29 de janeiro de 2021

Apresentando o café para crianças

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O café é uma das bebidas mais populares do mundo. A OIC, Organização Internacional do Café, estimou que no período 2019/2020, consumimos quase 170 milhões de sacas de 60kg. Mas quanto deste número vem de crianças e adolescentes?

Em algumas culturas, é comum que as crianças bebam café desde pequenas, enquanto em outras, o café é mais considerado bebida de adulto. Nos países produtores, por exemplo, as crianças são frequentemente expostas ao café mais cedo do que em qualquer parte do mundo.

De modo geral, isso levanta uma questão cultural, médica e ética que vem sendo discutida há anos: quando as pessoas devem começar a beber café? Para obter alguns relatos em primeira mão, conversei com alguns profissionais e entusiastas de várias partes do mundo. Continue lendo para descobrir o que eles disseram.

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Uma Bebida para Adultos?

Para muitas crianças, o café é uma “bebida para adultos”. Para eles, é algo restrito ou fora do alcance; como resultado, muitos vão desenvolver uma curiosidade sobre o que o café realmente é antes de tomar um único gole.

Frank Kohl é um antropólogo alemão e trader de café que vive no Brasil. Ele me conta que bebeu café pela primeira vez quando tinha cinco ou seis anos. Ele diz que sua avó ocasionalmente lhe dava café para aliviar uma dor de cabeça, mas ele nunca tomava mais do que o necessário. 

“Na Alemanha, as crianças não devem beber café regularmente”, diz Frank. “É considerada uma bebida estimulante que não é adequada para crianças, porque já são ativas.”

No entanto, quando as crianças crescem em torno do café, e quando ele faz parte de suas vidas e de sua rotina diária, torna-se algo com o qual elas naturalmente se envolvem. A barista Amanda Albuquerque, que mora em Curitiba, Paraná, me conta que o café sempre esteve presente em sua infância e que ela teve curiosidade sobre ele quase que imediatamente. 

“Lembro-me de minha avó preparando café tradicional, de torra escura, várias vezes ao dia”, diz ela. “Não podia beber, mas adorava. Aos seis ou sete anos, gostava de fingir que fazia café. Eu tinha uma meia para colocar terra. Eu jogava água sobre ela e fingia que estava fazendo café.”

As crianças também são influenciadas pelos aspectos sociais do consumo de café. Adriana Lemus é arquiteta e amante do café nascida em El Salvador. Ela diz: “Lembro-me de ver meus pais e pessoas mais velhas tomando café sempre que se reuniam. Eu ficava curiosa com isso … parecia uma coisa que adultos faziam. “

Além disso, parece que os mais jovens que passam muito tempo em torno do café tendem a se relacionar com ele como uma atividade social. Martha Grill, a Campeã Brasileira de Barismo 2019, diz: “Meu hábito de tomar café começou quando eu tomava café com meus colegas de universidade por causa [do aspecto social]. Naquela época, não achava que ele tinha um sabor agradável.”

Ela diz que experimentou o café pela primeira vez quando tinha 12 anos na casa de uma amiga. “Eu nunca tinha tomado café antes, então não sabia como fazer”, explica ela. “Usei uma proporção muito concentrada e ficou amargo. Eu odiei e não consegui terminar.”

As crianças que experimentam o café pela primeira vez muito cedo também podem ter dificuldade em apreciá-lo sem muito leite e açúcar. Adriana confirma que foi assim que ela conheceu o café, mas mesmo assim, ela diz que o sabor não a impressionou muito na hora.  

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Acessibilidade e Cultura

André Eiermann é o campeão de Barismo da Suíça de 2017 e trabalha para Victoria Arduino Australia. Ele me conta que, quando era criança, seus pais compravam e bebiam o que havia na Suíça na época: café instantâneo de baixa qualidade.

“Sua formação cultural individual e o contexto familiar influenciam como você começa a beber café e seu comportamento de consumo de café”, diz ele. Depois disso, diz ele, ficou anos longe do café; até experimentar o expresso aos 26 anos para uma entrevista de emprego. 

“Foi um café espresso curto e de torra escura. Não gostei muito… o sabor forte e amargo não combinava com o ótimo cheiro”, acrescenta André.

Embora a qualidade do café em países como a Suíça tenha melhorado muito nas últimas décadas, é compreensível que as crianças nos países produtores tenham uma relação fundamentalmente diferente com ele.

“Na primeira vez que experimentei café eu tinha três anos”, explica Adriana. “O café, depois da água, é a segunda bebida mais provável que você espera ser oferecida ao entrar na casa de alguém [em El Salvador].”

Amanda é paranaense, e sua família consome café há gerações. Ela diz: “Tomar café é como escovar os dentes. Torna-se um hábito, mesmo sem você perceber que está fazendo isso.”

Ela acrescenta que, quando era criança, sua família morava perto do Norte Pioneiro, uma famosa região produtora de café. “Por estarmos mais próximos da produção, tivemos acesso mais fácil a um café barato e de baixa qualidade. Isso tornou facilitou que eu provasse o café cedo”, diz ela.

Já Martha vem do Rio Grande do Sul, onde a bebida quente mais popular é o chimarrão ou mate. Por causa disto, Martha só começou a tomar café regularmente quando se mudou para São Paulo há alguns anos e acabou por trabalhar em uma cafeteria.

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O Que Dizem os Médicos?

De acordo com a Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, existem poucas pesquisas concretas sobre o impacto de longo prazo do café nas crianças. 

Naturalmente, a cafeína tem um impacto mais profundo em crianças em doses semelhantes à do café, principalmente por causa de seu tamanho. E embora o café tenha benefícios comprovados para a saúde dos adultos, estudos de longo prazo serão necessários para determinar se o mesmo pode ser dito para as crianças.

Por mais que associemos a cafeína ao café, as crianças também o ingerem por meio de chás, refrigerantes e chocolate, entre outras coisas.

Ana Luiza Câmara Araújo é neuropediatra. Ela diz: “Porque não sabemos exatamente como a cafeína afeta o desenvolvimento de uma criança, não a recomendamos para crianças pequenas.

“De dois a seis anos, uma criança pode tomar uma pequena dose de café esporadicamente. Depois de seis anos, fica mais seguro oferecer pequenas doses com mais regularidade. No entanto, devemos ter em mente que ninguém, em qualquer idade, deve beber uma quantidade ilimitada de café.”

A cafeína também pode atrapalhar os padrões de sono das crianças, numa idade em que muitas já têm dificuldades para dormir. Ana Luiza diz: “Cerca de 20 a 30% das crianças sofrem de insônia. Oferecer estimulantes no final do dia pode piorar as coisas.” Por esse motivo, ela desaconselha dar às crianças qualquer alimento que contenha cafeína depois do pôr do sol.

Ela acrescenta que vários órgãos científicos e médicos (como a Health Canada e EFSA) fornecem números individuais de quanto café uma criança pode consumir sem ter efeitos adversos. “Isso é [geralmente] calculado a uma taxa de 2,5 mg / kg por dia”, diz ela.

“Por exemplo, uma criança com 14kg teria um limite diário de 35mg de cafeína. Se uma xícara média de 240ml de café tem entre 95 e 200mg de cafeína, ela pode consumir [aproximadamente] um quarto de xícara. Para adultos, o limite recomendado é 400mg por dia, e para mulheres grávidas, 300mg por dia.”

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Crescendo Rodeado Por Profissionais do Café

O consumo precoce de café também parece um pouco diferente nas casas de quem trabalha com o café e perto dele. Bernardo, filho de Amanda com 6 anos de idade, toma café em pequenas quantidades, mas só quando tem vontade. 

Ela diz: “Ele nem sempre está com disposição e gosta mais de fazer café do que de bebê-lo. Eu não o pressiono para provar. Ele bebe a quantidade que deseja, desde que esteja dentro do limite estabelecido.”

Ela me conta que trabalha com cafés especiais há mais de dois anos, o que significa que seu filho está exposto a ele desde os quatro anos. Com o tempo, ela diz que ele desenvolveu uma preferência por torras médias, com mais doçura e baixa acidez. 

André tem uma filha de seis anos e um filho de dois. Diz que os dois experimentam um gole do seu café de vez em quando e que cada criança já tem as suas próprias preferências. Ele me disse que sua filha prefere café filtrado e seu filho, espresso. Ambos também gostam de leite vaporizado em uma máquina de café espresso. 

“Ambos gostam de um ‘baby cappuccino’, que é leite vaporizado sem café. Eles são muito exigentes e, se o leite não tiver uma textura perfeita em consistência e temperatura, eles não bebem. ”

André acrescenta que recentemente começou a ensinar mais aos filhos sobre como é ser barista. “É muito divertido e as crianças aprendem rápido. Meu filho já consegue extrair um café de acordo com o protocolo de pontuação técnica do Campeonato Mundial de Baristas”, explica.

Durante o lockdown da pandemia Covid-19, ele explica que eles construíram uma máquina de café e um moedor de papelão e papel alumínio para praticar a extração de doses de café espresso. “As crianças adoram entender o que faço como profissão”, diz ele.

“Você pode começar cedo com eles de uma forma lúdica. Claro, você tem que ter cuidado com a ingestão de cafeína … contanto que você tenha isso em mente, nunca é cedo demais para começar com o café. ”

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É claro que o ambiente, a cultura e as experiências iniciais influenciam seus pensamentos e sentimentos iniciais sobre o café. Grãos de baixa qualidade ou sabores intensos na primeira idade podem fazer com que as crianças parem de tomar café, ao passo que gastar tempo com um café de alta qualidade provavelmente fará com que você o prove cedo.

No entanto, não importa quando, como ou onde as crianças são apresentadas ao café, o importante é que o bebam com responsabilidade, em quantidades razoáveis, e desenvolvam uma relação positiva com ele. 

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Créditos das fotos: Adriana Lemus, Amanda Albuquerque, André Eiermann, Gladstone Campos, Frank Kohl

Isenção de responsabilidade: este artigo não deve ser interpretado como um conselho médico sobre a ingestão de cafeína por crianças.

Traduzido pela própria autora.

PDG Brasil

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