Por Que Alguns Cafés Têm Mais Acidez Que Outros?
Acidez: um dos mais reverenciados e polêmicos atributos de uma xícara de café especial. Amada pelos consumidores da terceira onda e premiada por juízes de competições, também é frequentemente motivo de confusão.
O que é acidez e por que você deveria ser capaz de senti-la na xícara de café? Ela é boa ou é ruim? E como acentuá-la ou minimizá-la na torra ou extração?
Não tema: eu estou para responder todas essas questões e outras mais. Vamos começar!
Leia em espanhol: Preparación y Tueste: ¿Por Qué Hay Cafés Más Ácidos Que Otros?

Crédito: The Japan Coffee Man
O que é acidez?
Viva, acentuada, definida, brilhante, frutada, cintilante…, todas elas são palavras diferentes que têm sido usadas para descrever a acidez. Mas, embora tenhamos vários adjetivos para a acidez, nenhum a explica realmente.
A acidez não é fácil de definir.
Isto acontece, principalmente, porque ela assume diferentes formas. Ela afeta o sabor e o aroma, assumindo as características das frutas de caroço, nectarinas doces, ou maçãs suculentas. Pode ser compreendida como uma sensação na boca – Mané Alves, fundador do Coffee Lab International, Instrutor de Qualidade (Q Instructor), juiz internacional de degustação, e ex-Diretor do Comitê de Normas Técnicas da SCA, diz que “um provador (Q Grader ou não), pode definir a acidez pela definição que o café deixa na boca de alguém. Sem nitidez: sem acidez ou pouquíssima acidez.”
Mas a acidez também é um composto químico, o tipo exato de composto químico é que afetará o sabor do café, para melhor ou para pior. Compreender um pouco da química do café pode ajudar os torrefadores (e até os fazedores de café) a conseguir os melhores sabores possíveis na xícara.
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Porque, como diz Mané, “a acidez pode complementar ou desequilibrar a harmonia de uma xícara de café”. Se a acidez é muito pronunciada e se torna azeda, as pessoas não gostam do café”.
E sem acidez? “Então o café será sem sabor.”

Crédito: Kata Sára.
A Acidez Sob o Microscópio
Verônica Belchior está atualmente concluindo um PhD sobre a relação entre os compostos químicos e a qualidade e o sabor do café, além de ser Q Grader. Ela diz que os ácidos encontrados no café podem ser divididos em duas categorias: orgânicos e clorogênicos.
Os ácidos orgânicos incluem o cítrico, o málico, o acético, o succínico e o tartárico. Estes são os ácidos “bons” e frutados que você deseja saborear na xícara. Como diz Verônica, “a acidez é boa para a bebida de café quando os compostos essenciais envolvidos… são ácidos orgânicos.”
E eles acrescentam suas notas particulares ao café:
- Ácido Málico é o mesmo tipo de ácido que você encontra nas maçãs verdes, portanto, pense em um café extraído com a suculência e a nitidez suave das maçãs verdes.
- Ácido Cítrico, como você já deve ter adivinhado, é mais cítrico. Pense em limões, laranjas e nectarinas.
- Ácido Tartárico, é mais parecido com a uva, embora ele também esteja bastante presente na banana.
- Ácido Acético, por outro lado, é mais avinagrado e menos agradável.
Depois, você tem os ácidos clorogênicos, que são decompostos (normalmente durante o processo de torrefação) em ácidos quínico e cafeico. O problema é que os ácidos quínicos não tem um gosto bom. “Esses compostos são responsáveis pelo amargor, adstringência e acidez na bebida”, explica Verônica.
Por esse motivo que, frequentemente, quanto mais escura a torra, mais amarga ela será, enquanto mais clara a torra, mais sabor de ácidos frutados você experimentará – um pouco mais sobre isso adiante!

Crédito: Ryo John Ito
Naturalmente Ácido: Por que Alguns Grãos são mais Vívidos Que Outros
Como Mané diz, se você quer “evitar totalmente a acidez”, deve “começar com café que contenha bem pouco acidez”.
Não importa como você os prepare ou torre, alguns cafés terão mais ácidos orgânicos que outros. Fatores como a origem, variedade, método de processamento e clima têm uma enorme influência nisso.
- Origem
Segundo Mané, cada origem tem um “certo tipo de características de solo e certa quantidade de um determinado ácido”. Por exemplo, ele diz que “o ácido málico é prevalente nos cafés quenianos, enquanto o ácido crítico é mais comum nos cafés colombianos”. Lembre-se, isso significa mais notas parecidas com maçã do Quênia e mais frutas cítricas da Colômbia.
- Variedade e Espécies
Eles têm um papel importante na percepção da acide em sua xícara de café. As espécies Arábica, por exemplo, tendem a ter menos ácidos clorogênicos, o que diminui a percepção de sua acidez. Algumas variedades, como a SL-28 que você encontrará no Quênia, são conhecidas por sua acidez cintilante.
Parte disso é apenas genética. Porém, parte é devido às condições de cultivo. Algumas variedades são mais adequadas para o cultivo em temperaturas mais frias do que outras, o que também tem um impacto seu sabor.
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Crédito: Angie Molina.
- Clima e Elevação
Os mais cobiçados grãos de café são tipicamente cultivados em altitudes mais elevadas, embora sendo honesto, isto tem mais a ver com temperatura do que com altitude. O café que é cultivado a temperaturas mais frias tende a amadurecer mais lentamente, permitindo o desenvolvimento de sabores mais complexos. Quando extraídos, eles tendem a ser mais ácidos e aromáticos que os cafés cultivados em climas mais quentes – digamos, mais abaixo na mesma montanha.
Conforme Mané, as variedades de café podem “gerar mais acidez se plantadas na altitude correta”.
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- Processamento
Embora nós frequentemente chamemos o café de grão, isto é uma mentira: ele é uma semente de uma fruta doce e saborosa, conhecida como cereja. Porém, é complicado remover essa fruta. Há diversas formas diferentes de removê-la e o método escolhido terá impacto no sabor final.
Por exemplo, os cafés lavados são despolpados e lavados na água, removendo camadas que contém sacarose e frutose. Isto permite que a acidez brilhe, sem passar pelo filtro da doçura. Por outro lado, os cafés naturalmente processados deixam a fruta intacta enquanto seca, incrementando a doçura no geral e fortalecendo a percepção da acidez.

Crédito: Angie Molina.
Como Controlar a Acidez na Torra
Você não consegue criar um sabor, na torra ou na extração, que o café não possui. Contudo, você pode torrar de uma forma que irá ressaltar ou disfarçar sua acidez.
Primeiro, você pode considerar o nível de torra. “A maioria… dos ácidos diminuem em concentração durante o processo de torra”, diz Verônica, “e outros [ácidos] são criados pela degradação de seus compostos”. Lembra como os ácidos clorogênicos podem ser decompostos nos amargos ácidos quínico e cafeico?
Quanto mais clara for a torra, mais presentes estarão os sabores naturais do café na xícara (embora, claro, você não queira torrar tão claro que a extração se torne azeda ou com sabor de verde). Quanto mais escura a torra, maiores são as chances desses sabores estarem escondidos sob sabores mais torrados e amargos. “Fazer uma torra escura sem causar amargor é uma arte”.
Porém, a torra não se trata apenas de quanto tempo você deixa seus grãos no torrador. É sobre como você manipula o calor e o fluxo de ar para ressaltar as melhores características do café.
Altas temperaturas costumam delinear a acidez. Só tenha cuidado para não aquecer muito e tostar seu café. Você quer um balanço perfeito, considerando o tipo de grão que você tem. Quanto mais mole o grão – que geralmente é correlacionado com cultivo em altas temperaturas – mais gentilmente você precisará manipular o calor.
O seu objetivo deve ser obter um primeiro crack cedo e de curta duração – algo que necessita de altas temperaturas. Mas não exagere, se ele ocorrer muito cedo e em um período curto demais, isso também leva à acidez.
Lembre-se: você precisa entender seus grãos, monitorar o calor durante a torra, e, por último, almejar uma xícara equilibrada, permitindo que a acidez se destaque.
Tente torrar e fazer o cupping do seu café com diferentes perfis e tempos de desenvolvimento. Isto deve lhe dar uma compreensão melhor de como o seu perfil de torra afeta a acidez do café. Quanto mais você fizer isso, mais insights você terá!

Como Controlar a Acidez do Café na Extração
Digamos que você tenha um café etíope de elevada altitude com acidez cintilante de sobra e o torrefador a ressaltou com primor. Isto significa que você terá um café saboroso? Não necessariamente. Se você o extrair de forma errada, pode terminar com uma bebida sem sabor.
Da mesma forma, um achocolatado brasileiro de torra média-escura pode ter um sabor azedo se subextraído.
Mas o que é extração? E como ela afeta o seu café?
Então, no momento que a água faz contato com o seu café, os compostos de sabor e aroma começam a se difundir na água – isto se chama extração. O grau de extração irá afetar os sabores e aromas na xícara, porque nem todos os compostos serão extraídos no mesmo tempo.
Notas frutadas e ácidas são extraídas primeiro, seguidas da doçura e equilíbrio, e, finalmente, o amargor. Isto significa que a subextração levará a um sabor azedo, já que não tem nem a doçura e nem um leve toque de amargor que é necessário ao balanço da acidez. Porém, a superextração terá um sabor amargo, já que a doçura e a acidez serão mascaradas. Você quer o equilíbrio perfeito.
Então, como controlar a extração? Lembrando dessas regras de ouro:
- Quanto mais fina a moagem, mais rápida a extração ocorrerá (nota: o tempo de extração é diferente do tempo de preparo). Uma moagem mais grossa significa mais acidez; uma moagem mais fina, mais amargor.
- Quanto mais longo o tempo de preparo, mais extração ocorrerá. Extrações mais curtas serão mais ácidas; as mais longas, mais amargas.
- Quanto mais quente a água de preparo, mais rápida a extração ocorrerá – mas se estiver muito fria os ácidos não serão extraídos. Mané diz que “nós podemos obter ácidos bons e ácidos ruins quando extraímos… o uso da água quente produzirá uma formação maior de ácidos no preparo da xícara do que no cold brew (uma das características do cold brew é a presença de uma acidez mais suave).”
Portanto, busque uma temperatura de água relativamente alta, mas com uma moagem mais grossa e um tempo de preparo mais curto para uma xícara com mais acidez. Se sair azedo, use uma moagem mais fina e um tempo de preparo mais longo. Ou, extraia a frio para evitar os ácidos – mas não esqueça que você precisará aumentar o seu tempo de preparo, uma vez que a extração levará mais tempo em temperaturas mais baixas.
E lembre-se, mais uma vez, que o importante é o equilíbrio. Se a sua xícara não tem o sabor certo, tente alterar um desses aspectos para obter a extração ideal para você.

Crédito: Ana Valencia.
A acidez é um assunto extremamente complexo com muitos fatores que afetam sua presença ou ausência na bebida. Todavia, selecionar e preparar um café que se adequa às suas preferências pessoais não precisa ser tão complicado.
Uma coisa maravilhosa sobre o café é que ele possui muitas notas, sabores e aromas para todo tipo de paladar. Algumas torras, variedades, métodos de processamento e origens, oferecerão acidez de diferentes tipos e graus. Portanto, saboreie diferentes cafés e experimente com seu preparo. Descubra o que você gosta. E uma vez que isso funcione, siga o guia acima para preparar sempre a xícara perfeita para você.
Lembre-se: a acidez traz o equilíbrio e a vivacidade à sua extração. Quer a ame ou não, ela é uma parte importante de seu delicioso café matinal.
Agradecimentos a Verônica Belchior e Mané Alves por seu tempo e contribuição para o artigo
Traduzido por Sandra Sousa.
PDG Brasil
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