6 de novembro de 2020

Entendendo a Lista de Ingredientes na Barra de Chocolate

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Você já imaginou o que são aqueles 15% restantes na lista de ingredientes em sua barra de chocolate 85%?

Às vezes, a adição de certos ingredientes é evidente: pistache, sal vulcânico, ou casca de laranja, por exemplo. Outras vezes, não é tão óbvio assim: o que é lecitina de soja? Isso é bom ou ruim? Por que meu chocolate artesanal contém ingredientes que eu não reconheço?

Eu entrei em contato com alguns chocolate makers para descobrir o que são os ingredientes diferentes em nossas barras de chocolate, o que eles sugerem evitar e o que eles recomendam. Pois, quando se trata de chocolates finos, isto não é apenas sobre criar uma doce recompensa. É sobre usar os ingredientes certos: aqueles que fazem cada barra única, evidente e, claro, deliciosa.

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Os Ingredientes Essenciais

Há certas coisas que você não pode deixar de usar ao fazer chocolate. Claramente, uma delas é o cacau. A outra, a menos que seja uma barra 100%, é açúcar (ou adoçantes artificiais, algo que a maioria dos chocolatiers contra-indicam).

Porém, nem todos os “chocolates” assumem a mesma forma. Elaine Read do Xocolatl Chocolate diz que “no mundo do chocolate artesanal, uma fabricação de “dois-ingredientes” usa apenas cacau e açúcar (de cana de açúcar) ; uma fabricação de “três ingredientes” utilizará cacau, açúcar e manteiga de cacau… O leite pode estar presente tanto no chocolate fino quanto no do dia a dia, mas não deve estar presente no ‘chocolate escuro’, a menos que seja rotulado “chocolate ao leite escuro”.

Ela ainda acrescenta, “os fabricantes industriais, mesmo aqueles que fazem chocolate para chocolaterias de boutique costumam ter cacau, açúcar, manteiga de cacau, lecitina de soja, óleos vegetais (apenas nos Estados Unidos) e baunilha/vanilina [um substituto da baunilha].”

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Sementes de Cacau vs. Manteiga de Cacau

Então, qual a diferença entre as sementes de cacau e a manteiga de cacau? Por que algumas chocolaterias fazem barras de dois ingredientes e outras de três?

Segundo Lauren Heineck, fundadora da WKND Chocolate e Well Tempered Podcast, “As sementes de cacau são indispensáveis para a fabricação do chocolate… manteiga de cacau (gordura) é um elemento natural da semente. Quando você mói a semente de cacau para fazer chocolate, está criando um composto de gordura e fibras/proteínas. Claro, a manteiga de cacau em si também é vendida, mais comumente obtida por meio da prensagem mecânica.”

Curiosamente, algumas origens possuem diferentes quantidades de gordura em relação a outras. “Essas origens que são tipicamente próximas ao equador, são notadamente conhecidas por terem menos manteiga de cacau”, ela explica. “Então, isto talvez signifique que, se eu fizer duas barras de 75% de origens diversas, as receitas podem ser diferentes por causa da manteiga de cacau inerente à semente, embora sua porcentagem seja aparentemente idêntica.”

Isto, claro, tem um impacto na própria barra. “As minhas tanzanianas de 75% seriam naturalmente mais gordurosas, mais suaves na sensação de boca que as minhas do Equador”, Lauren continua. “Este nem sempre é o caso, há certamente pontos fora da curva, mas pode ser o caso em que, se eu fizer um Equador 75%, talvez adicione 3% ou 5% de manteiga de cacau se eu quiser uma linha de produto que tenha uma sensação na boca e suavidade mais uniforme.”

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Lecitina de Soja: Um Ingrediente Controverso

Algumas chocolaterias de boutique que produzem da semente à barra, usarão lecitina de soja. Outros, não. Qual é o problema?

Bem, tem relação com o calor. Elaine explica que “Você vê a separação da manteiga de cacau quando você quando deixa o chocolate ficar muito quente ou muito frio – o exemplo perfeito disto é uma cor turva, marrom ou cinza e a textura quebradiça que aparece quando você deixa sua barra de chocolate no carro e ela derrete, então você coloca no freezer para endurecê-la novamente e descobre que tem uma barra de chocolate raiada e grossa.” Mas o uso da lecitina de soja, que é um emulsificante da soja, previne que isso aconteça.

O chocolate não precisa da lecitina de soja, embora o ajude a suportar variações de temperaturas. Há também outros prós e contras. Elaine continua, “O uso da lecitina faz com que fabricação do chocolate seja mais fácil e mais barata.”

“Os fabricantes que escolhem não a usar (incluindo nós mesmos e muitos do universo do chocolate artesanal), normalmente decidem por um chocolate sem emulsificantes, ainda que seja mais difícil e dispendioso, o que resulta em um produto mais puro.” Ela explica que ele tem poucos ingredientes, uma pegada ecológica menor, e pode ser parte de uma cadeia de abastecimento mais direta e transparente. Outras preocupações podem incluir alergias à soja, bem como soja geneticamente modificada, acrescenta Lauren.

Por outro lado, uma vez que a lecitina de soja é usada em pequenas quantidades, todos os meus entrevistados concordaram que é impossível ou muito difícil sentir seu gosto.

Lauren também diz que “a lecitina de soja cria menos viscosidade… logo, flui melhor pelas máquinas. Portanto, especialmente no caso de fabricantes de chocolate com configurações mais elaboradas de maquinário, você não vai querer que seus tubos entupam ou que seu chocolate 75% não flua pelas máquinas.” A lecitina de soja previne isso. A adição de mais manteiga de cacau tem o mesmo efeito, ela acrescenta.

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O Debate Sobre a Baunilha

Outro ingrediente comum, mas para o qual frequentemente torcem o nariz é a baunilha. Luz Jungbluth da Nina Fine Chocolate diz que “se você encontrar uma barra de chocolate que tem baunilha, ela é normalmente usada para disfarçar os sabores ruins do cacau. Esses sabores ruins podem ser o resultado de uma má fermentação ou um processo de secagem ruim.

Elaine concorda afirmando que a baunilha e o seu substituto sintético, a vanilina, “historicamente, elas têm sido adicionadas para melhorar o sabor do chocolate feito com sementes inferiores, bem como inferiores em perfil de sabor devido a práticas deficientes do pós-colheita, ou de sabor inferior em razão de uma torra intensa feita pelo fabricante de chocolate.”

Contudo, ela afirma que a baunilha não é sempre ruim. “No chocolate artesanal”, explica ela, “o produtor usará grãos de baunilha de verdade como um sabor intencional para melhorar o perfil geral do sabor. Você normalmente pode identificar que a baunilha é usada como um aditivo de sabor intencional quando o rótulo destaca a baunilha como um componente da barra. Se a baunilha ou a vanilina está listada apenas na parte de trás, na seção de ingredientes, é mais provável que seu use seja para mascarar sabores indesejáveis.”

O que nos leva ao próximo ponto: a adição intencional de sabores com o objetivo de realçar as notas distintas do cacau.

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Especiarias, flores e frutas: alguns dos ingredientes de que os chocolatiers podem fazer uso.

Outros Sabores e Ingredientes

Alguns consumidores preferem uma barra de dois ou três ingredientes que os permitam saborear as notas de origem. Outros gostam da forma com que certas adições amenizam essas notas, permitindo que brilhem.

“Eu acho que é uma questão interessante… Eu gostaria que os consumidores fossem a um lugar no qual sentissem confiança no chocolate que gostam de comer”, diz Lauren.

“Quem sou eu para dizer que o chocolate não deve ter mais que quatro ingredientes? Pois há pessoas que são loucas por chocolates com nozes e eu não quero tirar isso delas… Você talvez tenha 36 ingredientes, assim como você talvez tenha um mole (tradicional molho local) em Oaxaca, feito com 36 ingredientes. O chocolate é uma mídia incrível para a criação. É uma tela em branco para criar, qualquer que seja a sua arte.”

Com diz Oliver Eggers, do Nina Fine Chocolate, “o cacau tem tantos componentes químicos que, se você comparar o chocolate e o vinho, ao comer o chocolate você pode ter tantas surpresas quanto na degustação do vinho.” E isso significa que algumas pessoas querem apenas experimentar o chocolate, enquanto outras desejam tratar aquela complexidade como um parque de diversões para diferentes sabores.

Tome o sal como exemplo: “Muitos de nós usa sal marinho ou vulcânico para várias finalizações no chocolate”, explica Lauren, “do mesmo jeito que você salpica sobre um pedaço de carne, e ele realça as características do chocolate. Ele equilibra o amargor e a acidez para que você tenha uma experiência geral mais prazerosa.”

Não há necessidade, também, de ficar preso aos ingredientes tradicionais. Ela tem experimentado com algas marinhas, e menciona que o umeboshi japonês, uma fruta ácida normalmente chamada de ameixa de sal, “provavelmente seria deliciosa”.

“Isso vai além da roda de sabores”, ela enfatiza, “pois é sobre combinar uma matriz de sabores. Nós temos a oportunidade de ser chefs. Temos a oportunidade de criar pratos que são em forma de chocolate”. 

Chocolate com sal marinho

Talvez você goste de seu chocolate escuro, macio e sem sabores extras. Ou, talvez, você o prefira salpicado com um pouco de sal. Ou ainda, pode estar aberto a qualquer experiência de sabor que tenha a oportunidade de experimentar.

 Não importa como você queira seu chocolate, entender os ingredientes no rótulo o ajudará a compreender por que ele tem esse sabor, a selecionar as barras que você deseja degustar e descobrir os seus favoritos.

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Traduzido por Sandra Sousa

Crédito das imagens: WKND Chocolate, Daniel Fazio, Nina Fine Chocolate

PDG Brasil

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