O que faz um Q-Grader?
Você com certeza já ouviu esse termo em algum momento: Q-Grader. Mas talvez não saiba exatamente o que esse profissional faz, especificamente em qual área ele atua, e até mesmo como se constrói essa carreira.
Qual o caminho das pedras e as maiores dificuldades para se tornar um Q-Grader? Será que no mercado cafeeiro existe bastante espaço para atuar? O processo de certificação exige muito de quem deseja se enveredar por esse caminho?
O PDG Brasil buscou profissionais certificados e que atuam em áreas diferentes para tentar compilar a maior quantidade de informações possíveis, a fim de ilustrar e esclarecer ao máximo todos os mistérios não desvendados dessa profissão. Não deixe de acompanhar até o final.
Você também pode gostar de O que é o programa Q-Grader? Você deve se certificar?

Afinal, o que significa o termo Q-Grader, e como ele surgiu?
O termo “Q-Grader” pode ser traduzido como “Avaliador Q” (Q de “Qualidade). Pertence ao “Q Grader System”, que nada mais é do que uma série de exames práticos desenvolvidos pelo Coffee Quality Institute – CQI, uma instituição internacional que existe para garantir a qualidade dos cafés do mundo inteiro.
Mas como funciona isso, você deve estar se perguntando. Cecilia Megumi Sanada, consultora e instrutora Q em formação Coffee Quality Institute (CQI), nos conta que antes de qualquer coisa é importante entender:
“O programa de Q-grader é uma certificação criada pelo Coffee Quality Institute, uma organização sem fins lucrativos que trabalha internacionalmente para melhoria da qualidade do café e da vida das pessoas que produzem e trabalham com ele.”
“Foi por meio de consultas com diversos profissionais da área do café no mundo todo que se desenvolveu um exame de alto nível, no qual são avaliadas as habilidades de um provador / classificador de café, considerando padrões de café especial que se baseiam nos padrões da Specialty Coffee Association (SCA).”
Ela nos conta também que, ao longo dos anos, desde que essa certificação começou a ser aplicada aqui no Brasil, foi nítido o desenvolvimento dos profissionais de prova de café, principalmente de alta qualidade.
“O exame é composto por diversas provas práticas desde sensoriais, avaliação de cafés de diversas origens do mundo, processos, identificação de aromas existentes no café, ácidos orgânicos, triangulações, avaliação de café verde e torrado, entre outras.”
Ela reforça que Q-Grader não é uma profissão, mas sim um profissional certificado pelo CQI, que tem validade de três anos. “Após esse período, o profissional deve se calibrar para continuar certificado. Se isso não acontecer nesse período, seu certificado é invalidado, e deve-se re-certificar ou realizar novamente todos os exames.”

Na prática, o que afinal faz o Q-Grader?
Já entendemos que esse é o profissional em classificação e degustação de café, chancelado pela CQI, certificado e credenciado a fazer avaliações de cafés arábica em todo o mundo.
Everton Tales da Silva é o atual Presidente ABCD Café, Q-Grader certificado pela CQI, coffee hunter e supervisor de cafés especiais na 3corações S/A. Ele nos conta que essas avaliações seguem um protocolo universal, no qual são avaliados dez atributos sensoriais: fragrância, aroma, sabor, corpo, doçura, xícaras limpas, uniformidade, acidez, finalização e geral.
Que fique bem claro: existe uma diferença para avaliar os cafés da espécie arábica comparando com os canéforas. Já aprendemos que o profissional responsável pela qualidade dos cafés arábica é chamado de Q-Grader. Para a espécie canéfora, esse profissional é conhecido como R-Grader (R de robusta), e possui toda uma certificação, processos, critérios de avaliação, diferentes do Q-Grader.
Essa régua comparativa é totalmente diferente. Portanto as avaliações são feitas de maneiras distintas, sendo as principais diferenças considerando os robustas: medir o nível de salinidade e o amargor.
Mas, seguindo com o foco no Q-Grader, essa nomenclatura é considerada sem gênero, usada tanto para homens quanto mulheres. Ou seja, é bastante comum você ver homens e mulheres atuando com o respaldo dessa classificação em sua profissão.
Ainda existe um desequilíbrio de gêneros nesse setor. Em todos os segmentos da cafeicultura, o sexo masculino sempre foi predominante, e com os Q-Graders ainda não é diferente. Mas, nos últimos anos, as mulheres estão conquistando seu espaço com grande maestria e qualidade de trabalho, trazendo equilíbrio de gênero para o setor.
E por falar em atuação, onde será que pode trabalhar um profissional Q-Grader?
De acordo com nossos entrevistados, o profissional certificado Q pode atuar em diversas frentes, desde a fazenda até a indústria:
- em parceria com produtores auxiliando na qualidade, até a indústria avaliando grandes cafés de qualidade;
- emitindo laudos e provando cafés, tanto para compra de café verde para produtoras e produtores terem referencial de qualidade e de valores para balizar o mercado;
- laboratórios de qualidade de fazendas;
- cooperativas;
- associações de produtores;
- exportadoras;
- importadoras;
- traders;
- torrefações.

Trabalhar com degustação, é dom ou dedicação?
Foi unânime o posicionamento dos nossos entrevistados: não é sorte, não é dom, é fruto de muita dedicação e estudo constante.
Como em qualquer área de atuação, há quem tenha mais predisposição ou facilidade para a degustação e que absorva tudo mais rápido. Bem como existem aqueles que precisam de mais dedicação, treino e estudos para atingir o mesmo objetivo. Mas, se você se predispor a pagar por uma certificação, você deve se preparar para ela.
E chegamos em um ponto delicado dessa conversa, pois essa certificação não custa pouco, além de exigir bastante treino, estudo e disciplina.
Fabiola Jungles é profissional do café desde 2015, barista, licensed Q-Grader, educadora, torrefadora e sócia fundadora da Flama Torras Especiais, sediada em Curitiba (PR). Seu interesse começou em um curso de análise sensorial da Verônica Belchior, no qual várias atividades eram baseadas nas provas do Q-Grader.
“Depois que decidi fazer a certificação, me preparei por conta própria por meio de treinos baseados nas provas que enfrentaria. Acredito que fiquei durante dois meses dedicada após o horário do trabalho. Não necessariamente conseguia fazer todos os dias.”
“Hoje em dia sei que já existem vários cursos preparatórios voltados para a prova do Q-Grader. Na época investi somente para as provas em torno de R$ 6.600,00, além de custos de deslocamento, estadia, alimentação durante a semana de provas, e obviamente, o preparo e ausência do trabalho nesse período.”
Cecilia reforça que “a pessoa interessada deve se preparar para um exame de alto nível, de muitos dias, ter experiência em prova de café, conhecimentos gerais, diferentes origens. É um exame caro para nós brasileiros, pois o valor é em dólares, podendo variar bastante de acordo com o câmbio. Os custos do exame envolvem também o envio dos cafés do laboratório certificado, instrutor, local certificado para realizar os exames (não pode ser em qualquer lugar).”
Everton esclarece que o interessado em se tornar Q-Grader deverá passar por 23 avaliações de testes teóricos e práticos: “conhecimentos gerais, história do café em algumas regiões, seu poder socioeconômico, processamentos de qualidade, produção, comercialização etc”.
“Existe a prática, teste sensorial de cafés de diferentes origens, sensory skills, teste com ácidos orgânicos, triangulação sensorial, avaliação de grãos verdes, identificação de torra. O curso tem duração de seis dias e um custo médio atual de R$ 8.000,00.”
No Brasil, as escolas certificadas pelo CQI são: BSCA, em Varginha (MG), Academia do Café, em Belo Horizonte (MG), e Savassi Consultoria, em Patrocínio (MG). Mas há também os Campus SCA, que são autorizados a emitir esse certificado. Existem quatro Campus SCA no Brasil. Além da BSCA, são: Sindicafé-SP, em São Paulo, Supernova Coffee Hub, em Curitiba, e Unifacig, em Manhuaçu (MG).

A jornada de quem já chegou lá
Você agora pode estar matutando, pensando se essa profissionalização é mesmo para você. Por isso, viemos compartilhar como a jornada de cada um de nossos entrevistados aconteceu, a fim de te inspirar ou até mesmo tranquilizar caso decida entrar de cabeça.
“Após atuar dois anos e meio somente no balcão, tive interesse em me desenvolver na área sensorial e de torra, pois sempre gostei muito de estudar. Em 2017 surgiu a oportunidade de ser sócia de uma cafeteria e microtorrefação de Curitiba (PR), onde aprendi a profissão de torra.”
“Percebi como desenvolver perfis, mas torrar e provar estavam intimamente ligados. Por isso, senti a necessidade de estudar mais a fundo e ter uma certificação que embasasse isso. Meu ponto de vista era muito certo de que era algo importante para meu caminho na área do café, e também, como mulher, para obter reconhecimento e um ‘aval’ público, algo que infelizmente ainda se faz necessário.” Assim, Fabiola se tornou a primeira Q-Grader de Curitiba.
Para Cecilia, que atua no mercado de cafés desde 2007 como barista, controle de qualidade de torrefação e cafeteria e na criação de blends para espresso, a prova de café sempre se fez muito presente.
“Trabalhei em grandes fazendas (produção de 70 mil sacas) na equipe de qualidade e provava muitos cafés, todos os dias. A certificação me ajudou a ter um vocabulário em análise sensorial de café muito mais baseado em conhecimento, tanto em português quanto em inglês (linguagem universal do café).”
“Me ajudou também com os concursos de qualidade de café, onde comecei a avaliar melhor os cafés de alta qualidade. Sem contar na comunicação entre desejo do cliente (torrefação) e fazenda, onde atuo como consultora de qualidade.”
Everton trabalha com café há dezesseis anos: “comecei em Manhuaçu, nas matas de Minas, onde fiquei por três anos e depois fui para Varginha (MG). Mas sempre tive vontade de aprender sobre cafés especiais e me tornar juiz. Em 2011 tive meu primeiro contato com o café especial, em um curso de qualidade que fiz em São Paulo (SP).”
“Desde então, fui me preparando para fazer os testes e me tornar classificador certificado. Em 2012 fiz o curso de Q-Grader pela Academia do Café. Minha maior motivação sempre foi ter um entendimento de que esse nicho seria fundamental para meu crescimento profissional, além do desenvolvimento da cafeicultura, um despertar para a qualidade no Brasil.”

7 dicas para facilitar a sua jornada
Se você chegou aqui, esse é o momento de tomar nota e pegar dicas valiosas que vão te manter com o pé no chão e foco em seu propósito:
- Saiba desde já que será preciso despender bastante dinheiro para sua formação, então comece a se preparar desde já;
- É preciso tempo para treinar, pois não é um curso, é uma certificação. Isso significa que você irá lá para fazer as provas;
- Há alguns cursos de preparação para a certificação Q-Grader que podem contribuir com o seu aperfeiçoamento. Mas também significam mais investimentos;
- Tudo no café se resume a constante estudo e atualização: não pare de estudar sobre café (mercado, qualidade, variedades, terroir brasileiro, tendências, sustentabilidade, consumo etc.);
- Falar outras línguas pode ser uma ótima ferramenta, senão você se tornará uma ilha;
- Prove café de várias origens, acompanhado de outros profissionais. Troque informações sempre que possível, a fim de criar uma biblioteca sensorial;
- Deguste e treine, aprenda todo dia, cada xícara trará uma experiência e novos aprendizados;
- Faça com amor para tornar o processo leve e prazeroso.

Se você se dispor a enfrentar esse desafio, tenha clareza de que você é único, bem como seu processo de evolução. Tenha em mente as experiências aqui compartilhadas, cada dica dada, que poderão ajudar qualquer pessoa que realmente deseja começar sua jornada para se tornar um profissional Q-Grader.
Fica um recado do Everton a todos os degustadores Q-Graders ou aqueles que desejam se tornar um: “todos nós temos que ter a consciência de que estamos avaliando um trabalho de um ano inteiro dos produtores quando chega um café até nós. Sejamos totalmente imparciais em cada avaliação para que nossa profissão seja cada dia mais respeitada e reconhecida por todos da cadeia do café, de ponta a ponta.”
E mais uma vez a gente esbarra nesse pensamento que faz refletir sobre o café especial, a valorização e cuidado de cada grão que chega em nossas xícaras, desde lá da lavoura.
É essencial reconhecer também todo esse trabalho, a dedicação e o investimento exigidos dos degustadores. Esses profissionais possuem um papel de extrema importância na qualidade de cada dose de café que chega até nós.
Créditos: Capricornio Coffees (cuppings); Cecilia Megumi Sanada (avaliação de cafés); Everton Tales (cupping no laboratório); Rai Castor (close no cupping na Ficafé – Feira Internacional de Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná); Fabiola Jungles (cupping; visita ao produtor Augusto Borges, Fazenda Capadócia).
PDG Brasil
Quer ler mais artigos como este? Assine a nossa newsletter!