Folhas, flores, cascas, tronco e borra: descubra o aproveitamento total do café
Você sabia que é possível aproveitar a planta inteira do café para diferentes usos? Ou você também só pensava que o pé de café se resumia àquela bebida na xícara? O PDG Brasil encontrou projetos incríveis e diferentes maneiras de promover o aproveitamento total do café: caule, folhas, flores, frutos, cascas dos frutos e borra.
A ideia aqui é mostrar iniciativas 100% nacionais que ampliam a cadeia do café para além da xícara. Vem com a gente conhecer mais a fundo como aproveitar a planta inteira do café e seus resíduos.
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Nada se perde, tudo se transforma
Brasileiro gosta de café, e ponto final. E parece que essa paixão só aumenta.
No ranking da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), somos o principal país produtor de café do mundo ao atingir o volume exportado de 16,77 milhões de sacas (26,1% maior do que o exportado nos quatro primeiros meses do ano-cafeeiro anterior).
Em 2020 já sabemos que cresceu também o consumo de café por aqui em 1,34%, segundo a Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café). Foram consumidas 21,2 milhões de sacas, segundo maior consumo da série histórica, o que dá uma média per capita de 4,79 kg.
Imagina a quantidade de resíduo gerado desde o beneficiamento até o preparo de todo esse café que a gente consome. Agora vamos além, pensando em lavouras que sofrem podas e renovação de tempos em tempos, em quantidades consistentes. Para onde vai tudo o que sobra?

Bebida além do grão: flor e casca
Outras bebidas podem ser feitas com partes não convencionais da planta. Algumas marcas, por exemplo, desenvolvem kombuchas, bebida fermentada milenar, a partir da flor de café, misturando-a a frutas, açúcar e cultura de kombucha.
A casca de café também é utilizada para a produção de chá. Conhecido como cáscara, as cascas de café devidamente desidratadas e processadas resultam em um chá de sabor único, feito por meio de infusão. Essa matéria-prima em geral é descartada no processo de beneficiamento. É possível encontrar cáscara para compra online e também em algumas cafeterias, disponíveis em pacotinhos como os de café.
A FAF (Fazenda Ambiental Fortaleza) fornecia insumo para os dois produtos, que eram comercializados (mas já estão extintos) em sua marca Isso é Café.

Upcycling com borra de café
Lembra daquelas estatísticas ali acima citadas, falando sobre a quantidade de café que a gente consome? Foi pensando nisso que Ana Paula Naccarato, sócia-fundadora e designer de produtos da Recoffee, junto com Sergio Luiz Camargo e Brenda Dias, teve a ideia de reaproveitar a borra do café em seu trabalho de conclusão de curso na faculdade de Design Gráfico.
A inspiração veio dos conceitos do upcycling, processo de criar algo novo a partir de materiais já existentes e, diferentemente da reciclagem, pretende dar continuidade ao ciclo de vida da matéria-prima com qualidade igual ou melhor que a original.
Ana Paula desenvolveu um material onde a borra do café seca é misturada com aglutinantes naturais formando um composto moldável, que em torno de 12h tem sua cura finalizada, se tornando um material rígido, leve, e bastante resistente à queda.
“A borra que nós utilizamos é coletada em cafeterias parceiras próximas ao ateliê de produção. Também temos demanda de parceiros da indústria que querem dar um uso mais nobre ao resíduo gerado em seus ciclos de produção. Nesse caso, usamos a borra do cliente e devolvemos em forma de produtos feitos com o seu próprio resíduo.”
A linha de produtos da Recoffee contempla biojoias, artigos de decoração, revestimentos e também utensílios.

O processo de produção das peças é artesanal. São utilizados moldes de silicone para a modelagem, e lixas e estilete para dar acabamento. Mas eles já desenvolveram um produto com produção industrial em maior escala, que são as xícaras.
As peças da Recoffee têm um cheirinho residual de café, o que para eles é só mais um detalhe que agrega valor. Todos os objetos podem ser lavados e higienizados normalmente. E eles garantem que seus produtos são resistentes à água e ao calor, e possuem boa durabilidade, uma vez que são utilizadas resinas vegetais com características de poliuretano para a produção.
As vendas hoje são realizadas por meio do site da Recoffee e suas redes sociais. A entrega é feita para todo o território nacional, e eles já estão em fase de iniciação de vendas também fora do Brasil.

Novo significado para a lavoura
Seguindo na linha dos objetos utilitários, encontramos o projeto do Thiago Wulfert Pereira Valverde, sócio fundador da Wood n’ Coffee. Tudo começou a partir de seu hobby: criar peças de madeira: “Morava em uma fazenda e certo dia levei um tronco comigo para fazer um abajur, mas eu havia acabado de ganhar uma colher de cupping e pensei ‘por que não?’.”
Só neste ano, ele conta que já coletou mais de 3 mil árvores. A madeira usada na produção vem de áreas de renovação de lavouras de diversas regiões, mas atualmente estão trabalhando com produtores especificamente da Alta Mogiana e Sul de Minas.
“Há produtores que precisam renovar as suas lavouras e não têm viabilidade para o descarte, seja por falta de estrutura ou autorização legal. Nós buscamos ou recebemos as árvores, tanto faz. Alguns produtores que já conhecem nosso projeto estão separando as madeiras e nós retiramos.”
Toda madeira é doada: “Nossa troca é por meio da exposição e divulgação das fazendas produtoras. Toda peça vem com um código gravado e, no nosso site, é possível visualizar o perfil da madeira e rastreá-la. Isso conecta nossos clientes com a fazenda de origem.”
Thiago conta que escolhe a dedo as madeiras mais apropriadas para cada peça, devido aos indicativos que ela mesma apresenta, como torções ou nós de crescimentos, diâmetro, massa e comprimento, fatores que interferem no processo de confecção e resultado final.

Toda a produção da Wood n’ Coffee é em parte artesanal, pois existem etapas que utilizam equipamentos computadorizados para gravações a laser. Ao final, são aplicados vernizes e resinas atóxicas que preparam as peças para o contato com bebidas e/ou alimentos.
Hoje sua linha possui oito produtos: “Nos últimos meses os copos e pires estão se destacando. Curiosamente, são os itens mais trabalhosos de serem produzidos, podendo levar até uma semana para serem confeccionados.”
“Sempre pensamos em fazer peças que não sejam apenas decorativas mas tenham utilidade e possam aumentar ainda mais o afeto pelo café e suas experiências. Nossa intenção é contar a história de uma propriedade, um produtor, uma região, através de cada nova peça.”
A venda é feita em seus canais principais de comunicação com o cliente: site da Wood N’ Coffee e suas redes sociais. Mas já existem representantes comerciais no Rio de Janeiro, Santa Catarina, Espírito Santo e Belo Horizonte. A entrega é feita para todo Brasil, e eles já possuem representantes comerciais nos Estados Unidos, na China e na Europa.

Compostos voláteis para a pele
A cosmetologia natural já conhece os benefícios que o café pode trazer para nosso corpo físico, para além dos efeitos que a própria bebida pode nos proporcionar.
São indiscutíveis as propriedades positivas dos óleos essenciais e graxos produzidos a partir dos grãos de café da espécie Coffea arabica, tanto verde quanto torrado. Em ambos os casos, existe grande potencial antioxidante, poderosa atuação rejuvenescedora e protetora da pele, agindo até como protetor solar.
Assim como a bebida, que tem o poder de trazer sensação de mais ânimo por conta da cafeína, os óleos possuem propriedades estimulantes do metabolismo, úteis em massagens estimulantes da circulação local, além de um efeito de alívio do cansaço.
Um exemplo é o óleo essencial de café da Phytoterapica, que possui aroma característico de café recém passado. É composto por 75% de triglicerídeos e compostos voláteis, flavonóides e alcalóides, como a cafeína, estimulando o colágeno e contribuindo para a firmeza da pele.
Já o óleo graxo, que ao contrário do essencial não possui compostos voláteis, é produzido pela Laszlo, tanto com grãos verdes quanto torrados de origem brasileira.
Segundo o cientista e aromatólogo Fabian Laszlo, “o óleo de café verde é extraído pela prensagem dos frutos secos e possui o aroma característico das folhas do cafeeiro. Ele possui maior concentração de diterpenos quando comparado ao café torrado, agregando maior potencial aos seus efeitos.”
E por que não usar também o café torrado? Seu óleo tem sido empregado na indústria de cosméticos para a formulação de batons e produtos aromatizados. Porém, ele apresenta menor concentração dos diterpenos antioxidantes quando comparado ao óleo de café verde, por conta do próprio processo de torra.

Aproveitamento total do café para fortalecer o solo
A terra que nutre cada lavoura, de onde quer que ela seja, também pode ser beneficiada pelos resíduos gerados em todo esse processo da cadeia do café.
Douglas Alvaristo Fernandes é tecnólogo em Aquicultura, especialista em Agroecologia e graduando em Engenharia Ambiental. Ele trouxe um pouco de seu conhecimento sobre resíduos da cadeia de café que podem retornar à terra como adubação das lavouras, sejam elas novas ou antigas.
Atuando hoje na Plural Cooperativa/Cooperado, e com dez anos de trabalho em extensão rural junto a agricultores familiares, ele trabalha com o estímulo ao aproveitamento de resíduos do cultivo/cadeia produtiva do café, principalmente sua casca/palha que contém nutrientes como potássio, fósforo e cálcio, além de proteínas e carboidratos.
“A casca é o principal resíduo do processo de beneficiamento do café, que caso não manejada adequadamente, pode criar um passivo ambiental na área de entorno da indústria. Logo, seu emprego no próprio cultivo se apresenta como alternativa interessante, visto seu potencial nutricional.”
“Uma quantia significativa dos nutrientes que o cafeeiro consumiu ao longo do ciclo produtivo foram parar na casca, então seu retorno ao solo como ‘adubo’ permite a reciclagem de nutrientes. Essa prática é inclusive recomendada por órgãos técnicos de meio ambiente e agricultura.”
“Além disso, a casca/palha é um componente orgânico volumoso que contribui com a manutenção dos níveis de água no solo, criando uma camada protetora contra os efeitos solares e do vento, grandes responsáveis pela evaporação da água do solo.”
Ele explica que a aplicação da “palhada” é feita comumente após o período de colheita e manejo pós-colheita (poda e desbrota), com a planta no período vegetativo. A casca é aplicada ao redor do tronco, próximo às raízes fasciculadas.
“É importante destacar que a casca normalmente não é compostada ou passa por algum processo de mineralização, portanto, a disponibilização de nutrientes é lenta e continuada, devendo ser complementada com outras fontes de nutrientes.”
Os benefícios que o retorno da casca ao solo traz para a lavoura vão desde a retenção de água até a nutrição com o processo de mineralização da casca, além do impacto positivo na composição microbiológica que permite a solubilização de nutrientes, fornece ácidos orgânicos as plantas e melhora proteção contra fungos e nematóides.

O café é mais do que um grão, mais que uma bebida. Sua complexidade e benefícios vão muito além do que a gente pode imaginar.
A gente nem sempre pensa nisso, mas agora já conhecemos possibilidades para o aproveitamento total do café por meio de técnicas transformadoras como o upcycling, prensagem dos frutos para extração de óleos medicinais, além de muita criatividade unida a técnicas artesanais.
Por isso a importância de respeitar essa cadeia e seus processos, desde o produtor até o próprio ingrediente do solo à xícara, é fundamental. E ter a clareza de que ampliar seu uso para além da xícara é possível e só agrega ainda mais valor para cada dose.
Créditos: Thiago Wulfert Pereira Valverde (foto de destaque/área de renovação de lavoura, colher de cupping feita de refugo). Recoffee (borra, bandeja e fábrica) e Robinson Takeshi Kimura/Fazenda São Pedro do Pardinho (flor de café, café verde, café torrado e casca de café).
PDG Brasil
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