20 de maio de 2021

Premiunização do café: Por que compradores do Leste Asiático pagam preços recordes por lotes premiados?

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Já ouviu falar de “premiunização” do café? O termo se refere ao alto valor que alguns compradores de café atribuem ao produto. O comportamento de compra varia nos diferentes mercados do mundo. Os compradores de cada país analisam uma série de fatores ao procurarem café, para garantir que as demandas de seus clientes sejam atendidas.

Compreensivelmente, um dos fatores mais importantes é o preço. Alguns mercados são naturalmente mais sensíveis ao preço do que outros. No entanto, nos leilões de café, às vezes vemos um fenômeno conhecido como “premiunização”. “Premiunização” (não deve ser confundida com prêmios pagos por café orgânico ou Fair Trade, por exemplo) é a ação de usar raridade, exclusividade e qualidade superior que aumenta o apelo da marca e o preço, muitas vezes a um nível astronômico.

Quando preços altíssimos e recordes são pagos por lotes de café de altíssima qualidade em leilões e competições, geralmente são os torrefadores ou compradores do Leste Asiático que fazem a compra. Para saber mais, conversei com dois torrefadores do Leste Asiático. Continue lendo para entender o que provoca esse comportamento e como ele afeta a cadeia global de suprimentos do café.

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preço record - compradores asiáticos café

Premiunização e café no leste da Ásia

Premiunização é o processo de usar exclusividade, raridade e qualidade superior para aumentar o apelo da marca e os preços de produtos que, em outra situação, seriam mais baratos. Isso adiciona um maior senso de valor para o comprador e, em última análise, torna-o mais disposto a pagar preços mais altos.

No setor cafeeiro, isso se tornou cada vez mais evidente entre os compradores de café de alta qualidade do Leste Asiático. Por exemplo, em 2018, um grupo de compradores do Leste Asiático estabeleceu um recorde mundial de US $803 (o equivalente a cerca de R$ 4.300,00) por libra (450 g) para a Elida Geisha no leilão Best of Panama.

Dois anos depois, as empresas de café do Leste Asiático estavam entre as maiores compradores no CoE (Cup of Excellence, o principal concurso de qualidade para o café do mundo), enquanto no mesmo ano no 2020 Best of Panama, a maioria dos lotes de preços mais altos foram comprados por empresas de café do Leste Asiático.

Em todas essas competições, esses lotes ultracaros não eram apenas de alta qualidade, mas também tinham uma oferta limitada. Além disso, ao longo dos anos, os tamanhos dos lotes de CoE diminuíram, enquanto os preços apenas aumentaram, exacerbando ainda mais esse efeito.

Portanto, a questão permanece: por que os compradores do Leste Asiático pagam esses preços astronomicamente altos pelo café?

Em toda a região, especialmente em países economicamente robustos como China, Japão e Coreia do Sul, há uma apreciação cultural compartilhada por produtos de alta qualidade como parte de uma experiência mais ampla de consumo – no café e em outros produtos.

Veja o chá, por exemplo. Assim como o café, o chá é produzido em diferentes graus (de commodity a especialidade). Isso cria um mercado segmentado, onde os compradores em cada segmento estão dispostos a pagar um determinado preço. À medida que o preço sobe, o volume de compradores nesse segmento diminui.

Jin Guo é a compradora de café verde da Gee Coffee Roasters em Shenzhen, China. Ela diz: “[Historicamente, na China, as pessoas] estão acostumadas a pagar prêmios muito altos por chá e até vinho”. Posteriormente, essa tendência “se espalhou” para o consumo de café, que se tornou mais popular no Leste Asiático nos últimos anos.

“Naturalmente, as pessoas estão mais dispostas a pagar um preço muito alto por produtos [de café] raros e de alta qualidade”, acrescenta Jin.

cafeteria público asiático

Os leilões são locais onde há muito tempo os compradores podem obter café verde de alta qualidade por preços premium. Mas o que impulsiona esse comportamento de compra?

Bem, primeiro, lembre-se de que esses compradores de café têm seus próprios clientes. Jin diz: “[Certos países no Leste Asiático têm] uma grande quantidade de pessoas de classe alta e média que estão dispostas a pagar mais por produtos realmente raros”.

Poder beber um dos cafés mais raros ou caros do mundo tem certo apelo para um determinado público. Portanto, para os torrefadores que compram lotes de café ultracaros, geralmente é apenas uma questão de entender o que seus clientes desejam.

Essa demanda também está crescendo em mercados como a China. O Instituto EUA-China afirma que a ascensão do café na China tem “uma forte influência ocidental”. Até recentemente, o café era percebido no país como “único” para o Ocidente e hoje serve “como uma exibição de status social e cosmopolitismo”.

Kentaro Maruyama é o presidente e CEO da Maruyama Coffee no Japão e um comprador frequente de CoE. Ele tem uma compreensão abrangente do comportamento de consumo premium. Ele diz que esse tipo de comportamento no Japão não é incomum.

Ele traça paralelos com o leilão de atum histórico de Tóquio, que já existe há mais de 85 anos. Hoje, o leilão é realizado no mercado atacadista Toyosu, e recentemente foi palco de algumas compras que merecem destaque.

Isso inclui a compra, em janeiro de 2019, de um atum rabilho de 278 kg pelo magnata dos restaurantes Kiyoshi Kimura, pela qual ele pagou a modesta quantia de 333,6 milhões de ienes (US$ 3,08 milhões).

“Para a maioria das culturas do Leste Asiático, existe essa mentalidade de que quanto mais você paga, maior a qualidade deve ser”, diz Kentaro. “Isso acaba se tornando um esforço de marketing, porque os consumidores exigem o que é popular e o que é raro.”

Embora os compradores vejam essas demandas do consumidor, Kentaro enfatiza que essa mentalidade de comprar cafés ultracaros e vendê-los aos clientes nem sempre é lucrativa. Para torrefadores e compradores, ele afirma que a jornada não termina aí.

“Os cafés que compramos nos leilões são de altíssima qualidade, mas ainda precisamos fazer a nossa parte para que esses cafés valham a pena para o consumidor”, explica.

“Ainda precisamos agregar valor educando os consumidores e convencer o mercado de que esses cafés valem bem o preço por quilo.”

café no terreiro

Como isso afeta cafeicultores e cafeicultoras?

Esses hábitos de compra ultra premium têm vários efeitos positivos e negativos na cadeia de suprimentos global. Nos mercados financeiros de todo o mundo, qualquer tipo de “pico” no preço de um produto pode ser prejudicial.

No entanto, Kentaro diz: “Esses cafés premium do leilão só estão sendo vendidos por algumas semanas ou um mês, enquanto a novidade ainda é relevante. Não é como se as pessoas comprassem isso todos os dias”. Também é importante observar que, quando essa notícia de um novo recorde de preço é divulgada, ela pode, por sua vez, impulsionar o perfil de uma determinada região ou país como origem, muitas vezes incentivando outros a gastar mais.

“Não acho que isso afete o preço porque o volume de cafés de altíssima qualidade é muito baixo”, acrescenta Kentaro. “De certa forma, são cafés meramente divertidos e emocionantes que mostram o futuro e o sonho.”

“Mesmo para nós [da Maruyama], esses cafés são uma porção muito pequena dos cafés que oferecemos de forma consistente.”

Jin tem uma visão semelhante. “Acho que o café ainda tem espaço para aumento de preços. Os preços mais altos irão contribuir para melhorar a vida dos produtores de café e melhorar a qualidade, o que tem um impacto positivo na indústria do café ”, disse ela.

“Em última análise, o mercado sempre oferecerá cafés de preço médio que ainda são de alta qualidade para as pessoas escolherem.”

Jin também acrescenta que a premiunização não é apenas um aumento de preço sensacional. O grande foco na qualidade desperta o interesse e melhora a conscientização entre consumidores e agricultores.

“Café de alta qualidade, como o Panamá Geisha, representa muito mais do que comercialização”, diz ela. “Significa melhor terroir, cuidado com o trabalho, cuidado com o meio ambiente e assim por diante. Como tal, merece um retorno melhor. ”

premiunização do café

Relações comerciais duradouras

Por outro lado, além de perturbar o mercado, esses cafés ultrapremium podem levar a um maior interesse em certas regiões ou origens, e a um maior reconhecimento do produtor.

Kentaro me conta que as empresas japonesas começaram a se interessar muito pelos cafés da Nicarágua no início dos anos 2000. Nesse ponto, diz ele, a Nicarágua não compartilhava o tipo de perfil de cafés especiais como outras origens.

“Quando o CoE foi para a Nicarágua, ele abriu um novo mercado para os produtores nicaraguenses”, explica Kentaro. “Isso ajudou lentamente os produtores a aumentar seus preços.”

Esses leilões também ajudaram a estabelecer relações comerciais de longo prazo entre produtores, importadores e torrefadores, que podem durar anos após a compra desses lotes de leilão.

“Muitos dos nossos cafés de relacionamento foram estabelecidos por causa do CoE”, Kentaro me disse. “Encontramos os produtores, visitamos suas fazendas e, a partir daí, continuamos a desenvolver relacionamentos.”

Esse interesse e premiação poderiam até mesmo estar associados a mais inovação e investimento na qualidade do café para os produtores do Leste Asiático.

Considere Yunnan, por exemplo, a região onde mais de 98% de todo o café da China é produzido. Yunnan há muito é associado a grãos de baixa qualidade usados para café instantâneo, mas hoje os agricultores chineses estão começando a investir em uma produção sustentável e focada na qualidade.

Embora isso ocorra por uma série de razões, uma maior valorização e reconhecimento da qualidade do café entre os consumidores chineses certamente não pode ser descartada.

Embora o consumo doméstico de café cultivado na China continue baixo (cerca de 70% do café de Yunnan é exportado), os agricultores de Yunnan estão fazendo experiências com processamento natural e novas variedades. Isso também está produzindo resultados. Em 2015, o melhor café de Yunnan recebeu uma pontuação de 84 pontos na xícara por 25 juízes internacionais.

barista japonês

Hoje, os compradores de café do Leste Asiático são conhecidos por buscar cafés de alta pontuação e ultracaros nos leilões. Ao contrário dos mercados de compra da América do Norte e da Europa, há uma série de razões, culturais e outras, que influenciam esses comportamentos de compra premium.

Além de serem dignos de notícia e de elevar o perfil do setor cafeeiro, esses cafés ultra caros também estão iniciando uma conversa mais ampla sobre qualidade, preço e sustentabilidade. Não importa o que você pense sobre os preços atraentes que alguns compradores pagam pelos lotes vencedores do leilão, isso pode não ser algo ruim.

Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre como entrar no emergente mercado de café da China (em inglês).

Créditos das fotos: Gee Coffee Roasters, Acervo PDG

Tradução: Daniela Andrade.

PDG Brasil

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