31 de março de 2021

Como a flutuação da taxa de câmbio afeta os cafeicultores

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Imagine que há uma semana, um produtor de café recebeu  US$1,10 por libra de café, e eles ficaram felizes. Mas hoje, recebem US$1,15 por libra e estão decepcionados. Porquê?

Há muitas razões que poderiam contribuir para isso, mas uma muito comum é a flutuação da moeda.

O valor que os produtores recebem por seu café depende não somente do mercado global volátil, mas também das taxas de câmbio. Vejamos como elas afetam o valor real do que os produtores de café ganham.

Leia em espanhol: Fluctuación Cambiaria: ¿Cómo Afecta el Precio Del Café?

O que é o preço de “Contrato C”?

A maioria do café do mundo é tratada como commodity. São geralmente matérias-primas que, presumidamente, têm o mesmo valor globalmente. Isto significa que as melhores colheitas de um país serão negociadas juntamente com o café de menor qualidade de outro, mas tratadas da mesma forma, custando o mesmo preço.

O centro de comércio de café está situado no Intercontinental Exchange (ICE), localizado em Nova Iorque. Aqui, o preço do café, conhecido como o preço de Contrato C é negociado em dólares americanos (USD). O café especial geralmente é vendido por preços mais altos, mas eles ainda são afetados pelas oscilações do preço C. Muitas vezes, o preço pago é o preço de contrato C mais um prêmio de qualidade.

No entanto, o mercado dos produtos de base não segue regras simples. Os preços são relativos e estão em constante mudança. O café não é comprado unicamente por profissionais do café mas também por comerciantes que estão apenas interessados em lucrar com a compra e venda de participações no mercado de produtos. Esta especulação pode afetar drasticamente o preço C, uma vez que distorce artificialmente a oferta e a procura. 

Como e até que ponto a especulação irá afetar esse valor muitas vezes irá depender de quanto o café esteja atraente,  se comparado com outros produtos que estão sendo comercializados nesse dia. Se outras commodities parecerem mais atrativas, é provável que menos comerciantes especulem sobre o café; em contraste, se outras commodities parecerem menos atraentes, mais comerciantes deverão especular sobre o café.

Em teoria, os preços dos produtos de base deveriam ser um simples reflexo da oferta e da procura. A oferta de café pode ser reduzida por condições meteorológicas adversas, pragas, conflitos e muito mais, o que deverá aumentar os preços. 

Em contraste, se houver muita oferta ou pouca procura, os preços devem cair. Em 2019, o preço C atingiu o seu ponto mais baixo em uma década. Embora existam diferentes fatores que resultaram nisso, uma causa que se pode observar é a super oferta de café do Brasil.

Como as taxas de câmbio afetam os preços que os produtores recebem

O preço C é fixado em dólares americanos, o que significa que o preço negociado para o café, mesmo que seja especial, é tipicamente em dólares. No entanto, com notáveis exceções como El Salvador e Equador, a maioria dos países produtores tem sua própria moeda. Isto significa que as taxas de câmbio também afetam o quanto os produtores recebem pelo café. E, como o preço C, as taxas de câmbio também estão sempre flutuando.

Tal como acontece com os preços dos produtos de base, as taxas de câmbio flutuam com base na oferta e na procura. A procura é determinada pelas expectativas dos pontos fortes e fracos da economia nacional. Se for percebido como fraco, a demanda e o valor irão cair. Se for considerado forte, a procura e o valor irão aumentar.

O valor do dólar americano,  como todas as outras moedas, está, portanto, constantemente mudando. Por sua vez, isto afeta diretamente o valor real do dinheiro que está sendo pago pelo café. 

O valor do dólar também pode causar flutuações no preço C. Otávio Sandrin, Coordenador Comercial do O’Coffee Brazilian Estates no Brasil, diz que: “Se o dólar americano estiver muito alto, geralmente o preço C cai, para compensar o preço final.”

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Quem é mais afetado pelas flutuações cambiais?

Tim Heinze, Diretor da Sucafina PNG e proprietário fundador da Yunnan Coffee Traders e Huskee Co, diz que os efeitos das flutuações monetárias serão diferentes dependendo do papel que o produtor de café desempenha. “Se o produtor de café for o exportador, as flutuações monetárias irão definitivamente afetá-lo”, afirma. 

Quando o câmbio de dólar americano para a moeda local for feito, se a moeda local for fraca, os exportadores receberão retornos iguais ou superiores. Mas se o dólar estiver fraco, a taxa de câmbio resultará em retornos mais baixos.

Os produtores de café que não são exportadores, como os pequenos agricultores, não experimentarão os efeitos da taxa de câmbio da mesma forma. Em vez disso, os menores produtores venderão as suas cerejas ou grãos de café localmente, o que não implica na troca de moedas diferentes. Tim diz que: “Eles devem receber quando vendem o produto a uma beneficiadora e/ou exportador ou quando têm um preço contratado na entrega do produto.” 

No entanto, os produtores neste nível serão afetados pelo valor do preço C, o que fará com que os preços locais pagos às beneficiadoras ou cooperativas flutuem.

Não são apenas produtores e exportadores de países produtores que são afetados pelas taxas de câmbio. Os importadores de café verde serão afetados devido à flutuação das taxas de câmbio e dos preços locais, especialmente aqueles que não estão localizados nos EUA.

Tim diz que: “Isto também depende da dimensão da empresa, mas ao comprar café verde em dólares (especialmente se a moeda do seu país de origem for diferente), também é necessário comprar dólar para a transação.” 

Leia também: Como o Café Verde é Comprado e Vendido?

De que outra forma as taxas de câmbio podem afetar os produtores de café?

Enquanto os pagamentos aos produtores de café são feitos em dólar, todos os outros pagamentos são feitos em moeda local. É nessa hora que os problemas podem surgir. Do trabalho e das ferramentas às plantas e às máquinas, há muitos estágios que requerem equipamento e recursos na produção do café. Os seus preços podem também ser afetados pela taxa de câmbio.

Otávio, do Brasil, conta que com o real brasileiro fraco eles recebem preços mais altos pelo café; no entanto, isso tem um custo. Otávio diz, “no Brasil, importamos cerca de 80% de nossos insumos (matéria-prima e fertilizantes). Se o real brasileiro estiver fraco, nossos custos serão impactados, naturalmente.” 

Se a moeda local for fraca, teremos importações de insumos de produção muito caras. Por sua vez, isto pode diminuir a rentabilidade. 

No Brasil, em 2015, o real brasileiro atingiu um recorde baixo de apenas 4,0665 reais por dólar americano. Embora o valor da moeda estivesse baixo, isso significa que preços mais altos eram pagos aos produtores de café. No entanto, a moeda fraca também fez subir o custo dos insumos agrícolas, muitos dos quais são importados para o país. A taxa de câmbio aumentou o preço dos fertilizantes em 50% ao longo de 2015, o que, por sua vez, fez diminuir a rentabilidade dos cafeicultores.

Com flutuações de moeda, para cada alto há um baixo. Os preços mais elevados não são fornecidos sem bagagem adicional.

Como os produtores de café podem se proteger das taxas de câmbio?

Os efeitos das taxas de câmbio não atingem um determinado país. As taxas de câmbio afetam todos os produtores de café no mundo, mas especialmente os produtores que são suficientemente grandes para exportar, mas que não são suficientemente grandes para entrar no mercado futuro.

Os maiores produtores podem ter acesso ao mercado futuro. Através de hedging, podem fazer contratos futuros que permitem que os compradores e os vendedores assinem contratos no preço corrente do café, os protegendo dos preços flutuantes quando forem pagos mais para frente. ICE exige que os produtores produzam um mínimo de 37,550 libras para que possam acessar este mercado, o que excluí muitos pequenos produtores.

Os acordos com exportadores privados também são uma opção para os produtores maiores. Tim, fundador da Yunnan Coffee Traders, explica um sistema que eles experimentaram em Yunnan, China, envolvendo a contratação de 30 mil toneladas de café de uma beneficiadora a um preço acordado, em um contrato de três anos. 

Tim conta que, “embora tenhamos de introduzir alguns parâmetros para se o mercado quebrasse ou disparasse, o que descobrimos era que a beneficiadora úmida recebia cerca de 30% acima das taxas de mercado local por cada ano que fizemos isto … e fomos então capazes de negociar contratos de longo prazo com torrefações que concordaram com um preço fixo, também ao longo de três anos.” 

Estes tipos de acordos maiores podem não ser acessíveis a produtores menores. No entanto, se juntar a outros produtores de café em cooperativas, por exemplo, pode ser uma opção. Grupos maiores de produtores de café podem se beneficiar com a criação de grandes quantidades de dólares para as trocas por moeda local. Embora isso não os proteja das flutuações das taxas de câmbio, pode garantir que um acordo melhor seja feito.

Quando discutimos preços sustentáveis, é importante lembrar que o preço C nunca é tão simples quanto parece. Há tantos fatores diferentes que influenciam o preço do café, desde os preços de outras mercadorias até o quanto uma moeda local é fraca ou forte. E por sua vez, isto afeta a rentabilidade de um preço para um produtor de café.

Traduzido por Daniela Melfi

Crédito das imagens: Julio Guevara, Fernando Pocasangre

PDG Brasil

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