6 de agosto de 2020

Enfrentando Mudanças Climáticas com Variedades Híbridas de Café

Compartilhar:

Padrões climáticos em mudança, pragas e doenças, desmatamento e aumento da temperatura são apenas alguns dos fatores ambientais que ameaçam a produção mundial de café. Estima-se que, até 2050, possamos perder até 40% da terra cultivável do café – expondo a indústria cafeeira de hoje a um desafio sem precedentes.

Uma solução possível para o cenário exposto acima seria a mudança para novas variedades híbridas que oferecem resiliência sem comprometer a qualidade. No início dos anos 90, o CIRAD começou a selecionar híbridos F1 Arábica com diferentes parceiros, como CATIE, PROMECAFE e ECOM. Este trabalho levou à seleção e disseminação de vários híbridos de alto desempenho, cujos nomes estão começando a ser conhecidos, como H1-Centroamericano, H3, Starmaya e Cassiopeia. Desde 2017, o CIRAD coordena o Projeto Horizonte 2020 do BREEDCAFS (café para sistemas agroflorestais), financiado pela União Europeia 1

O objetivo do BREEDCAFS é desenvolver novas estratégias de melhoramento que criem variedades de café que sejam mais resistentes ao estresse ambiental associado às mudanças climáticas e mais adequadas às condições de cultivo agroflorestal. Embora os sistemas agroflorestais ofereçam benefícios aos produtores, muitas variedades tradicionais de café não são adequadas para o cultivo sombreado.

Para descobrir como essas variedades poderiam beneficiar a produção de café, conversei com pesquisadores da BREEDCAFS na França, Dinamarca, Vietnã, Camarões e Nicarágua sobre quais vantagens e desafios essas variedades oferecem e qual o papel que elas podem desempenhar na indústria cafeeira do futuro.

Lee este artigo no espanhol Enfrentando o Cambio Climático com Variedades Híbridas de Café

agricultores e pesquisadores de café

Agricultores que avaliam o desempenho agronômico de uma planta híbrida de café arábica em um talhão experimental em Matagalpa, Nicarágua

POR QUE EXISTEM VARIEDADES HÍBRIDAS DE CAFÉ?

De acordo com Benoît Bertrand, gestor no CIRAD, quanto mais distantes geneticamente dois pais de café estiverem um do outro, mais resistentes serão seus descendentes. Isso é algo que os cientistas chamam de “vigor híbrido”. Os híbridos F1 são a prole da primeira geração criada quando duas plantas progenitoras geneticamente distintas são cruzadas. Esse híbrido vai combinar as características de ambos os pais, que podem incluir melhor qualidade da xícara e resistência a doenças, melhor adaptação às mudanças climáticas e rendimento mais alto – tornando-o bem posicionado para suportar as atuais condições ambientais. 

O centro de pesquisa francês CIRAD ajuda os países a lidar com questões agrícolas e lançou o BREEDCAFS em 2017 para criar uma gama diversificada de variedades de café produzidas de forma sustentável. Essas variedades poderiam ser voltadas para questões de produção e qualidade reduzidas. Segundo o pesquisador sênior do CIRAD e o co-coordenador de projetos Hervé Etienne, quando as plantas de café arábica sofrem, sua qualidade também sofre.

produtor de café

Don Oscar, cafeicultor de Sarchí, na Costa Rica, destaca os híbridos H1-Centroamericanos cultivados em sua fazenda

Híbridos Aumentam a Produtividade e a Resiliência

Enquanto as plantas de café prosperam quando cultivadas à sombra, é preferível o cultivo a pleno sol, pois pode produzir até 40% mais rendimento do que as plantas cultivadas em sombra total. No entanto, os híbridos F1 podem crescer e manter altos rendimentos nas condições agroflorestais e em pleno sol. Hervé diz que, pela sua experiência, os híbridos F1 podem produzir até 40% a mais em média do que as variedades convencionais cultivadas em pleno sol e em condições agroflorestais. O projeto BREEDCAFS busca aproveitar essa adaptação às condições agroflorestais para selecionar novos híbridos para sombra.

Os híbridos também podem levar ao aumento da produtividade ao trazer altos rendimentos a partir do segundo ano de cultivo em comparação com as variedades tradicionais, que geralmente só experimentam isso após três anos. Isso permite que os produtores aumentem sua capacidade e produtividade em menos tempo. Além disso, pesquisas indicam que os híbridos F1 são menos vulneráveis ​​a ambientes estressantes e à ferrugem das folhas do café.

Híbridos Produzem Xícaras com Perfis de Alta Qualidade

Condições de cultivo desfavoráveis ​​significam que muitas variedades tradicionais de café arábica com notáveis ​​qualidades de xícara não conseguem atingir todo o seu potencial. No entanto, o desenvolvimento de híbridos pode oferecer uma maneira de contornar isso, e é por isso que os pesquisadores do CIRAD estão criando híbridos que possuem genes que lhes fornecem grande resiliência ao estresse, ajudando-os a produzir perfis de xícara de melhor qualidade e a se adaptar a ambientes hostis. 

O potencial de qualidade de híbridos F1 como esses é evidente nos vários prêmios que conquistaram nas competições do Cup of Excellence no passado. A WCR concorda, observando que a qualidade da xícara dos híbridos F1 é muito boa ou excepcional – elogios geralmente reservados a variedades exóticas, como a variedade Geisha.

variedades híbridas de café na Nicaragua

Híbridos de arábica em um berçário na fazenda La Cumplida em Matagalpa, Nicarágua

COMO OS HÍBRIDOS F1 ESTÃO SE SAINDO ATUALMENTE 

Embora a pesquisa seja essencial para entender o funcionamento dos híbridos F1, eles também precisam ser monitorados em condições reais. Os parceiros do BREEDCAFS estão testando híbridos na Nicarágua, Costa Rica, Camarões e Vietnã e fizeram parcerias com organizações nacionais e locais para garantir que o projeto continue sustentável.

Pierre Marraccini é pesquisador e fisiologista molecular do CIRAD. Ele diz que é importante testar como os híbridos se saem em diferentes condições e como são impactados por diferentes tipos de solo, condições climáticas e influência humana.

Isso vai testar como os híbridos F1 se adaptam a diferentes ambientes, o que pode afetar a facilidade com que são aceitos pelos agricultores em todo o mundo. “Estamos comparando as respostas deles ao novo híbrido em comparação com as cultivares antigas por meio de nosso trabalho de campo em talhões de demonstração agrícola”, diz Pierre.

Embora esses esforços demonstrem que os híbridos F1 são uma alternativa viável às variedades tradicionais, menos de 5% das fazendas da América Central, por onde foram distribuídas por duas décadas, decidiram plantá-los. Existem barreiras à adoção, no que diz respeito à acessibilidade e à aceitação pelas comunidades agrícolas e pela indústria cafeeira. 

berçario de variedades híbridas de café

Membros de uma cooperativa de mulheres em Matagalpa, Nicarágua, espalham híbridos Arábica F1 em um berçário através do método de miniestacas enraizadas

SUPERANDO BARREIRAS DE ACESSIBILIDADE

Embora grande parte do trabalho que envolva a multiplicação híbrida ocorra em laboratórios, a instalação de um laboratório em todos os países produtores de café pode ser desafiadora e onerosa, e muitos produtores não conseguiriam chegar até eles. 

Por esse motivo, a equipe de Hervé aprendeu como propagar híbridos sem laboratório, adaptando suas práticas às tecnologias e infraestrutura locais para desenvolver um método de mini-corte acessível e fácil de replicar. O CIRAD colaborou com os institutos de pesquisa de cada país para garantir que cada um deles recebesse total autonomia para a propagação híbrida, seja por métodos de laboratório como embriogênese somática ou métodos hortícolas como miniestacas. O objetivo é aumentar o potencial de multiplicação do híbrido, diminuir custos e limitar problemas de transporte aumentando a acessibilidade.

pesquisadores de café

Parceiros do BREEDCAFS do Vietnã e de Camarões são treinados no método de propagação somática de embriogênese nos laboratórios da IRD em Montpellier, França

Muitas cooperativas, empresas e associações gerenciadas por mulheres estavam envolvidas, pois as produtoras e trabalhadoras muitas vezes não têm acesso a avanços tecnológicos. Melanie Bordeaux é diretora científica da Fundação Nicafrance na Nicarágua. Ela diz que qualquer inovação que torne os híbridos F1 acessíveis a pequenos produtores e mulheres nas comunidades cafeeiras é significativa, pois “a inovação tecnológica nas variedades de café tem sido um benefício exclusivo dos médios e grandes produtores, principalmente devido aos custos de produção e porque a técnica de reprodução estava nas mãos de empresas especializadas com altos custos operacionais. Essa realidade tornou o preço da planta mais caro, e esse preço, por sua vez, colocou condições ao acesso de pequenos produtores.”

Ela acrescenta que a democratização das técnicas de reprodução híbrida ajuda as pequenas produtoras e / ou esposas de pequenos produtoras a reduzir seus custos de produção, facilitando a renovação de suas fazendas e a promoção da cultura agroflorestal. 

talhão experimental da breedcafs

O vice-diretor geral do NOMAFSI, Dr. Luu Ngoc Quyen (à esquerda) e o diretor da Academia de Ciências Agrícolas do Vietnã, Dr. Bùi Quang Đãng (à direita), em uma visita de campo a um talhão experimental BREEDCAFS

Aumentando a Aceitação Social

Para que os híbridos sejam adotados pelos produtores, é importante entender suas formas de viver e de cultivar. Aske Skovmand Bosselmann é Professor Associado da Faculdade de Ciências da Universidade de Copenhague e é responsável pelo projeto BREEDCAFS Farmer Survey. Ele diz que é importante complementar suas descobertas científicas de experimentos controlados com as experiências e percepções que os agricultores têm com os novos híbridos de café.

Levantamentos com agricultores podem fornecer informações importantes sobre o tamanho de suas propriedades, estado de diversificação, técnicas de cultivo (incluindo a disponibilidade de árvores de sombra), acesso a recursos (finanças, insumos, treinamento etc.) e ecossistemas vizinhos. 

Gwendoline Naah é economista social do IRAD (Instituto de Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento) dos Camarões e gerencia as pesquisas com agricultores, que ela diz que elas podem ajudar a “identificar as restrições que os produtores estão enfrentando” e “conhecer os agricultores”. 

Os relatórios criados pelo BREEDCAFS a partir dessas pesquisas podem orientar os produtores na tomada de decisões. Por exemplo, podem mostrar aos produtores que, ao cultivar árvores de sombra, eles podem obter renda adicional com a colheita de frutas ou a madeira – além de ajudar a preservar suas plantas de café.

produtores de Camarões

Uma cooperativa de produtores de Bafoussam, Camarões, se reúne como parte de uma plataforma de diálogo para a criação de um cluster agroflorestal, com base em variedades híbridas de café

Aumentando a Demanda da Cadeia Produtiva

Saber o que impede cada membro da cadeia produtiva de comprar e vender híbridos pode ajudar os pesquisadores a identificar onde a desinformação está ocorrendo, para que possam resolver o problema na sua origem e incentivar a aceitação dos híbridos. 

Isso é importante, pois não basta educar os produtores sobre híbridos ou ajudá-los a ter acesso a eles. A menos que exista mercado para esses cafés, os produtores não poderão vendê-los e, eventualmente, perderão o interesse em cultivá-los. É por isso que também é muito importante envolver traders e torrefadores na pesquisa de híbridos.

Para aumentar a popularidade dos híbridos F1 no mercado, todos os membros da cadeia produtiva de café precisam entender o que são e o que têm a oferecer. O BREEDCAFS criou plataformas de diálogo em cada país para incentivar os membros da cadeia produtiva a compartilhar como veem os híbridos F1. Eles descobriram que a maioria não via necessidade e potencial para híbridos F1. “Estas plataformas de diálogo representam momentos privilegiados de troca entre os atores da cadeia produtiva”, diz Hervé. 

berçario de variedades híbridas de café

Ibrahim Njiayouom (IRAD) em frente a um berçário de híbridos Starmaya em uma estação de pesquisa da IRAD em Fumbot, Camarões Ocidentais

O FUTURO DAS VARIEDADES HÍBRIDAS E A INDÚSTRIA CAFEEIRA

Os híbridos F1 têm um futuro promissor e podem ajudar a recuperar a produção de café em países onde as questões ambientais fizeram disto um desafio. Gwendoline acredita que, nos Camarões, os sistemas agroflorestais e as variedades híbridas trarão de volta o cultivo do café, vão impulsionar a atual produção e aumentar a renda.

Enquanto os híbridos F1 vão melhorar as condições para os produtores e suas comunidades, os clientes também serão beneficiados. Ao ter acesso a este café, eles podem continuar desfrutando de sua bebida favorita com menos impacto negativo no meio ambiente – ou nas pessoas que a produzem.

Notas de rodapé: 1 O projeto BREEDCAFS é apoiado pela Comissão Europeia no âmbito do Horizonte 2020 – Programa de Pesquisa e Inovação, H2020-SFS-2016-2, número do contrato de subvenção: 727934 

Legenda da imagem de topo: Produtores realizam fenotipagem em campo de híbridos Coffea arabica F1 em uma fazenda na província de Son La, no Vietnã

Créditos das fotos: Mélanie Bordeaux (Fundação Nicafrance), Pierre Marraccini (CIRAD), Nerea Turreira Garcia (Faculdade de Ciências da Universidade de Copenhague), Njiayouom Ibrahim (IRAD), Hervé Etienne (CIRAD)

Traduzido por Ana Paula Rosas.

PDG Brasil

Nota: Este artigo foi originalmente patrocinado pela CIRAD.

Gostaria de ler mais artigos como este? Assine nossa newsletter!

Compartilhar: