo ou solúvel é exportado como produto final, e seu processo logístico é executado de forma mais simples quanto a transporte, em relação a grãos verdes ou torrados. Além de pesar menos do que um grão de café verde, o café solúvel é mais resistente a condições adversas, também por ser geralmente produzido com robusta, em vez de arábica. Em suma, é uma solução de café barata e conveniente.

Produção de café instantâneo hoje
A região brasileira com o maior índice de consumo é o sul, “mas essa tendência está se ampliando por todo o país”, dizem Aguinaldo e Eliana.
Eles explicam que o café solúvel é principalmente um produto conhecido pela combinação com o leite, mas cuja demanda de consumo tem se expandindo rapidamente a outras formas de consumo, como o uso em drinques e na culinária.
“Lembrando ainda que o café solúvel é o componente principal de cappuccinos e de mistura prontas de café com leite, também muito apreciados pelo consumidor”, explicam os especialistas.
Outros países produtores de café estão experimentando taxas de crescimento igualmente altas. Em 2020, a colombiana Buencafé, produtora de café liofilizado 100% local, apresentou seu melhor desempenho financeiro no primeiro semestre do, com vendas superiores a 10% em relação ao primeiro semestre de 2019.
Cristina Madriñan é a gerente geral da Buencafé, e acredita que há inovação constante em busca de mais qualidade por parte dos produtores internacionais.
“Novas aquisições, fusões entre empresas e o crescimento da capacidade de novas instalações em todo o mundo sugerem um crescimento sustentado [do café instantâneo]”, diz ela.

A ascensão do café solúvel de alta qualidade
Várias grandes cadeias de varejo de bebidas de café acrescentaram opções de café instantâneo de qualidade para entrar nesse mercado lucrativo. Depois de anunciar uma parceria em 2018, a Starbucks e a Nestlé lançaram uma linha de café solúvel “premium” em fevereiro de 2020.
Esses produtos agora estão disponíveis em vários países, incluindo China, Japão, Austrália, Malásia, Brasil, Reino Unido e México. Em um comunicado conjunto, a Starbucks e a Nestlé reconheceram o rápido crescimento do mercado de café solúvel como o principal motivador.
“O que temos observado é que havia uma demanda reprimida sobre os cafés de especialidade e, assim que foram sendo introduzidos no mercado, as respostas dos consumidores foram positivas, aumentando as vendas e mostrando a necessidade de um reposicionamento dessa categoria nas gôndolas nacionais”, diz Eliana.
Ela explica que a consequência foi o aumento da oferta de produtos de melhor qualidade, e assim o consumo dos cafés especiais em geral, o que inclui a subcategoria dos solúveis desse nicho.
Kent Sheridan é o fundador da VOILA Instant Coffee, uma empresa dos EUA que produz misturas de café solúvel personalizadas para marcas de terceiros. Ele acredita que o café solúvel é uma boa opção para torrefadores de cafés especiais, principalmente em um cenário econômico pós-pandemia, e que o crescimento no mercado de instantâneos especiais tem sido significativo nesse nicho.
Um dos clientes de Kent é a Três Marias Coffee Company, dos Emirados Árabes Unidos. A fundadora Maria Eduarda Becker Pavani conta que o lançamento de sua linha de café solúvel coincidiu com a pandemia em 2020. Maria diz que a iniciativa nasceu porque, embora alguns clientes estivessem em busca de cafés especiais, muitos não tinham conhecimento e equipamentos para prepará-lo. Sua linha de café instantâneo, diz ela, oferece aos consumidores um café de excelente sabor, sem a necessidade de extenso conhecimento de técnicas avançadas de preparo de café.

A ABICS está em vias de definir um protocolo único de cupping para o nicho do café solúvel. Atualmente não há um protocolo global de avaliação de classificação e análise sensorial dos cafés solúveis, independentemente do nível de qualidade.
Apesar de o café solúvel ser considerado uma forma da bebida vista como inferior por consumidores mais exigentes, o segmento segue evoluindo no mercado como um dos nichos com maior potencial de evolução. No segmento dos cafés especiais, fora do mercado de commodities, a recente demanda por café solúvel também apresenta mais uma oportunidade para pequenos produtores.
O segmento apresenta um potencial inegável de evolução: as associações a grandes marcas e maior interesse quanto a qualidade da bebida, de origem a perfil sensorial, projetam o café solúvel como um possível protagonista da nova era de consumo pós-covid.
Créditos: VOILA, Três Marias Coffee Company, Pixabay.
PDG Brasil
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