A sustentabilidade do café ganha força
ESPECIAL CARBONO E REGENERAÇÃO PDG BRASIL*
Nos últimos anos, a sustentabilidade se tornou uma palavra da moda. Em alguns casos, é fácil argumentar que isso fez com que seu significado e peso se tornassem um tanto confusos. De qualquer forma, está se tornando um cenário complicado de navegar, tanto para empresas quanto para consumidores. Quando se fala em sustentabilidade do café, acontece o mesmo.
A cada dia que passa, o mercado do café enfrenta uma rede crescente de desafios ambientais, sociais e econômicos que colocam em risco a subsistência de muitos e o futuro do setor. Entrar para a “sustentabilidade”: uma forma de poupar o meio ambiente e recompensar as partes interessadas de maneira justa, ao mesmo tempo em que se cria um setor cafeeiro durável e próspero.
O que isso significa? E como podemos nos tornar sustentáveis como indústria? Para saber mais, conversamos com Olivier Laboulle, da Louis Dreyfus Company (LDC), Mario Cerrutti, da Lavazza, e a Dra. Martina Bozzola, da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique e da Queen’s University Belfast. Continue a ler para descobrir o que eles disseram.
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Definindo sustentabilidade
Antes de podermos discutir o porquê e o como da sustentabilidade, é crucial primeiro definir seu verdadeiro significado. A definição mais citada é do Our Common Future, também conhecido como o Relatório Brundtland.
O desenvolvimento sustentável é um desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades.
Embora isso resuma a essência da palavra e seus objetivos, a sua definição permanece vaga. Sustentabilidade é um conceito que pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Então, perguntamos a cada um dos três entrevistados o que isso significa para eles.
Olivier Laboulle é o chefe global de sustentabilidade para café na Louis Dreyfus Company. Ele vê a sustentabilidade como um modelo de produção e consumo financeiramente rentável para todos os participantes da cadeia de valor, sem impactar negativamente as pessoas ou o planeta.
“Na agricultura, e no café em particular, temos a oportunidade de ir além da prevenção de impactos negativos e realmente reparar ecossistemas danificados”, diz Olivier. “Imagine se cada xícara de café consumida em todo o mundo estivesse contribuindo ativamente para a luta contra as mudanças climáticas, por exemplo.”
Para Mario Cerrutti, chefe de Sustentabilidade da Lavazza, a palavra carrega um peso de responsabilidade. “Precisamos ter cuidado para não criar alguma confusão”, diz ele. “Quando dizemos aos consumidores que algo é sustentável, o que isso significa? Precisamos ser claros sobre isso e como o estamos conseguindo a sustentabilidade.”
Finalmente, a Dra. Martina Bozzola é economista ambiental na Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique e na Queen’s University, em Belfast. Ela também é parceira do programa Alianças para Ação do International Trade Centre, como especialista em meios de subsistência e sustentabilidade.
“Para mim, a primeira coisa que vem à mente é o longo prazo, a capacidade de fazer uma cadeia de suprimentos que pode durar”, diz ela. “Tudo se resume a envolver consistentemente os três pilares da sustentabilidade: social, ambiental e econômico.”
Por exemplo, se você realizar um projeto para maximizar o lucro e usar métodos de produção baratos, provavelmente irá negociar prejudicando o meio ambiente e/ou explorando os trabalhadores. Isso será categoricamente insustentável.

O caminho gradual para reformar uma cadeia de fornecimento
As preocupações com as disparidades socioeconômicas e as consequências ambientais prejudiciais na produção de café não são novas. No século 20, o setor abraçou um certo nível de sustentabilidade ambiental por meio da certificação orgânica; práticas comerciais éticas logo seguiram com a adoção da certificação Fairtrade.
Isso, por sua vez, impulsionou a criação de outros selos de certificação voltados para a sustentabilidade ao longo do século XXI.
Olivier fala sobre o contexto de sustentabilidade no qual a LDC opera, olhando primeiro para quando a empresa começou a comercializar café no Brasil, em 1989.
“Na época, havia menos consciência do consumidor sobre a sustentabilidade”, explica. “A Rainforest Alliance tinha acabado de ser fundada nos Estados Unidos, e os padrões de sustentabilidade do café eram relativamente específicos. Foi confinado principalmente a um pequeno número de consumidores ativistas e dedicados.”
“Hoje, a sustentabilidade é um padrão mínimo. Estima-se que mais de um quarto de todo o café no mundo seja produzido de acordo com uma certificação.”
Embora as certificações possam envolver uma série de problemas, elas marcam um passo formal em direção a um impulso global e coletivo para cadeias de suprimentos mais sustentáveis.
Mário reconhece a mudança positiva que ocorreu ao longo dos anos, quando se fala em sustentabilidade do café. No entanto, ele ainda está cauteloso em relação aos problemas que persistiram ao longo do tempo, apesar dos esforços das partes interessadas.
Ele aponta questões contínuas como a baixa remuneração do produtor, a falta de um salário digno e a longa dificuldade de construir conhecimento e conscientizar sobre qualidade e questões socioambientais.
“As mudanças climáticas, as pragas e as doenças aumentaram”, acrescenta. “As terras adequadas e adaptadas à produção estão diminuindo, a questão geracional está se aprofundando e o impacto da produção insustentável de café sobre nossos recursos naturais é problemático.”
“Os novos desafios não são menores ou menos preocupantes do que no passado, e nem deve ser nossa decisão de enfrentá-los.”

Há lucro na sustentabilidade do café?
Os consumidores estão responsabilizando cada vez mais as marcas pela sustentabilidade e pelo comércio justo, à medida que a conscientização pública sobre esses tópicos aumentou nos últimos anos. Isso se deve em grande parte às mídias sociais e plataformas online. Isso está gerando mudanças em toda a cadeia de abastecimento, pois a demanda ajuda a gerar mais respeito pelos agricultores e pelo meio ambiente.
Mas isso significa que as marcas podem ser simultaneamente lucrativas e sustentáveis?
Nos últimos anos, vimos que marcas e fabricantes identificaram a sustentabilidade como uma forma de marketing e um meio poderoso de diferenciação de produtos. Isso lhes permitiu promover a sustentabilidade do café e cumprir seus objetivos de responsabilidade social corporativa, ao mesmo tempo em que se mantinham competitivos.
Olivier diz que daqui para frente, as empresas que não conseguirem cumprir os compromissos de sustentabilidade dos torrefadores serão eliminadas. Ele observa que a LDC está “orgulhosa de fazer parte dessa mudança positiva em nosso setor” e diz que “beneficiará as gerações atuais e futuras de cafeicultores, comerciantes, torrefadores e consumidores”.
Para Mario, ser sustentável está se tornando um verdadeiro trunfo competitivo. Mas ele observa que essa mudança é “boa e ruim”.
“Quanto mais concorrência houver, mais incentivos existirão para dar um ‘greenwash’ [marcas que se dizem sustentáveis para vender mais, mas na realidade não são] e enganar os consumidores com informações vagas”, diz ele.
Ele destaca a importância de nivelar o jogo com uma abordagem séria em relação à sustentabilidade e lembrar o objetivo final: o impacto nas pessoas.
“Se você começar com competição e lucro como incentivo ou intenção, será um desastre”, diz ele. “Se ninguém se importa, por que as pessoas deveriam se comprometer?”

Ações obrigatórias em vez de facultativas seriam uma boa solução?
Por um tempo, a sustentabilidade da cadeia de suprimentos tem sido impulsionada principalmente pela demanda do consumidor e padrões facultativos. No entanto, daqui para frente, ações obrigatórias provavelmente se tornarão mais difundidas. Mas isso é bom?
Por um lado, poderia ajudar a integrar a sustentabilidade em todo o setor.
“É útil que os legisladores estabeleçam padrões”, diz Olivier. “Isso cria condições de concorrência equitativas e garante que todas as partes interessadas estejam puxando a mesma corda.”
Por exemplo, na UE, tem havido um longo debate em torno das regras facultativas e obrigatórias. As empresas que implementaram práticas modernas de sustentabilidade estão cada vez mais exigindo legislação, argumentando que os concorrentes não devem escapar impunes de serem insustentáveis.
No entanto, hoje está claro que as cadeias de valor do café que abastecem a Europa serão cada vez mais influenciadas pelo Acordo Verde Europeu.
Esta é uma estratégia de crescimento que visa transformar a UE numa economia moderna, eficiente em termos de recursos e competitiva. Pretende criar um futuro inclusivo, competitivo e amigo do ambiente para a Europa por meio de estratégias direcionadas e ações obrigatórias.
Em última análise, porém, essas novas regulamentações terão impactos positivos e negativos na comunidade de produtores. Martina sublinha que as medidas de acompanhamento serão essenciais para o bom funcionamento da nova legislação.
“Por um lado, é ótimo ver que existe um sério compromisso no nível das políticas para honrar o compromisso que assumimos no Acordo de Paris”, diz ela.
“Por outro lado, as ações obrigatórias e o aumento da transparência e dos requisitos geram, inevitavelmente, maiores expectativas para os produtores. Assistência técnica e capacitação serão fundamentais para apoiar esta transformação.”
Embora Mário apoie o conceito das ações obrigatórias, ele acredita que as escolhas do consumidor serão um catalisador muito mais poderoso para a mudança.
“Um método obrigatório pode excluir o envolvimento de atores e uma abordagem de baixo para cima”, diz ele. “É melhor que as pessoas realmente entendam por que uma maneira é melhor do que outra. Um consumidor instruído pode fazer uma diferença incrível e responsabilizar as empresas.”

Colaboração e um empurrão coletivo para uma mudança sistêmica
Há uma percepção crescente de que o mundo moderno está se tornando cada vez mais colaborativo. Trabalhar separadamente nas mesmas questões ou níveis da cadeia de valor não resultará em uma transformação eficaz. Parcerias público-privadas, alianças entre operadores da cadeia de abastecimento e políticas serão fundamentais para impulsionar o setor cafeeiro rumo a mudanças generalizadas.
Olivier está otimista. Ele diz: “Se as ações de cada elo da cadeia de abastecimento são responsáveis – como quando os reguladores definem novas políticas ou os consumidores mudam seu comportamento de compra ou os torrefadores assumem compromissos relacionados à sustentabilidade – então entramos em um ciclo virtuoso”.
Embora isso pareça ótimo na teoria, requer muito trabalho e dedicação na prática. Martina explica que as parcerias não acontecem de forma espontânea. O engajamento dos produtores, por exemplo, requer uma conscientização e um esforço para compartilhar tecnologia e recursos.
“Não se pode pedir a um produtor que adote práticas agroflorestais dinâmicas se não houver capacidade para respaldá-las”, diz ela. “Onde eles acessam as mudas? Como eles as implementam? Como eles lucram com isso? As pessoas precisam de um incentivo para abraçar a sustentabilidade.”
Ela também observa que o papel do setor público é importante. “Você não pode implementar medidas sem bases sólidas”, diz ela. “Você precisa de instituições saudáveis e que funcionem bem, que possam levar a cabo o impulso para a sustentabilidade e apoiar a implementação.”

Cadeia de suprimentos de café de amanhã: o que vem agora?
Perguntamos aos entrevistados como eles veem o futuro do setor cafeeiro, e o quão sustentável eles acham que será.
Em primeiro lugar, Olivier está confiante de que os principais participantes da indústria têm um roteiro claro e concreto para moldar um futuro sustentável.
“A União Europeia e os principais torrefadores se comprometeram a reduzir as emissões de carbono pela metade até 2030, as leis de devida diligência estão sendo aprovadas e as empresas voltadas para o consumidor se comprometeram com o café de origem 100% responsável.”
Martina acredita que as práticas sustentáveis vão se tornar a norma. “Eles não serão mais um nicho, mas uma exigência e uma expectativa do consumidor”, afirma.
No entanto, ela alerta para a necessidade de um diálogo inclusivo e ação colaborativa sobre sustentabilidade que se estenda a todos.
“Estamos vendo uma mudança”, explica ela. “Alguns países produtores estão se tornando países consumidores, e temos mercados emergentes no Leste Asiático, onde o consumo está aumentando.”
“Quais são as tendências lá? Isso precisa ser monitorado e discutido à medida que novos mercados se abrem e crescem”.
Por fim, para Mário, o direito do consumidor a informações ambientais e socioeconômicas rastreáveis dos produtos será de grande importância.
“Coisas como as características da área de cultivo e das condições dos produtores serão cada vez mais necessárias”, afirma. Ele diz que a Lavazza tem uma parceria com a Slow Food Coffee Coalition para ajudar a conscientizar o consumidor. “O manifesto da Coalizão do Café é criar a obrigação de aprender, saber e perguntar.”

Esforços sustentados e práticas novas e mais sustentáveis em toda a cadeia de abastecimento podem ajudar a mitigar os desafios que o setor cafeeiro global enfrenta.
A legislação obrigatória para regular o setor é uma medida que demonstra compromisso com metas sustentáveis. No entanto, é uma ferramenta, não uma solução – e que requer um uso cuidadoso.
“Encontrar um equilíbrio entre estabelecer requisitos mínimos sem prescrever em excesso será fundamental”, conclui Olivier.
Não podemos exigir que as pessoas sejam eficientes ou éticas. Mas, como um coletivo, podemos melhorar a compreensão, o conhecimento, e ainda, criar incentivos para contribuir com uma cadeia de abastecimento de café mais justa e sustentável.
Créditos das fotos: Lavazza, LDC, Martina Bozzola.
Tradução: Daniela Andrade.
*Este artigo faz parte do ESPECIAL CARBONO E REGENERAÇÃO – PDG BRASIL. O especial, que reúne os artigos sobre temas ligados às emissões de carbono e à agricultura regenerativa, faz parte do compromisso do PDG Brasil em fortalecer um conteúdo que contribua com a preservação e a regeneração da natureza na produção de café. Acompanhe outros artigos publicados sobre o tema na editoria Sustentabilidade.
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