20 de agosto de 2021

Cafés com baixo teor de cafeína podem substituir cafés descafeinados?

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Enquanto muitos consumidores em todo o mundo apreciam o café por seu teor de cafeína – os consumidores americanos têm uma ingestão média diária de 193 mg -, outros estão buscando níveis mais baixos em cada xícara que bebem, isto é, estão preferindo os cafés com baixo teor de cafeína.

O processo de descafeinação foi descoberto pela primeira vez em 1903, quando o carregamento de café de Ludwig Roselius foi acidentalmente submerso na água do mar. Desde então, o mercado global de café descafeinado tem crescido cada vez mais. Em 2019, valia aproximadamente US$ 1,65 bilhão em 2019. Isso foi em grande parte alimentado pelo comportamento do consumidor – de acordo com um relatório da NCA de 2017, 68% da população dos EUA acredita que deve reduzir a ingestão de cafeína.

Então o que isso significa para variedades de café que são naturalmente pobres em cafeína? Desde 2018, a campeã da World Brewers Cup, Emi Fukahori, usou a variedade laurina em seu desempenho vitorioso, e a tornou ainda mais popular. Hoje, está crescendo o interesse por variedades de café que são naturalmente de alta qualidade e baixo teor de cafeína.

Para saber mais, conversamos com um torrador e um pesquisador de café. Continue lendo para descobrir o que contaram sobre laurina e outras variedades com baixo teor de cafeína.

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ilha da reunião

O que é laurina?

Christophe Montagnon é o CEO da RD2 Vision, uma empresa que presta assessoria em pesquisa e desenvolvimento de café.

“Bourbon pointu, ou laurina, é provavelmente uma mutação do bourbon que foi cultivada na Ilha da Reunião”, conta. “A variedade bourbon arábica se origina na Ilha da Reunião, que se chamava Ilha Bourbon no passado.”

A Ilha da Reunião fica a leste de Madagascar, no Oceano Índico, e foi documentada pela primeira vez por exploradores portugueses no século 16. Foi colonizada pelos franceses no século 17 e continua a ser um território francês até hoje.

“As primeiras árvores de laurina foram descobertas e descritas na ilha no início do século 19”, diz Christophe. Acredita-se que o arábica chegou à Reunião vindo do Iêmen, onde prosperou e se transformou em bourbon pointu.

“Era chamado de ‘bourbon pointu’ pelos agricultores locais”, acrescenta. “’Pointu’ em francês significa ‘pontudo’ ou ‘afiado’, referindo-se à forma específica dos grãos.

“No século 20, o botânico francês Auguste Chevalier batizou a árvore de ‘Laurina’, devido à sua semelhança com um louro (um arbusto perene ou árvore com folhas brilhantes).”

Laurina também foi introduzida no Brasil em algum momento do século 19. Por volta de 1932, pesquisadores começaram a estudar a variedade no Instituto Agronômico de Campinas (IAC). O primeiro estudo oficial foi lançado em 1954.

“Laurina é uma mutação causada por um único gene recessivo, conforme descrito por pesquisadores brasileiros [no IAC] em 1954”, explica Christophe.

the barn coffee

Existe mercado para isso?

A pesquisa do IAC concluiu que a variedade laurina não era capaz de crescer com tanto sucesso quanto outras variedades de arábica, principalmente por seus níveis naturalmente baixos de cafeína.

Ralf Rüller é o fundador da The Barn, em Berlim. “Os níveis de cafeína funcionam como um sistema imunológico para a planta do café”, explica ele. “Portanto, as variedades com baixo teor de cafeína podem morrer rapidamente. Após o primeiro ano, você vê que 30% precisam ser replantados porque morreram.”

A produção de laurina na Ilha da Reunião atingiu o pico em 1800 com 4.000 toneladas, mas cerca de 80 anos depois, a variedade estava quase extinta. As exportações para a França continuaram na primeira metade do século 20, com a última carga registrada ocorrendo em 1942 com 200 kg.

No entanto, o interesse por laurina permaneceu em outro lugar. O IAC criou a cultivar laurina IAC-870 algum tempo depois de publicar seu estudo, mas ela foi usada principalmente para pesquisas no banco de germoplasma de Campinas, em vez de produção comercial.

Na década de 1970, durante seu tempo no Instituto Nacional de Pesquisa do Café em El Salvador, Yoshiaki Kawashima descobriu a variedade laurina. Ele ingressou na Ueshima Coffee Co. Ltd. em 1981, e viajou para a Reunião em 1999 em busca dela.

Kawashima conseguiu localizar 30 árvores de laurina crescendo na natureza e, subsequentemente, dedicou oito anos para recultivá-las. Na mesma época, Edgardo Alqipzar descobriu árvores de laurina crescendo na natureza na Costa Rica. Ele plantou duas árvores na propriedade Doka, em Alajuela e, depois de algum tempo, colheu cerca de 80 plantas.

Em 2006, foram produzidas duas toneladas de laurina verde da Ilha da Reunião. Os primeiros lotes foram vendidos no Japão. Os esforços de Kawashima para recultivar a variedade foram bem-sucedidos: a Associação de Cafés Especiais do Japão declarou os lotes da laurina como “premium”, o que significa que não tinham falhas ou defeitos.

A associação de laurina com a qualidade continua até hoje. Ralf explica que isso levou a The Barn a adquirir esta e outras variedades semelhantes depois que algumas amostras de descafeinado não conseguiram passar pelas rigorosas medidas de controle de qualidade da torrefadora.

“Nossos valores estão em construir o mercado para cafés especiais de alto nível por meio de cafés de origem única de 86 pontos e acima, apresentando terroir e sabores limpos. No entanto, isso exclui os cafés descafeinados.”

“Com isso em mente, procuramos um produto natural com baixo teor de cafeína e encontramos a laurina, e mais tarde a aramosa.”

Por que as variedades com baixo teor de cafeína estão se tornando mais populares?

Ralf diz mais sobre a decisão da The Barn de oferecer café com baixo teor de cafeína em vez de descafeinado. “Começamos com um slogan: ‘nossa resposta’ ao descafeinado é o lowcaf”, conta. “Começamos isso dois ou três anos atrás, enquanto o Amsterdam Coffee Festival acontecia.”

“Houve uma discussão no evento sobre o café com baixo teor de cafeína da The Barn. Tem um gosto incrível”, diz ele. “Estamos felizes com esse produto e temos uma forte demanda por ele.”

O impulso para um café de maior qualidade e menor teor de cafeína é amplamente atribuído aos millennials. Em 2017, o NCA informou que as pessoas com idade entre 18 e 24 anos eram os maiores consumidores de café descafeinado, representando cerca de 19% de todo o consumo nos Estados Unidos. Isso provavelmente é motivado pelo hábito desse público de beber café ao longo do dia, em vez de apenas pela manhã ou início da tarde.

“Também há regiões onde as pessoas bebem café à noite”, diz Ralf. “Esse era o nosso mercado para variedades com baixo teor de cafeína.”

Para manter a qualidade, Ralf diz que a The Barn adquiriu suas variedades com baixo teor de cafeína da Daterra – uma renomada propriedade de café fundada em 1976.

“Estávamos procurando produtores que cuidassem de suas plantas”, explica ele. “Começamos a trabalhar com a Daterra no Brasil, porque eles têm uma grande capacidade de pesquisa e desenvolvimento e já realizaram alguns projetos ao longo dos anos com a laurina e a aramosa.”

A Daterra pesquisa e produz laurina há cerca de 12 anos e realiza um leilão anual de obras-primas com ela. Em 2018, o preço mais alto pago por um lote de laurina foi de US$ 141,10 por libra (R$ 764,08, por 450 g).

A fazenda brasileira também cultiva aramosa, um híbrido de Coffea arabica e da espécie rara Coffea racemosa, que também é naturalmente pobre em cafeína. Um recente leilão de obras-primas da Daterra apresentou lotes de aramosa que foram processados usando uma variedade de métodos, incluindo honey e maceração carbônica.

“Também trabalhamos com a Volcán Azul na Costa Rica, que está produzindo um belo laurina para nós”, acrescenta Ralf.

baixa cafeína

Baixa cafeína versus descafeinado: uma análise

“A laurina geralmente tem 0,2 a 0,3% de cafeína, enquanto o arábica comum tem 1,4 a 1,8%”, explica Ralf. “A aramosa provavelmente tem cerca de 0,7 a 0,8%, então costumamos dizer que as variedades de lowcaf têm menos de 50% de arábica regular.”

No entanto, é importante observar que esses níveis ainda são consideravelmente mais elevados do que o café descafeinado. Para ser classificado como descafeinado na UE, por exemplo, o café deve ser 99,9% livre de cafeína.

Mas atingir esses níveis historicamente exigiu o uso de processos de descafeinação direcionados. O benzeno foi inicialmente usado no início dos anos 1900, até ser considerado cancerígeno.

Depois do benzeno, outros solventes foram usados, como o cloreto de metileno e o acetato de etila, que retiraram o conteúdo de cafeína do café. No entanto, apesar das alegações da Food and Drug Administration dos EUA de que os baixos níveis desses solventes eram inofensivos, a preocupação do consumidor com seu uso aumentou.

O processo Swiss Water foi usado pela primeira vez comercialmente em 1979; foi a primeira técnica convencional que removeu a cafeína sem o uso de solventes. A descafeinação Swiss Water ocorre quando o café verde é embebido em água e extrato de café verde (GCE), antes de ser passado por filtros de carbono que se ligam às moléculas de cafeína e as removem.

Apesar disso, ainda existe algum estigma sobre os efeitos do café descafeinado para a saúde, bem como preocupações sobre a perda de acidez e doçura e o aumento da adstringência. Isso contribui para que a demanda por variedades com baixo teor de cafeína cresça.

“Temos um serviço de assinatura com baixo teor de cafeína que tem feito sucesso”, diz Ralf. “Apresentamos a laurina ou a aramosa. Certamente há uma demanda crescente por conhecedores que buscam qualidade e que não necessariamente procuram cafeína.”

produção daterra

Variedades de café com baixo teor de cafeína podem substituir o descafeinado?

A exclusividade e a alta qualidade da laurina e da aramosa significam que elas têm potencial para crescer no mercado mais amplo de cafés especiais. Em 2016, a Starbucks comprou uma safra inteira de laurina de uma fazenda na Nicarágua, totalizando cerca de 340 kg. O café foi vendido em 20 locais em sacas de meia libra (227 g). Esgotou-se em 24 horas.

Em 2018, a The Barn comprou dois lotes de laurina com pontuação 86+, um lavado e um natural. O natural em particular foi descrito como tendo notas de goiaba, mel e ameixa – seu perfil de sabor complexo significava que tinha potencial para consumidores de cafés especiais de forma mais ampla.

Ralf diz: “Hoje, temos o laurina lavado e natural, mas a maceração carbônica e a fermentação anaeróbica costumam ter preços mais altos”.

Experimentos com diferentes técnicas de processamento irão avançar ainda mais os perfis sensoriais para variedades com baixo teor de cafeína. Isso, acrescenta Ralf, é algo em que a The Barn está investindo.

“Somos um dos cinco torrefadores trabalhando em projetos de campo de longo prazo com a Daterra”, diz ele. “Temos meio hectare de plantas de aramosa e estamos fazendo experiências com processamento honey e fermentação anaeróbia.”

No entanto, existem barreiras para a laurina e a aramosa no mercado mais amplo, tanto para torrefadores quanto para agricultores.

“A laurina e a aramosa são muito caras porque são realmente raras e difíceis de plantar em viveiros”, diz Ralf. “Os cafeeiros de laurina, por exemplo, são suscetíveis a doenças e não apresentam alto rendimento. O melhor ambiente é em grandes altitudes, onde pragas e doenças geralmente estão menos presentes.”

Isso os torna difíceis de administrar e mais caros de cultivar. Como tal, muitas vezes não são uma opção viável para pequenos agricultores que são menos estáveis financeiramente.

café the barn

Graças a seus sabores e aromas altamente desejáveis, há indiscutivelmente potencial para a laurina e a aramosa (ao lado de outras variedades emergentes com baixo teor de cafeína) no setor de cafés especiais.

No entanto, seus baixos níveis de cafeína parecem prejudicar seu crescimento e torná-los caros para o cultivo. Além disso, com um mercado comparativamente pequeno, significa que há pouco incentivo para os agricultores.

Mais pesquisas sobre como os agricultores poderiam colher com sucesso essas variedades serão necessárias para que o mercado global de café desbloqueie o verdadeiro potencial de mercado do café com baixo teor de cafeína.

Créditos: The Barn

Tradução: Daniela Andrade. 

PDG Brasil

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