Ciência do Café: de Onde Vem os Sabores do Café?
Há tantas coisas que contribuem para o sabor de um café: a variedade, o perfil de torra, a receita de preparo, o método de processamento… Contudo, quando você começa a destrinchá-lo, o perfil de sabor de um café é realmente o resultado de uma coisa só – compostos químicos.
A forma com que torramos o café, o tipo de café que temos, a altitude em que foi cultivado, tudo isso tem impacto nesses compostos, claro. Porém, se quisermos realmente otimizar o perfil de um café, precisamos entender a ciência por trás disso. (Isto é especialmente verdade para torrefadores, porque seu trabalho é manipular calor para controlar diversas reações químicas.)
Recentemente, finalizei um PhD em Ciência dos Alimentos com foco em como nós podemos prever o sabor, o aroma e a qualidade do café por meio da análise de seus compostos químicos. Deixe-me explicar os principais pontos que você precisa saber.
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Crédito: Vilte Kasetaite para o Strange Love Coffee.
Sabor: Uma Questão de Química
Aroma, sabor, retrogosto, acidez e corpo: todos esses 5 atributos são uma resposta a diferentes compostos químicos. Na mesa de cupping, nós os analisamos com nossos sentidos – mas, as reações químicas, ainda sim, fazem parte desse processo. Nós avaliamos o aroma seco, seguido pelo aroma da quebra da crosta, e, em seguida, o sabor. Diferentes estágios, diferentes moléculas.
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Como Q-Grader, eu adoro o processo de cupping. Entretanto, como cientista, eu também observo diretamente os compostos químicos e como eles interagem. Há vários compostos não voláteis que têm impacto sobre o sabor e a qualidade, do carboidrato à cafeína. A quantidade desses compostos irá variar de acordo com a qualidade do café verde – mas lembre-se que a composição química dos grãos verdes é inteiramente diferente da dos grãos torrados.
Tudo isso me traz aos compostos voláteis: eles são, em sua maioria, produzidos por transformações químicas durante o processo de torra. Eles são essenciais na determinação da qualidade do café.
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Crédito: Elm Coffee Roasters
Alguns Compostos Não Voláteis Que Você Deve Conhecer
Quando nós falamos em compostos não voláteis, é importante destacar os alcalóides (cafeína e trigonelina), ácidos clorogênicos, carboidratos, lipídios, proteínas, melanoidinas e minerais.
Cafeína, por exemplo, afeta a percepção de força, amargor e corpo de um café extraído. Ela é solúvel em água. Outro alcalóide essencial é a trigonelina; esta contribui tanto para o aroma do café torrado e do café extraído.
Ácidos clorogênicos. Eu sou uma grande fã deles. Não é porque sejam saborosos, muito pelo contrário! Porém, eu tenho investido muito tempo os pesquisando.
O que é importante saber sobre ácidos clorogênicos é que eles são formados por um ácido trans-cinâmico (ácido cafeico, ácido ferúlico e ácido p-cumárico) e ácido quínico. Deixe-me explicar: o ácido quínico é um dos responsáveis pelo amargor e adstringência no café. Durante a torra, ácidos clorogênicos degradam – o que significa que há aumento da concentração de ácido quínico. Essa é uma das razões pelas quais torras mais escuras podem ter gosto amargo.
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Ácidos orgânicos: agora falaremos sobre o tópico de boa acidez. Este é um atributo crucial de qualidade e, geralmente, está correlacionado com a doçura. Há algumas coisas que você precisa saber:
- O café Arábica é mais ácido que o Robusta
- O conteúdo ácido degrada com o processo de torra (é de 11% para os grãos verdes, mas apenas 6% para os grãos torrados).
- Torras escuras degradam tanto o conteúdo ácido quanto a percepção de acidez no café.
Agora, vamos observar os tipos de acidez: alguns dos ácidos mais “sensíveis” no café são o cítrico, o málico e o clorogênico. Enquanto alguns ácidos degradam durante a torra (os clorogênicos, por exemplo), outros aumentam sua concentração – como os ácidos fórmico, acético, lático, entre outros.

Crédito: Jemmy Wijaya Shalim.
Carboidratos: alguns polissacarídeos – uma forma de carboidrato – que você precisa conhecer são as arabinogalactanas, mananas e celulose. Estes amáveis compostos têm um papel essencial na retenção de compostos voláteis do café, o que também contribui para o aroma. E em termos de sabor, essas moléculas também são responsáveis pela viscosidade da bebida. Além disso, os monossacarídeos – glicose e frutose – contribuem para a percepção da doçura do café.
Lipídios: contribuem para a textura do café extraído. Eles são extraídos dos grãos e, no espresso, eles participam da produção da crema. O processo de torra não afeta realmente seus níveis de conteúdo, mas, uma vez no torrador, os óleos migram para a superfície do grão (eles também mantém os compostos voláteis em seu interior).
Finalmente, chegamos nas melanoidinas. Estas são um produto das reações de Maillard: reações entre aminoácidos e açúcares redutores. Elas são moléculas grandes que originam a cor marrom do café e contribuem com a textura e corpo da bebida.
Contudo, observe que a cor marrom não é a originada apenas pelas melanoidinas. Isto também é resultado da caramelização dos açúcares. E isso nos leva aos compostos voláteis…

Crédito: Tyler Nix
O Que São Compostos Voláteis?
Agora chegamos ao tópico mais interessante de todos: compostos voláteis no café. Há vários e vários compostos voláteis no café, e como eu disse anteriormente, eles são um determinante essencial da qualidade do café.
Os compostos voláteis são criados, principalmente, por transformações químicas durante o processo de torra – mas isso não significa que os grãos verdes não tenham qualquer relação com eles. Os compostos voláteis caracterizam as variedades do café, as técnicas de processamento dos produtores, e, também, as origens geográficas do café.
Nós podemos facilmente dizer que há mais que 1.000 compostos voláteis no café – após a torra. Porém, apenas um pequeno número deles contribuem para a percepção do aroma. Vários pesquisadores sugerem que há cerca de 20-30 voláteis individuais em ação na nossa bebida. Ao analisar o aroma, devemos ter em mente que ele é provavelmente mais estreitamente relacionado à quantidade de um único composto e sua sinergia com outros compostos e seus “limites”, do que todos os 1.000 compostos. (Limite aqui significa a quantidade mínima de compostos químicos a que um olfato humano é sensível).

Reações Químicas Que Criam Compostos Químicos
Vamos dar uma olhada nas reações químicas que conduzem a esses compostos voláteis. As primeiras reações químicas são as Reações de Maillard (escurecimento não enzimático). Nós já citamos esta reação ao tratar das melanoidinas; entretanto, elas também produzem compostos heterocíclicos contendo nitrogênio e enxofre.
Outra reação importante a se destacar é a degradação do ácido fenólico. Essa é uma degradação dos ácidos clorogênicos (lembra deles da seção sobre compostos não voláteis?) em ácido cafeico (ou outros ácidos trans-cinâmicos), lactonas e ácidos quínicos. Esses compostos contribuem para o amargor e adstringência do café extraído.
Degradação de Strecker é outra reação crítica. Ela ocorre principalmente durante o estágio de desenvolvimento da torra do café e está relacionada à quebra de aminoácidos em aldeídos e cetonas (bom para o aroma).
E, para ser franca, há pelo menos mais sete reações sobre as quais nós poderíamos falar durante a torra – mas isso é assunto para outro artigo. Na minha opinião, a fase de torra é como uma grande festa química que ocorre dentro dos grãos. Há tanta coisa acontecendo lá.

Crédito: Crema Coffee Garage.
Compostos Específicos, Notas de Sabor Específico
Esses compostos voláteis incluem elementos como hidrocarbonetos, álcoois, cetonas, ácidos carboxílicos, ésteres, pirazinas, pirróis, piridinas, furanos, furanonas, fenóis, entre outros.
Apesar de esses nomes soarem muito científicos e, talvez até um pouco intimidadores, todos eles podem ser atribuídos a características específicas do café.
Você já usou o conjunto de aromas do Le Nez du Café? Ele contém 36 aromas que você pode usar para treinar suas habilidades sensoriais. Um dos meus favoritos é damasco (número 16): um aroma fresco e frutado. Geralmente, aromas florais e frutados são o resultado de cetonas e aldeídos. E se você observar as características do número 16 no livro que acompanha o conjunto do Le Nez du Café, você verá que este aroma está relacionado ao Benzaldeído – um aldeído. Lindo!
Furanos e Furanonas são o que geralmente nos faz perceber notas de caramelo e café tostado. As pirazinas podem ser relacionadas a notas de noz e café torrado. E, claro, a quantidade e as interações de alguns outros compostos podem criar notas negativas: moléculas de guaiacol (compostos fenólicos) são responsáveis por notas de fenólicos e queimado.

Crédito: Aveley Farms Coffee.
Desculpe-me, leitores, mas esse mundo que eu comecei a explorar parece não ter limites. Este artigo é apenas uma introdução às maravilhas da química do café: há tanto a aprender. Então vamos juntos conversar sobre isso, seja diante de um livro de ciências ou simplesmente de uma xícara de café.
Traduzido por Sandra Sousa.
PDG Brasil
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