Como está a automação na indústria do café?
A cultura do café da terceira onda tornou-se sinônimo de arte de fazer café – frases como “torrado manualmente” ou “preparado manualmente” são comumente usadas para comercializar o próprio café e bebidas de café.
Como tal, alguns podem ver a crescente presença da automação na indústria do café em conflito com a “arte” de fazer café – seja na produção, processamento, torrefação ou preparo.
Para muitas empresas, a automação é inevitável. Os consumidores de hoje exigem eficiência e consistência em todas as esferas da vida, inclusive nos alimentos que comem e no café que bebem. Mas quais processos o setor cafeeiro automatizou? E o que isso mudará para produtores, torrefadores, baristas e consumidores?
Para saber mais, conversamos com quatro profissionais de café de toda a cadeia de abastecimento. Continue a ler para saber o que disseram.
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Por que a automação na indústria do café está se tornando tão predominante?
Em 2019, a UCC Coffee pesquisou consumidores de café fora de casa no Reino Unido e perguntou o que eles esperavam das cafeterias. Oito em cada dez entrevistados afirmaram que a consistência era o fator mais importante ao visitar um café.
Em toda a cadeia de abastecimento do café, desde a produção e torrefação até o preparo, a consistência se tornou cada vez mais importante ao longo dos anos.
David Walsh é chefe de pesquisa e desenvolvimento da Marco Beverage Systems, uma empresa que projeta, fabrica e vende sistemas automatizados de preparo de café e abastecimento de água.
“Há uma promessa implícita (e às vezes explícita) ao oferecer um café coado manualmente”, diz ele. “Muitas vezes é uma promessa de qualidade, mas quando o erro humano e a consistência entram em jogo, o resultado às vezes pode ser decepcionante.”
“Na maioria das áreas de gastronomia, você cria uma receita, a refina, a aperfeiçoa; depois disso, é necessário que ela seja replicada. A automação, até certo ponto, pode cuidar dessa parte.”
Quando os clientes podem pagar algo em torno de US$ 3 (cerca de R$ 15) por um café espresso, por exemplo, a consistência em qualidade se torna a chave para a satisfação do consumidor.
Matthew Jones é o fundador da Robo Esso, uma cafeteria totalmente automatizada no Colorado, que “emprega” baristas robôs.
“Tarefas que são repetitivas e exigem consistência estão prontas para a automação”, diz ele. “Adicione isso à popularidade do café e você chegará onde estamos agora.”
Mas a automação não está crescendo apenas no mercado de cafés. Na outra ponta da cadeia de abastecimento, os produtores de café começaram a adotar a automação em toda a linha. Podemos ver isso com a colheita mecanizada em alguns lugares no Brasil e Vietnã, mas vai muito além disso.
Felipe Ayerbe é o CEO e fundador da Demetria, uma startup agritech que é pioneira no sistema de análise de qualidade de café verde movido à IA (inteligência artificial) do mundo.
“A degustação de café é inacessível para a maioria dos 12,5 milhões de pequenos agricultores que produzem 60% dos grãos de café do mundo”, diz Felipe. “Isso significa que muitas vezes eles não podem determinar ou gerenciar a qualidade de sua safra e muitos não conseguem ganhar um sustento confiável.”
“Só mais tarde no processo, quando os grãos passam por uma extensa e complexa cadeia de suprimentos que incorpora os comerciantes, processadores e exportadores, a qualidade é determinada. Consequentemente, os cafeicultores recebem em média apenas 2,5% do valor cobrado em uma xícara de café.”
Com um sistema como o do Demetria, os produtores aproveitam a automação para entender mais sobre a qualidade de sua safra, o que, por sua vez, pode ajudá-los a melhorar o preço que recebem pelos grãos.

Cafés, torrefadores e automação
Nos últimos anos, a automação está cada vez mais presente no mercado de cafeterias. Na maior parte, isso foi resultado de um esforço para melhorar a consistência e minimizar o tempo que os baristas gastam em tarefas manuais.
No entanto, também pode melhorar outros aspectos do trabalho do barista, como mitigar movimentos contínuos que podem causar lesões por esforços repetitivos (LER), por exemplo.
Os compactadores automatizados e as varinhas de vapor (como PuqPresse Übermilk, respectivamente) não eliminam apenas os movimentos repetitivos envolvidos na compactação e na vaporização do leite. Eles também melhoram a consistência para extração de café espresso e texturização do leite. Isso pode ajudar os baristas novos ou menos experientes.
Além disso, para baristas mais experientes, a automação pode fornecer mais tempo para interação com o cliente, uma parte fundamental da experiência da cafeteria, ao mesmo tempo que ajuda a entregar um café saboroso.
David me disse que essa tem sido a força motriz por trás de dois produtos Marco: a cafeteira de precisão SP9 e a cafeteira com filtro Ottomatic®.
“A SP9 permite que os baristas se concentrem em acertar nas receitas e em regular o café”, diz David. “Em vez de servir, eles podem interagir com os clientes ou realizar outras tarefas.”
A cafeteira de dose única de café filtrado requer atenção mínima. Os baristas ligam o SP9, mexem durante o blooming do café e são avisados quando a extração é concluída. Isso dá a eles mais tempo para se concentrarem em outras tarefas, o que é muito útil durante os horários de pico.
“Já estive em muitos cafés que não servem café filtrado na hora para os clientes durante os horários de pico”, diz David. “Acho que com o SP9, eles podem.”
No entanto, conveniência e consistência não ajudam apenas os baristas; os consumidores domésticos também podem se beneficiar.
“Marco viu que muitas das máquinas automáticas de café de filtro no mercado doméstico tinham problemas de consistência”, diz David. “Geralmente era um caso de vazão muito baixa ou um desenho de cabeçote ruim.”
“A OttomaticⓇ procurou tratar até mesmo o umedecimento e turbulência no leito de café de filtro”. A cafeteira automática, desenvolvida em parceria com a CHEMEXⓇ, permite que os consumidores, em casa ou no escritório, reavaliem suas variáveis de preparo para produzir café de alta qualidade com uma interação mínima.
Para torrefadores, há um foco semelhante na consistência. Frequentemente, isso vem na forma de aumentar a consistência, de lote a lote, por meio de replicação e automação.
Mas, além da consistência em lote, a IA e o aprendizado de máquina também estão sendo aproveitados pelos torrefadores. Eles podem ajudá-los a experimentar e localizar um perfil de torra perfeito.
Em março de 2021, por exemplo, o desenvolvedor de software Cropster anunciou que a previsão do primeiro crack, baseada em IA, chegaria à sua plataforma. Essa funcionalidade permite que os torrefadores entendam melhor o desenvolvimento do perfil para extrair o melhor de cada lote.

Como a automação está mudando as coisas para os produtores de café?
A automação na indústria do café está geralmente associada a cafés e consumidores. Mas e o café?
Bem, a automação não é de forma alguma um conceito novo para os produtores de café. Os agricultores no Brasil adotaram técnicas de colheita mecânica já na década de 1960 para melhor lidar com os níveis crescentes de produção.
Paulo Siqueira é co-proprietário da Fazenda Terra Alta em Minas Gerais, que produz cerca de 11 mil sacas de 60 kg por ano.
“Hoje usamos muita mecanização na fazenda, em quase todas as atividades”, afirma. “Algumas das máquinas, como as colhedoras mecânicas, possuem muitos eletrônicos embarcados (matrizes de câmeras, GPS, sistemas de monitoramento de colheita, por exemplo) e algumas tarefas podem ser totalmente automatizadas, como a irrigação.”
“Atualmente usamos máquinas para aplicar fertilizantes, classificadores eletrônicos para identificar e remover grãos defeituosos antes da exportação, sistemas de controle de irrigação automatizados, estações meteorológicas, controle de temperatura de secador mecânico e controle de temperatura de fermentação. Também temos trabalhado com o nosso robô revirador de grãos de café, mas ainda está em sua fase de protótipo.”
Na produção de café, a automação é amplamente utilizada para reduzir os custos de mão-de-obra e fornecer aos produtores mais tempo durante a colheita e o processamento. No entanto, a tecnologia de IA também pode ajudar os agricultores a entender mais sobre a qualidade de seu café.
“Usamos sensores de infravermelho próximo (NIR) para ler a impressão digital espectral dos grãos de café verdes”, explica Felipe. “As diferentes cores e comprimentos de onda do espectro de luz reagem de maneira diferente a cada composto orgânico do café.”
“Com todos os dados coletados das leituras NIR, além dos dados de degustação, podemos calibrar o AI para combinar uma impressão digital espectral específica com um perfil de sabor claro.”
Essa tecnologia pode dar aos pequenos agricultores com acesso limitado a equipamentos de degustação percepções mais quantificáveis sobre a qualidade do café, potencialmente ajudando-os a receber preços mais altos.

O que isso significa para o setor cafeeiro?
“A tecnologia nos permitiu aumentar a produtividade, reduzir custos, produzir um café melhor e passar de mão-de-obra predominantemente manual para mão de obra mais qualificada [e] melhor paga”, diz Paulo.
Apesar de seu grande elogio, no entanto, há uma crença amplamente difundida de que com o aumento da automação vem a perda generalizada de empregos. Se os trabalhadores manuais puderem ser substituídos por robôs e máquinas que possam realizar tarefas com mais eficiência, então haverá naturalmente uma preocupação com o futuro da força de trabalho do setor cafeeiro.
Em 2017, um relatório da McKinsey descobriu que pouco menos de 5% de todas as ocupações globais têm a capacidade de se tornar totalmente automatizadas. Juntos, eles abrangem cerca de 15% de todas as atividades globais realizadas em todos os setores.
Não há dúvida de que o aumento da automação certamente teria seus efeitos sobre o setor cafeeiro. No entanto, isso se traduziria mais em uma mudança nas descrições de trabalho e tarefas do dia-a-dia.
Felipe diz: “Demetria significa melhor uso do tempo e das habilidades dos degustadores, poupando-os para tarefas de alto valor, como identificar cafés de alta qualidade.”
Para o mercado de cafés, Matthew acredita que os baristas também teriam muito a ganhar com o aumento da automação, em vez de serem substituídos por robôs que também podem fazer café com facilidade: “Você terá salários mais altos e melhores benefícios. Vejo a automação acabando com a cultura de gorjetas e o pagamento começando em US$ 20 a US$ 25 para baristas, por exemplo”.
“A automação permite que os baristas sejam mais humanos, façam o que fazem melhor e construam relacionamentos com os clientes enquanto o robô faz o trabalho.”
Por fim, David observa que a intuição do barista ainda continua sendo um fator crítico para a experiência do consumidor.
“É responsabilidade do barista escolher o grão certo, a moagem, o tempo de preparo e assim por diante”, diz ele.

Abraçando o futuro da automação na indústria do café
Apesar da incerteza que a automação e a IA podem criar para os aspectos humanos da indústria do café, não há dúvida de que um futuro mais automatizado é inevitável no setor cafeeiro.
“A IA impulsiona a transparência e a eficiência em toda a cadeia de valor do café”, diz Felipe. “Beneficia todos os segmentos do mercado e contribui para uma maior sustentabilidade nas fazendas. Nós também acreditamos que será um incentivo para a continuidade da nova geração no campo.”
Um exemplo disso é o uso de drones para mapear dados climáticos em fazendas de café. Os relatórios mostram que, em 10 minutos, os drones podem coletar esses dados com uma taxa de precisão de 93%, enquanto os agricultores teriam que passar horas coletando dados semelhantes a pé.
“Acredito que a automação é uma forma de trazer melhores empregos para a fazenda e proporcionar um futuro melhor para as famílias produtoras de café”, diz Paulo.
Ele também observa que mais treinamento de alta qualidade ajudará os profissionais do café a trabalhar melhor com a tecnologia.
“Os humanos precisam de treinamento e educação para se beneficiarem totalmente da automação”, diz ele. “Tenho visto muitos produtores buscarem soluções que não entendem totalmente, apenas para descobrir que estão presos a um contrato com um produto que não entrega o que eles esperavam.”
Matthew, no entanto, acha que já temos a capacidade de adotar e colaborar facilmente com automação e IA. “Os profissionais do café podem aprender que os robôs não nos substituem”, diz ele. “Em vez disso, eles nos ajudam a entregar um produto melhor.”
Em vez de significar que perdemos os elementos humanos da preparação, torrefação e cultivo do café, ele diz que a automação pode nos ajudar a melhorar nossas habilidades e conhecimento para impulsionar o setor.
David conclui dizendo: “A valorização e a proliferação dos cafés especiais é a gênese de tudo. A disponibilidade e compreensão de um excelente café nunca foi melhor.”

No mundo de hoje, a mudança tecnológica é inevitável. Embora a automação na indústria do café possa significar que algumas tarefas manuais sejam retiradas dos trabalhadores humanos, muitos acreditam que ela deve ser aceita, em vez de tratada com preocupação e apreensão. Sem dúvida, significará que os empregos no setor cafeeiro mudarão, mas é provável que os tornará mais fáceis, em vez de obsoletos.
Em última análise, a automação e a IA podem ajudar as partes interessadas em toda a indústria a maximizar a qualidade do café, realizar seu trabalho com mais facilidade e promover um futuro mais sustentável.
Créditos das fotos: Marco Beverage Systems, Robo Esso, Demetria.
Tradução: Daniela Andrade.
Observação: Marco Beverage Systems é patrocinador do Perfect Daily Grind.
PDG Brasil
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