24 de março de 2021

Produtores, como definir o perfil sensorial de seus cafés?

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Em qualquer xícara de café especial, há um número incrível de fatores que determinam a sua qualidade. O sabor de um café varia de acordo com sua origem, método de processamento, variedade e dezenas de outros fatores. 

Os cafés de maior qualidade oferecem sabores mais complexos e diferenciados na xícara, como também uma variedade de notas de degustação distintas que são utilizadas para descrever o seu sabor. Essas características podem ser geralmente encontradas na embalagem do café.

Estes sabores compõem o perfil sensorial de um café – ou seja, simplesmente, os sabores e aromas distintos ele que evoca. O perfil sensorial é o que se avalia para determinar a qualidade de um café, que por sua vez influenciará o preço pelo qual ele será vendido.

Para saber mais sobre como os produtores podem identificar claramente um perfil sensorial para seus cafés, falei com vários especialistas em toda a cadeia de suprimentos. Ao provar e avaliar o perfil do café, os produtores podem fornecer aos compradores expectativas claras quanto à sua colheita. Continue lendo para saber mais.

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O DETERMINA E INFLUENCIA O PERFIL SENSORIAL DE UM CAFÉ?

Para entender o que afeta o perfil sensorial de um café, falei com Tiago Castro Alves. Tiago é agrônomo e gerente da Fazenda Barinas, na região do Cerrado Mineiro. 

Tiago me disse que “fez o perfil” dos seus cafés durante anos. Ele diz que ao definir as características sensoriais de um certo café, os produtores devem considerar uma série de variáveis que podem ter influenciado aquele perfil de xícara. Essas variáveis incluem o clima, o solo, e todas as pragas ou doenças que possam estar presentes. 

Ele acrescenta que muitas variedades podem crescer em uma mesma fazenda, em uma área razoavelmente pequena, e que cada um terá um sabor distinto como resultado. Consequentemente, ele recomenda a realização de uma avaliação sensorial em pequena escala e observa que é importante fazer o cupping de variedades diferentes separadamente, para obter resultados claros.

Também é importante notar que a menor mudança durante o ciclo de crescimento de uma planta (como chuva antes da colheita) pode afetar o perfil de sabor de um café. Isto significa que a qualidade de cada café pode mudar de colheita para colheita.

“O Terroir é muito delicado, e muitos fatores podem causar variações sensoriais”, diz Tiago. “Cada lote da fazenda deve ser analisado cuidadosamente em função da sua própria qualidade e características.”

Para realizar a avaliação sensorial na Fazenda Barinas, Tiago diz que organiza os lotes por variedade e data de plantio. Ele também usa índices de preparação e produtividade do solo para separar ainda mais as plantas, permitindo que ele entenda as diferenças nos níveis de nutrientes de planta para planta.

Depois que estas plantas são colhidas, é feito o cupping e posteriormente a classificação de cada café por Q-graders (avaliadores de qualidade no café arábica). Como parte disso, os cuppers definem as notas de sabor que podem ser saboreadas no café. Certas notas de sabor (como a acidez , doçura ou corpo elevados, por exemplo) podem então ser ligadas a mudanças no processamento, terroir, clima, e assim por diante.

No entanto, como as referências sensoriais mudam com base em memórias pessoais e associações culturais, Tiago recomenda o uso de vários Q-graders para determinar o perfil de sabor dos cafés com maior objetividade.

REFINANDO UM PERFIL REGIONAL EXCLUSIVO

Juliano Tarabal é o superintendente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado, uma federação de cafeicultores sediada na região do Cerrado Mineiro.

O Cerrado Mineiro é a primeira área cafeeira do Brasil a ser reconhecida com uma indicação geográfica (IG). Uma IG é usado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual para designar uma área reconhecida para produtos (geralmente alimentos e bebidas) que possuem qualidades que não podem ser encontrados em nenhum outro lugar.

Efetivamente, isso significa que o café do Cerrado Mineiro é único, e que seu perfil de xícara não pode ser replicado genuinamente por produtores em nenhum outro lugar do mundo.

Juliano diz que quando a federação decidiu definir um perfil sensorial único para os cafés do Cerrado Mineiro, eles primeiro tiveram que provar que o terroir da região tinha características únicas.

Para começar, ele diz que a federação criou uma roda sensorial base, que definiu as principais características notáveis dos cafés da região. Ele observa que este processo foi inspirado pelos protocolos utilizados para indicações geográficas referentes aos alimentos e vinhos franceses e italianos. Estes alimentos e vinhos são comumente representados com as abreviações DOC na Itália (denominazione di origine controllata) e AOC na França (appellation d’origine contrôlée).

Finalmente, Juliano diz que a federação também colaborou extensivamente com a Specialty Coffee Association (SCA) para criar essa roda sensorial.

Hoje, a equipe de Juliano publica um relatório anual sobre os descritores que têm sido usados para caracterizar os cafés de alta pontuação na região. Eles também realizam competições regulares que incentivaram os produtores membros a continuar a melhorar o perfil de xícara de seus cafés.

AS MELHORES PRÁTICAS PARA DEFINIR O PERFIL SENSORIAL DE UM CAFÉ

Lucas Louzada Pereira é professor e pesquisador da IFES, no Espírito Santo. Ele é especializado em análise sensorial e torrefação. Ele diz que quando os produtores criam os seus próprios perfis sensoriais, muitas vezes estão melhor preparados para se posicionar no mercado. 

No entanto, ele destaca a importância de ser autêntico ao definir notas de degustação ou características de sabor. “Menos é mais; não há nenhum sentido em sofisticar algo que não existe em seu terroir”, diz ele. “O consumidor irá sempre preferir uma experiência sensorial genuína e consistente.”

Lucas também me conta que alguns produtores usam descritores demais ou até mesmo alguns descritores incorretos. Isto pode ser contraproducente, e até prejudicar a marca de uma fazenda. Em alguns casos, pode até levar os produtores e torrefadores a superestimar ou desvalorizar um café.

Ao definir o perfil sensorial de um café, Lucas acrescenta que também é importante começar por sendo preciso. Os produtores devem utilizar uma linguagem clara e relevante para o seu mercado-alvo.

Lucas diz: “É inútil descrever algo que [seu público] não pode acessar nem consumir.” Fundamentalmente, isto significa que os produtores devem se esforçar para garantir que os descritores de sabor estejam alinhados com potenciais compradores. Isto ajudará a evitar que usem sabores que possam ser originais a determinadas regiões ou culturas.

Para facilitar a utilização da terminologia correta, Lucas também recomenda que os produtores aprendam a língua dominante dos seus compradores (frequentemente o inglês) ou trabalhem em conjunto com alguém que o faça.

Ele acrescenta que isso irá ajudá-los a entender melhor o feedback que os compradores fornecem quando visitam fazendas para fornecimento de café verde. Também incentivará  a comunicação continuada e resultará em uma melhora nas relações comerciais.

COMO ISTO BENEFICIA O PRODUTOR?

Um perfil de sabor claramente definido para o seu café ajuda um produtor de várias formas. 

Em primeiro lugar, uma vez que os produtores definem um perfil de sabor atraente para os compradores, podem repetir os mesmos processos (por exemplo, através da nutrição do cafeeiro e das práticas pós-colheita) para fornecer um perfil semelhante inúmeras vezes. 

Embora, sem dúvida, varie de colheita para colheita, devido às variações climáticas, manter outras variáveis iguais irá melhorar a consistência. Isto também proporciona uma boa base para a experimentação. 

Em última análise, ao serem capazes de definir as características de um determinado lote ou café, os produtores poderão rotulá-las e classificá-las mais detalhadamente. Isto irá permitir a comunicação clara do que os compradores podem esperar provar na xícara, adicionando mais valor e claridade à relação de compra.

EDUCAÇÃO SENSORIAL CONTÍNUA

Tal como acontece com qualquer coisa relacionada a avaliação sensorial, o treinamento continua a apoiar os atores, em toda a cadeia de suprimentos, a entender mais sobre os sabores que emergem em uma xícara e o porquê de estarem ali. 

Através de comunicação e colaboração contínuas, os produtores e compradores poderão trocar mais informações sobre os perfis desejáveis de xícara e, subsequentemente, criar relações comerciais mais fortes.

Por exemplo, Lucas diz que conversa com compradores e importadores internacionais para entender o que procuram em um café. Ele então usa esta pesquisa para criar cursos de treinamento, que ele oferece aos produtores gratuitamente. 

Estes cursos mapeiam áreas para crescimento potencial, bem como aquelas que requerem intervenção. Lucas e sua equipe, no Coffee Designer Group, usam conteúdo de treinamento guiado por pesquisa para orientar produtores, trabalhadores agrícolas e comunidades cafeeiras mais amplamente sobre temas como controle de qualidade, torrefação e extração. 

Lucas afirma que este programa procura melhorar o conhecimento e capacitar as pessoas em toda a cadeia de fornecimento e, em última análise, “reduzir a lacuna científica entre produtores e consumidores”.  Em seis anos, ele diz que mais de 350 famílias produtoras de café de áreas rurais foram treinadas. 

Em última análise, ele diz que, nos próximos anos, espera que continuem a surgir oportunidades semelhantes para a educação sensorial nos países produtores.

Ao definir um perfil sensorial para o seu café, os produtores podem comunicar mais claramente por qual motivo um comprador ou importador deve escolher a sua fazenda ou a sua região. Como acontece com muitos outros processos ao longo de toda a cadeia de fornecimento, a comunicação clara neste processo é fundamental.

Por fim, os produtores capazes de determinar o perfil dos seus próprios cafés estarão mais bem equipados para concretizar vendas para compradores internacionais e a mercados estabelecidos. Isto, por sua vez, irá ajudá-los a desenvolver e identificar os perfis de sabor que os consumidores procuram. Isso tudo pode lhes proporcionar uma base para experimento, além de permitir que estreitem as relações com compradores e adicionem o valor ao seu plantio. 

Traduzido por Daniela Andrade

Crédito das imagens: Julio Guevara, Diego Najera

PDG Brasil

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