Como nascem as bebidas instagramáveis das cafeterias
Se o ato prazeroso de comer começa com os olhos, podemos dizer que com as bebidas acontece a mesma coisa. Um bom visual pode fazer toda diferença e te chamar para degustar aquela bebida linda da foto. Mas será que só ser instagramável basta?
Em tempos de mídias sociais e muita conexão virtual, potencializada inclusive por conta da pandemia, as timelines viraram verdadeiras vitrines e, mais do que nunca, viralizar para chamar o cliente é sempre uma oportunidade.
Mas, para entender um pouco melhor como esse processo acontece, o PDG Brasil conversou com donos de cafeterias e especialistas na arte de desenvolver drinques sobre quais aspectos fazem diferença para um cardápio de sucesso.
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Por onde começar?
Aparentemente, pensar diretamente nos itens bem sucedidos e fotogênicos para um cardápio não é o começo do processo. Isso porque seria um início baseado em gosto pessoal ou achismo, fatores que não combinam com operação de cafeteria e nenhum estabelecimento, ou pelo menos não deveriam ser a “bússola” para os negócios.
Com mais de 20 anos de atuação no mercado de bares e cafeterias, Thiago dos Santos já foi barista e hoje atua como mixologista e beverage specialist para a Kerry do Brasil. Responsável por projetos de inovação para a área industrial, Thiago recomenda: “o seu gosto pessoal deve ficar em casa. Aquilo que você gosta muito é o que você consome na sua casa, não necessariamente vai funcionar na sua cafeteria.”
Justamente para não se basear em opiniões, uma parte muito importante do trabalho do Thiago é detectar as tendências do momento dentro do universo do consumidor que a cafeteria busca. “Não é só trazer algo inovador e consistente, mas sim a inovação dentro daquele perfil para aquele cliente.”
O estudo do mercado e o planejamento do cardápio também são considerados ferramentas primordiais para a boa administração de uma cafeteria na opinião de Fernando Ji Hoon Yu. Formado em Direito e Administração, Fernando se tornou sócio-proprietário da Coffee Selfie, cafeteria recém-inaugurada na Liberdade, em São Paulo.
“No processo de desenvolvimento das bebidas do cardápio é necessário avaliar o comportamento dos consumidores, suas preferências alimentares, estudar e valorizar as práticas alimentares locais e também considerar e acompanhar as tendências”, conta.
Marília Rampinelli Balzani é publicitária, artista plástica e hoje barista e empresária junto com seu marido e sócio Rafael Brito na cafeteria Café Magrí, em Belo Horizonte. Ela conta que a concepção das bebidas e de todo o seu cardápio aconteceu com base em um conceito bem definido, tudo previamente elaborado para a cafeteria como um todo.
“O nome Magrí é uma homenagem ao pintor surrealista René Magritte. Sua obra mais famosa aborda a relação que fazemos entre a imagem e o real. Achamos que teria muito a ver com tudo o que queríamos falar”, explica. A empresária se refere à obra “A Traição das Imagens”, em que o pintor retrata um cachimbo, mas traz a frase “isso não é um cachimbo”. É divertida, chama a atenção e faz pensar.
Na cafeteria Magrí, a ideia é essa: na comida, na bebida, no serviço e até no ambiente, o visual brinca com o conceito da casa, mas também faz pensar, ao mesmo tempo em que valoriza o real, os sabores, os ingredientes, escolhidos a dedo, de pequenos fornecedores, e a elaboração sofisticada de cada opção.

Bebidas fotogênicas, literalmente
Você já se imaginou degustando um cappuccino ou uma bebida mais elaborada com o seu rosto ou o de quem você ama, ou até mesmo o de uma celebridade impresso?
Parece estranho ou louco demais, mas curiosamente já existe uma máquina capaz de fazer esse tipo de impressão em bebidas. Existem poucas unidades no Brasil, mas têm se tornado uma tendência em todo mundo.
E foi inspirado nessa tendência que Fernando deu o nome de Coffee Selfie à sua cafeteria, onde há uma máquina desse tipo. O equipamento é capaz de imprimir imagens na superfície da espuma a partir de arquivos enviados por um aplicativo, sejam eles fotos, textos e desenhos.
“A impressão é totalmente segura para a ingestão. É feita com um extrato de café, que passa por um tratamento para ficar com sabor neutro, podendo ser aplicada em qualquer bebida de qualquer sabor, sem interferir no gosto. Devemos lembrar que há consumidores que não gostam de café, mas querem ter a experiência de ter sua foto na bebida.”
Segundo o proprietário, esse extrato de café utilizado nas impressões contém cafeína, é 100% natural e sem glúten, e possui certificação ISO e da FDA (Food Drug Administration).
Além de ser uma inovação, podemos considerar a iniciativa um bom estímulo para o aumento do tíquete médio de vendas. Por ser uma experiência única, os clientes acabam pedindo mais do que só aquele espresso de costume. E, como o sabor do café não interfere na base da bebida, é possível fazer a impressão em outros tipos de bebida também.
“Vivemos em uma era digital, onde todos têm a facilidade de ter uma câmera em suas mãos em seus smartphones. As pessoas gostam de registrar momentos agradáveis com fotografias e entregar uma experiência como a selfie na bebida é algo único!”, diz Fernando.

No cardápio da Coffee Selfie é possível encontrar iced coffees com visual em degradê e sabores variados como avelã, caramelo, e chocolate com avelãs. Mas com certeza o item mais interessante e com apelo visual é a bebida, literalmente, com a sua cara. “A sua foto na bebida ou de alguém que você ama, sem sombra de dúvidas, será a bebida mais bonita que você consumirá”, ressalta Fernando.
Além de oferecer a modernidade da impressão das selfies para deixar as bebidas fotogênicas e personalizadas, a cafeteria oferece café de qualidade especial. Fernando conta que foram realizados vários testes antes da efetiva escolha do café, pois buscavam um grão versátil tanto para os blends das bebidas quanto para desenvolver outros produtos do cardápio.

O olhar da mixologia
Se tem alguém com autoridade para falar de coquetéis, sejam eles alcoólicos ou não, esse é o mixologista. Em seu trabalho, Thiago, da Kerry, não só desenvolve novas bebidas, mas também estuda como rentabilizar processos e aproveitar melhor o uso de cada ingrediente, interpretar de maneira assertiva cada cliente, além de trazer também soluções de outras áreas.
Em resumo, seu trabalho é focado em planejamento e conceituação antes de chegar de fato na concepção de cada bebida do cliente. Ele conta que esse processo precisa ser consistente, mas sempre atualizado. Mas a base, segundo ele, são sempre três importantes pilares:
- Você precisa entender muito bem o que é o seu negócio;
- Você precisa entender muito bem quem é o seu público;
- Você precisa ter a certeza de que o negócio que você desenhou está conversando com o público que você intencionou.
“Se você pensar que 90% de quem frequenta a sua cafeteria tem características únicas que se conversam, então naturalmente haverá consumos que se conversam também. E é a partir dessas informações que definimos as características para as bebidas, desde textura até os ingredientes.”
“Quando o público é mais informado, por exemplo: vale investir em um leite que tem mais informações, que seja regional, que vem de vacas criadas soltas no pasto, que possui certificação etc. E exaltar tudo isso na montagem da bebida.”
Para Thiago, o grande ponto de uma bebida instagramável não é ser só fotogênica, mas sim ter um storytelling. “Isso pode ser determinante para uma boa venda. Está todo mundo procurando por histórias que comovem, que te abraçam de algum jeito.”
Ele reforça também sobre o apelo visual ter a ver com o suporte da bebida, que seria onde ela é apresentada/servida. “Mesmo que seja um copo descartável: como a gente vai apresentar isso? Ele tem uma comunicação? Ele conta alguma história?”
No universo da coquetelaria, ele reconhece os avanços nesse sentido comparando com cafeterias, e acredita que seja uma tradução que vem lado a lado com a gastronomia, pois nessa área já existe muito mais experimentação de suporte de serviço. “Pratos já foram substituídos por pedras de ardósia e muito bem aceitos. Se você pensar que o bar está bem perto da cozinha, ele acaba tendo essa liberdade também.”
Já nas cafeterias: “Houve sempre muita preocupação com o conteúdo das xícaras, mas pouco com a apresentação. Atualmente, uma cafeteria que não pensa muito na bebida em si e na sua qualidade, mas capricha na apresentação, eventualmente pode ter sucesso.”
Ele traz a reflexão de que o café especial precisa e merece ter uma apresentação diferente, ser mais valorizado nesse sentido. “É preciso se permitir. As cafeterias ficaram num lugar sério demais, principalmente nesse setor do café especial. E isso acabou limitando bastante e colocando todo mundo em um lugar muito parecido.”

Igualmente especial, o café e a comida
Para Marília, lá na cafeteria Magrí, sempre existiu planejamento e intenção para tratar com igualdade o café e a comida, seja na qualidade, valorizando rastreabilidade, o pequeno produtor e produtos orgânicos, seja no visual. “Nossa brincadeira sempre foi fisgar o público para falar que as coisas são mais do que estamos vendo.”
“Aqui trabalhamos com café especial e nossa preocupação com possíveis misturas tem muito mais a ver com o nosso conceito em si do que com a ‘integridade’ do café especial. Estamos em uma fase onde nosso cliente já entende que temos cafés de excelente qualidade, mas, por gosto ou vontade de experimentar novos sabores, ele se sente à vontade para consumir cafés com misturas, como sorvetes e coisas do tipo.”
Para eles, no entanto, a mudança de cardápio por conta da pandemia foi drástica: “Antes tínhamos muito mais bebidas com apelo visual e alcance comercial, mas nossa equipe de trabalho era mais robusta. Agora tivemos que enxugar a equipe e o cardápio, e essas bebidas acabaram saindo por não funcionarem nesse novo formato operacional.”

O líder de vendas antes da pandemia começar era o cappuccino gelado, feito com sorvete de café artesanal desenvolvido pelos parceiros da Casca Sorvetes. O sorvete era feito com o café que estivesse sendo servido nos coados da semana, era usado também um creme de leite fresco vindo direto da roça, e um chantilly de café assinado pela Magrí.
Hoje em dia a bebida mais instagramável e também líder de vendas é o chocolate quente, que segue intocável no cardápio desde sempre. Marília conta que ele parece simples demais, mas tem uma textura bem cremosa e pesada, com um visual lindo e um sabor, “sem falsa modéstia, delicioso”.

O que faz uma bebida ser instagramável
Instagramável, fotogênica, interessante, diferente. O que eleva uma bebida para esse patamar?
- Podem ser inúmeros fatores juntos ou apenas um toque diferente. Mas algo simples de fazer e que muitas cafeterias praticam são as bebidas com camadas visíveis, seja em degradê ou cores mais fluidas. São uma característica de impacto visual bem marcante.
- Utilizar cores diferentes, conseguidas por meio de caldas e xaropes que geralmente também trazem sabor é outro recurso interessante.
- Ter uma base mais cremosa e densa, que mostra um movimento delicado antes de misturar a bebida, traz um visual interessante que é mais comum nas bebidas geladas, cheias de cubos de gelo, para completar esse “balé visual”.
- Incluir diferentes texturas, como as famosas bolinhas que viraram febre nas bebidas e já foram reproduzidas com o nosso sagu nacional, ou texturas crocantes que remetem a casquinhas e fios de caramelo.
- Bebidas com rituais, formas diferentes de servir e consumir, e uma certa pompa, em bandejas diferentes, com copos diferentes ou taças, são ótimas para vídeos de stories.
- Sem contar aquele tipo de bebida que chega na mesa em etapas para que o próprio cliente tenha a experiência de interagir e montar, finalizando com a melhor parte: a degustação.
O impacto de uma bebida dessas aos olhos dos clientes é indiscutível. A beleza que atrai o olhar e desperta o desejo, a curiosidade muitas vezes de saborear determinada mistura, ter o prazer de misturar cada camada. E todo mundo hoje em dia quer contar um pouco do que fez, do que gosta, onde está, e tirar fotos das comidas e bebidas virou mania.
É um misto de moral e emocional. Ao postar fotos de comidas saudáveis é como contar que se preocupa com saúde e se cuida também. Mas podemos considerar que virou modismo, principalmente quando vem aquela foto chocolatuda e cremosa. Comer bem é um dos maiores prazeres humanos, e se a comida ou a bebida sai bonita na foto, vai pro feed.

Faça você mesmo sua própria bebida fotogênica
Para provar que criatividade e inovação podem ser resoluções simples, Thiago trouxe uma receita especial e descomplicada para nossos leitores do PDG Brasil. Prepara a caneta e anota aí o passo-a-passo do Banana Caramel para ninguém botar defeito:
INGREDIENTES:
- 60 ml de calda de caramelo
- 180 ml de leite
- 15 ml de xarope banana ou doce de banana
- Canela a gosto
PREPARO:
Coloque o leite, o xarope ou o doce de banana, e a calda de caramelo em um pitcher e vaporize. Em seguida, despeje a bebida em uma caneca e finalize polvilhando canela.
Para ilustrar as diferentes maneiras de se montar essa bebida, compreenda que os ingredientes são os mesmos nas imagens a seguir, apenas o suporte e montagem mudam e representam as limitações e características de cada cliente.

Agora já sabemos que inovar está muito mais ligado ao entendimento do seu público e em atender suas necessidades, do que de fato você criar uma nova receita mirabolante. Já diria Thiago, “inovação e criatividade são resoluções de problemas. Todo dia eles vão existir, e você pode escolher resolver da maneira tradicional ou ser criativo, é só uma escolha.”
“Se permita mais. Confie. Porque para acertar é preciso testar, e testando de vez em quando a gente erra e está tudo bem, faz parte. Se a gente tem um erro controlado é só corrigir e seguir em frente sem lamentações. Até porque a margem de erro existe em ambas as situações, tanto na zona de conforto quanto na inovação, então que diferença faz?”, questiona.
Se quiser uma bebida instagramável, bem fotogênica, digna de feed de mídia social, não se acanhe ou tenha receio de inovar. Seja criativo, mas, acima de tudo, tenha foco em seu lugar de mercado, confiança para atender bem seu cliente, e a segurança com base no planejamento para sustentar até as bebidas mais diferentonas.
Créditos: Coffee Selfie (destaque e cappuccinos com fotos e desenho), Tabitha Turner (iced latte), Café Magrí (bebidas geladas e cappuccino gelado feito com Aram), Brooke Lark (drinques em camadas), Chinh Le Duc (dalgona) e Thiago dos Santos (exemplos de montagem para o banana caramel).
PDG Brasil
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