25 de maio de 2021

Olhar de especialista: baristas premiados, mestres de torra e traders contam o que pensam sobre o café do Brasil

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Maior produtor e maior consumidor de café do mundo, o Brasil é origem e mercado do produto com números impressionantes: quase 300 mil propriedades em 32 regiões produtoras entregaram quase 62 milhões de sacas ano passado, numa safra recorde. 

Sua presença mundo afora também é marcante – quase 130 países recebem cafés brasileiros anualmente. Hoje, o produto representa o país como um de seus elementos mais característicos. 

Nesta Semana do Café, o PDG Brasil mostra um pouco desta presença e importância do café brasileiro aqui e fora do país, através da voz de grandes nomes da indústria de diversas partes do mundo. Eles compartilharam histórias, impressões e previsões para o Café do Brasil. 

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mestre de torras

Cleia Junqueira

Juíza Sensorial do WBC, Mestre de Torras na Coffee Planet, Q-Grader, R-grader. Dubai, Emirados Árabes Unidos.

Meu pai e depois meu tio tiveram uma fazenda de café por alguns anos em Pardinho-SP, ou seja, minha memória de café vem de minha infância! Mas minha verdadeira paixão por ele começou quando decidi abrir a Capheteria em 2005, e a dar cursos de baristas, julgar e organizar campeonatos no Brasil. Desde 2014 em Dubai como mestre de torras, sempre procuro ter um café do Brasil para utilizar como origem única. O café brasileiro é fundamental para a composição de blends mais delicados ou para atribuir maior doçura e corpo. Como origem única, busco cafés mais complexos ou com processos de fermentação diferentes.

Um dia que ficará marcado foi em 2018, quando o embaixador brasileiro nos Emirados Árabes Unidos, Fernando Igreja, me convidou para falar sobre as diversas regiões brasileiras produtoras de café para torrefações locais no Dia Internacional do Café (1º de outubro).

O café brasileiro já se consolidou não somente por ter volume, mas também cafés de excelente qualidade, e, com as denominações de origem, a procura tem crescido muito. Os robustas brasileiros têm feito muito sucesso lá fora, além dos cafés especiais arábica. O Brasil está muito avançado em novas tecnologias e processos, e isso me dá um orgulho danado de nossos produtores.

mestre de torras de café

Dajo Aertessen

Fundador e Mestre de Torras dos Cafés MUDA. Lille, França.

O primeiro café brasileiro que provei intencionalmente foi em 2013, um cappuccino. Tinha gosto de sorvete de avelã, e pensei “UAU, isso é diferente!”. A segunda vez foi em 2016, pouco antes de ir para o Brasil por 9 meses; experimentei um café que tinha um sabor muito frutado de ameixa, notas florais e de baunilha, algo que eu nunca tinha provado no café brasileiro antes.

Eu tentei encontrar produtor daquele café e, por completa coincidência, foi o primeiro produtor que conheci [no Brasil]: o Sr Deneval [Café Cordilheiras do Caparaó] e a sua família. Eu passei muito tempo naquela fazenda aprendendo tudo sobre a vida de um produtor. 

O que eu vejo é que o mercado interno brasileiro tem pressionado produtores a produzir cafés mais versáteis, já que as torrefações locais não podem importar de outras origens. Então isso trouxe ao mercado cafés com perfis muito diferentes, mais fermentados, mais frutados, experimentações com fermentações e variedades. Mas acho que também precisamos abraçar o perfil mais clássico do chocolate e castanhas; nós, como indústria do café, subestimamos esse valor. 

O futuro continua proporcionando cafés mais versáteis do Brasil, e o que eu espero é que o cafeicultor se concentre em práticas sustentáveis, porque queremos um café mais limpo, sem agrotóxicos. A demanda por café orgânico está aí, então esse é o futuro: cafés de alta qualidade aliados a práticas orgânicas.

coffee hunter

Edgard Bressani

Diretor da Capricornio Coffees e da Latitudes Grand Cru Coffees, autor do “Guia do Barista”. Ourinhos, Brasil.

Nos últimos 20 anos, pude acompanhar uma evolução tremenda em todas as frentes, seja na produção, na comercialização, na promoção, na torra e na cafeteria. O mundo torcia o nariz para os cafés brasileiros; hoje encontramos cafés que não deixam nada a desejar a outros cafés do mundo. Isso me enche de orgulho. 

Em 2016, conheci um jovem produtor de São Jerônimo da Serra. Leandro era estudante de Agronomia e circulava 200 km por dia para ir à escola e ajudava o pai no sítio com o irmão. Ele ainda encontrava tempo para o café de sua marca própria. A distância é um impedimento para muitos, mas não para ele, que é um parceiro de nosso projeto como fornecedor e acabou se tornando um amigo. Também é um líder local que faz um brilhante trabalho com cafés especiais.

Em 2050, precisaremos de 300 milhões de sacas para abastecer o consumo mundial, se continuarmos crescendo 2% ao ano. A produção precisa crescer, mas precisa vir acompanhada pela qualidade, caso contrário, com o número de novos negócios que abrem hoje, faltarão bons cafés. O Brasil, maior produtor, deve continuar com sua liderança e ganhar ainda mais importância.

Em 1999, tínhamos pouquíssimas marcas de cafés especiais no mercado. Hoje é difícil escolher dentre tantas opções. E a oferta já está chegando às médias e pequenas cidades. Há espaço, há oportunidades! Uma retomada maior virá após a pandemia. Sabemos que consumo anda de mãos dadas com qualidade. Estamos no caminho certo!

barista campeã fala sobre café do Brasil

Emi Fukahori

Barista e co-proprietária do MAME Cafés Especiais, Campeã do Mundial de Brewers 2018 e Campeã Suíça de Barismo em 2020. Zurique, Suíça.

O café brasileiro é adorado e amplamente servido em muitas cafeterias. Antes ele costumava me oferecer esse corpo alto, com notas de chocolate muito gostosas e que casavam bem com o leite. Então, eu diria que é um café para todos; é menos característico, mas é amado, e uma bela entrada para muitas pessoas na indústria de cafés especiais.

E então em 2018, meu parceiro Matheus Thiess foi convidado a visitar a Daterra em Minas Gerais. Lá ele me apresentou muitos mais cafés do que apenas “chocolate”. O Brasil é um dos poucos países que tem um instituto de variedades de café [o Instituto Agronômico de Campinas] e descobri por meio dele que o Brasil é bastante representativo não só porque é café para todos, mas também pela qualidade. Para mim foi um abrir de olhos: um café também singular, bastante à frente em termos de sustentabilidade. Quando eu provei Laurina no cupping pela primeira vez, isso rompeu meu estereótipo em relação ao café brasileiro e sou muito grata por isso. 

É importante e vai ser o futuro dos cafés especiais, [o fato de] que não haverá café com sabor da origem, mas com limites sendo rompidos, e um café ainda mais complexo nos dias de hoje. Características únicas no sabor com variedades novas ou melhoradas ou bem manejadas, ao lado café característico como “chocolate”. Para mim, o Brasil está produzindo um café lindo, com uma diversidade de sabores, que faz a alegria de muitas pessoas com gostos diferentes.

diretora de café

Freda Yuan

Diretora de Café da Origin Coffee, tri-campeã do Cup Tasters do Reino Unido e finalista mundial do Cup Tasters 2017, Q-Grader, membro do Conselho de Liderança do Coffee Roaster Guild. Londres e Cornwall, Reino Unido. 

Quando comecei como barista há cerca de 8 anos, eu gostava do café brasileiro, mas ele não estava no topo da minha lista porque existiam outras opções [de origens] que eram bastante complexas e diferentes. Hoje sou uma compradora de café que procuro mais tipos diferentes de café brasileiro, que abram minha mente e meus olhos. Eu sinto que o café brasileiro é resiliente, sólido e “pé no chão”, muito delicioso, fácil de beber e mais fácil de apresentar ao público em geral. 

Há quatro anos trabalhei para outra empresa que importava café da Daterra, e havia um café muito especial. Eu o provei e me surpreendeu totalmente, não acreditava que o café brasileiro pudesse ser tão especial. Ainda me lembro que tinha gosto de chiclete, o que é uma loucura!

Penso que a maior parte do café brasileiro está com os perfis de sabor de agora por causa dos processamentos diferentes. As pessoas podem criar mais nuances variadas no café e isso traz o que há de mais interessante nele.

Sobre o futuro, acho que devemos voltar ao básico. Há tantos processos malucos e diferentes atualmente – o que é ótimo, é uma forma de promover a complexidade do próprio processamento. Porém, o preço está ficando mais caro para o comprador e potencialmente para o consumidor, e mesmo que seja uma experiência muito especial e valiosa, sinto que a longo prazo é mais difícil engajar os clientes. Ao produzir o que normalmente já somos bons, e tornar o café melhor e mais focado no processo geral, acho que podemos ser mais acessíveis e trazer mais clientes para o mundo dos cafés especiais.

barista campeão fala sobre café do Brasil

Lyndon Recera

Gerente de vendas e de treinamento na Goldbox Roastery, tetracampeão de competições de barismo dos Emirados Árabes Unidos de 2015 a 2018. Dubai, Emirados Árabes Unidos.

Nossa jornada para os cafés especiais brasileiros começou com um bourbon amarelo cereja descascado que se destacou na mesa de prova por sua doçura e sensação de boca aveludada e perfil achocolatado. Esse café contrariou a tendência do que degustamos antes e despertou nossa curiosidade em entender o que o Brasil poderia oferecer.

O país sempre foi visto como uma origem que produz grandes volumes de café comercial de baixa qualidade, com perfil e posição limitados. No entanto, descobrimos que ele realmente pode servir a muitos propósitos, seja como uma base em um blend de um espresso single origin ou até mesmo como um coado de bebida fácil e suave. O café especial brasileiro pode muitas vezes ser uma porta de entrada acessível para levar as pessoas para o mundo dos cafés especiais.

Vemos um futuro muito saudável e próspero. Em um espaço de tempo muito curto, os produtores no Brasil se familiarizaram com os processos necessários para se produzir cafés especiais. Eles estão usando a ciência e a tecnologia para ajudá-los a avançar e se tornar produtores mais dinâmicos e melhores, além de ter uma associação de cafés inovadora que pesquisa e ajuda seus cafeicultores a alcançarem mais resultados. A indústria no Brasil é muito profissional e busca sempre atender às necessidades de seus clientes de especialidade. O foco, porém, não é apenas na qualidade da xícara, mas também no meio ambiente e em como eles cuidam da terra que cultivam. Eles estão encarando os desafios e olhando para o futuro, abraçando a jornada pela qualidade e sustentabilidade.

barista campeã fala sobre café do brasil

Michaela Ruazol

Co-fundadora do Typica Café, campeã dos Emirados Árabes Unidos em Cezve Ibrik ’19-20, Barista Campeã dos EAU ‘18-19, Campeã do Campeonato de Brewers de Dubai 17-18. Dubai, Emirados Árabes Unidos.

Acho que o café brasileiro tem um enorme potencial em um negócio de café como o Typica, já que os consumidores preferem ter este tipo de sabores distintos do tipo chocolate e castanhas com o café à base de leite.

Nos Emirados Árabes Unidos, o Brasil é a origem de café mais consumida e fiquei curiosa por quê. Acho que é por causa da cultura das pessoas no café: como costumam tomar o café qahwa, que é o seu tradicional café com açafrão e cardamomo, isso tornou o Brasil líder no país e também no mundo, pois tem uma forte presença no paladar das pessoas.

Vejo o futuro do café especial do Brasil acompanhando as outras origens, pois os agricultores já estão abrindo suas portas para tentar plantar novas variedades que podem desafiar outros países que já produzem essas variedades. Hoje em dia, as pessoas estão experimentando diferentes métodos de processamento, pois oferecem diferentes sabores. Assim, com o café do Brasil, ele pode produzir e já está produzindo sabores diferentes em vez dos sabores de nozes e chocolate ao leite usuais. Estou tão surpresa com a rapidez com que a indústria de cafés especiais do Brasil está evoluindo e nem posso imaginar o quão longe ela pode ir.

trader café do Brasil

Phyllis Johnson

Presidente da BD Imports e fundadora da Coalizão do Café para a Equidade Racial. Kennesaw, Georgia, Estados Unidos.

Como importadora de cafés especiais, o Brasil era uma origem da qual eu queria ficar longe. Meus clientes sempre tinham o desafio de encontrar a qualidade que queriam no país. 

Em 2015 minha boa amiga Josiane Cotrim, fundadora da IWCA Brasil, me convidou para ir ao país. Fizemos uma degustação e fiquei surpresa ao saber que o que eu acreditava sobre o Brasil era falso. Havia muitas pequenas produtoras que produziam cafés lindos. 

Participei de um evento em 2018, onde me sentei por um dia inteiro entrevistando e recebendo amostras de produtoras de café de todo o país. Mesmo com todas essas informações nunca pensei que iria importar café do Brasil. Mas em 2020 surgiu a oportunidade quando escrevi o livro “Triumph, Black Brazilians in Coffee” [“Triunfo, Brasileiros Negros no Café”, em tradução livre] e fiz parceria com a Apará Especiais, empresa exportadora de café verde com sede no Brasil. Começamos a importar os cafés dos produtores que conheci ao longo dos anos. 

Gostei de abrir os olhos dos torrefadores de café especiais que adicionaram o café do Brasil ao seu portfólio pela primeira vez como uma origem única. Estou feliz que outros estejam nesta jornada e vendo o valor do que o Brasil tem a oferecer.

Para mim, o futuro dos cafés especiais no Brasil é que os produtores negros de café se tornem mais visíveis, e inclui a construção de relacionamentos com eles. Sempre acreditei que as novas soluções vêm daqueles que não se sentaram à mesa ou daqueles que tiveram que trabalhar duro sem os recursos que outros podem ter experimentado.

barista campeã fala sobre café do brasil

Silvia Magalhães

Barista brasileira com melhor colocação em um Campeonato Mundial de Barismo (6º lugar no Japão, 2007), Tri-Campeã Brasileira de Barismo (2002, 2003 e 2007), proprietária e mestre de torras na SM Cafés Especiais. São Paulo, Brasil.

O Brasil é o maior produtor mundial de café, porém a produção de cafés especiais representa muito pouco, então nossos cafés especiais são pouco conhecidos. Existem cafés aqui que não deixam nada a desejar para cafés estrangeiros. 

Relembrando uma história com café, estava no “Barista&Farmer” na Octavio Café, e servi um café da Fazenda Camocim, sem dizer de onde era. Todos diziam que não era um café brasileiro, que era africano. Lá fora eles acham que os cafés do Brasil são bons pra base e ponto final, e na verdade temos muitas joias raras aqui, mas geralmente em volumes bem pequenos.

O mundo cada vez mais consome cafés especiais, e tenho medo desse consumo aumentar demais e começarmos a ficar sem, afinal, de uma propriedade, apenas 20% é de café especial. Atualmente o mercado de especiais está bem difícil, pois o preço da matéria-prima está muito alto devido a grandes aumentos e ao dólar também. Os especiais ficarão mais caros nesta próxima safra. Muitas casas de cafés especiais fecharam, muitas microtorrefações estão abrindo, então, o que podemos esperar: uma oferta grande de cafés, mas poucos lugares bons pra se tomar um café na rua.

O café brasileiro se transforma aos olhos e no paladar dos profissionais e amantes de café mundo afora. De grande escolha para blends e bebidas à base de leite, ele ocupa cada vez mais espaço também como ótima opção para um coado exótico e atraente — tendo sido, inclusive, protagonista de grandes vitórias em campeonatos mundiais de barismo.

Safra a safra, o Brasil consolida seu futuro no mercado do café de especialidade como um país de olho em qualidade, sustentabilidade e tecnologia. Enquanto isso, constrói uma reputação que reverbera nas vozes de grandes nomes da indústria e, claro, na xícara. 

Créditos: Acervo pessoal. Foto Emi Fukahori: Rodrigo Torii/World Coffee Events 

PDG Brasil

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